Gerhard F. Hasel.
Nas últimas décadas o
destaque crescente que tem sido dado ao criacionismo, à “ciência criacionista” (1),
à “ciência das origens” (2), e à “ciência teísta” (3), tem criado um clima em
que perguntas antigas têm surgido com enfoques específicos e nova sofisticação.
Uma delas refere-se ao significado que se dá ao termo “dia” nos primeiros
capítulos de Gênesis.
A natureza do relato da criação com os seus seis “dias” (Gênesis
1:5-31) seguidos do “sétimo dia” (Gênesis 2:2-3) é de interesse especial,
porque costumeiramente esse período é entendido como significando o curto lapso
de uma semana literal. Com base na moderna teoria da evolução natural, tem sido
questionado esse curto intervalo de tempo apresentado no relato bíblico da
criação. Há um contraste entre o curto período de tempo do relato da criação e
as longas eras exigidas pela evolução natural.
Este artigo tentará desincumbir-se de várias tarefas
interrelacionadas:
1. Prover algumas observações metodológicas, com um breve
histórico da interpretação bíblica pertinente;
2. Citar opiniões representativas recentemente publicadas
sugerindo que os “dias” da criação constituem longos períodos de tempo, ou
épocas, e não dias literais de vinte e quatro horas;
3. Apresentar os dados encontrados em Gênesis 1 no seu
relacionamento com outros dados do Velho Testamento; e
4. Aplicar na análise dos dados de Gênesis 1 a metodologia usual
das pesquisas lingüísticas e semânticas, levando em conta o mais apurado
conhecimento atual.
O conhecimento de certos aspectos da história da interpretação dos “dias” da criação de Gênesis 1 pode ser de utilidade dentro da perspectiva da metodologia usada para a interpretação. A informação histórica ajuda o intérprete moderno a reconhecer que não é correto sugerir que sómente após a publicação de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, em 1859, é que os “dias” da criação tivessem passado a ser considerados como períodos de tempo não literais. Houve razões extra-bíblicas anteriores que levaram alguns intérpretes a se afastar do significado literal dos “dias” da criação.
Orígenes de Alexandria, um dos Pais da Igreja (* c. 185 A .D., + c. 254 A .D.), defensor e praticante do método alegórico de interpretação (4), é considerado como o primeiro a entender os “dias” da criação no sentido alegórico, e não literal (5).
Agostinho (* 354 A .D., + 430 A .D.), o mais famoso dos Pais da Igreja latinos, acompanhou a Orígenes na argumentação de que os “dias” devem ser entendidos como alegóricos, e não literais (6). Entende-se que Agostinho ensinava que Deus criou o mundo num só instante imediato.
Convêm aqui algumas considerações metodológicas. Nem Agostinho nem Orígenes tinham em mente qualquer conceito evolucionista. Eles consideravam os “dias” da criação como não literais com base em algo distinto - era obrigação filosófica atribuir a Deus atividade criadora sem qualquer relação com o tempo humano. Como os “dias” da criação se relacionam com Deus, argumentava-se que esses “dias” tinham de ser representativos de noções filosóficas associadas a Deus, tomadas nas suas respectivas perspectivas.
Na filosofia grega Deus é intemporal. Como os “dias” da criação incorporam-se à atividade divina, supunha-se que eles também deviam ser entendidos num sentido não temporal. O pensamento de Orígenes e de Agostinho havia sido influenciado pela filosofia grega, e não por especulações científicas que pudessem levar a uma reinterpretação dos “dias” da criação.
Esta abordagem tem em comum com as tentativas modernas que também tomam os “dias” da criação como significando algo distinto do que a sua acepção literal indica, o fato de que ambas baseiam-se em influências externas ao próprio texto bíblico. Os teólogos medievais que tomaram os “dias” da criação como não literais basearam-se em modos de pensar da filosofia pagã, extra-bíblicos.
Existe hoje também outra influência extra-bíblica que induz os intérpretes a alterar o que parece ser o claro significado dos “dias” da criação. É uma hipótese científica baseada num ponto de vista naturalístico, a moderna teoria da evolução, que tem impulsionado essa alteração.
O pensamento dos teólogos católicos medievais foi influenciado pelo método alegórico alexandrino de interpretação. Nos tempos medievais (7) foi adotado, e ainda encontra apoio no catolicismo romano atual, o sentido quádruplo das Escrituras (8). Os três sentidos não literais dessa interpretação quádrupla das Escrituras (a saber, alegoria, anagogia, tropologia) destacaram-se e mantiveram importância fundamental por mais de um milênio na Cristandade, provendo a base hermenêutica para a reinterpretação do sentido literal dos “dias” da criação.
Os Reformadores do décimo-sexto século concordaram em que o sentido quádruplo da interpretação das Escrituras comprometia o significado literal da Bíblia, tornando nula e vazia a sua autoridade quanto à fé e à vida. Insistiram os Reformadores que o único e verdadeiro sentido das Escrituras é o literal, o significado claro e direto do texto.
Uma das principais conquistas da Reforma Protestante foi o retorno às Escrituras. Isto significou que as Escrituras não necessitam de uma chave externa para a sua interpretação - seja ela o Papa, os concílios da igreja, a filosofia, ou qualquer outra autoridade humana. A clareza e a lucidez tornaram-se norma; a leitura a partir do seu próprio contexto tornou-se fundamental. Conceitos externos não lhe deviam ser sobrepostos, como se tornara prática no catolicismo medieval. A Bíblia tinha de ser lida no seu sentido literal e gramatical (9).
Martinho Lutero, consistentemente, defendeu a interpretação literal do relato da criação: “Afirmamos que Moisés falou no sentido literal, e não alegórica ou figurativamente, isto é, que o mundo, com todas as suas criaturas, foi criado em seis dias, como se lê no texto” (10). Também os outros Reformadores entendiam os “dias” da criação da mesma forma. [destaques meus]
A interpretação literal e gramatical, conhecida na história da Hermenêutica como o método histórico-gramatical, foi a norma da interpretação bíblica mais ou menos até o século dezenove (11).
À medida em que o conceito de longos períodos de tempo se infiltrava na explicação das origens da Terra, a partir das publicações de James Hutton (* 1726, + 1797) e Charles Lyell (* 1797, + 1875), alguns intérpretes cristãos, seguindo uma linha de conciliação, começaram a reinterpretar os “dias” da criação de forma não literal. O impulso nessa direção não se encontrava na própria Bíblia, mas numa nova visão de mundo que estava a desenvolver-se com base no conceito uniformista, e na resultante concepção das origens demandando longos intervalos de tempo.
O entendimento dos “dias” da criação como sendo “dias de restauração” (12), “dias de revelação” (13), além de considerar um “dia” como uma “época” (teoria do “dia-época”) ou como uma “época/era” (14) remonta a esse tempo, da mesma forma que as mudanças de cronologia exigidas pela nova Geologia. A abordagem de uma reinterpretação não literal dos “dias” foi típica dos que seguiam uma linha de conciliação, chamados de “concordistas”, que passaram a aceitar longos intervalos de tempo para a origem da Terra (15). Tendo em vista essas alterações, é inevitável concluir que as influências externas exercidas por uma nova compreensão das idades geológicas tornaram-se o catalisador para a reinterpretação dos “dias” da criação.
Na última década os “concordistas”, ou conciliadores liberais, têm tentado interpretar cada vez mais os “dias” da criação relatada em Gênesis de maneiras não literais, para fazer concordar as longas eras explicitadas pela teoria evolucionista com as implicações cronológicas do relato bíblico da criação.
É um fato reconhecido que a longa e controvertida história da relação entre ciência e religião ocasionou seu impacto no atual entendimento da Bíblia (16). Provavelmente o exemplo mais célebre disso tenha sido a mudança do ponto de vista geocêntrico para o heliocêntrico (17).
O sistema ptolomaico, não cristão, havia sido adotado pelos teólogos medievais tanto como sendo o ponto de vista cristão correto, quanto sendo bíblico, para a compreensão de nosso planeta. A Terra era concebida como o centro do sistema solar, e freqüentemente também do universo. Estabeleceu-se um enorme dilema quando o sistema heliocêntrico de Copérnico tornou-se proeminente e aparentemente irrefutável.
De um ponto de vista metodológico, o modelo interpretativo que os cientistas operam para a interpretação dos dados observados na natureza predeterminará em grande grau os resultados a serem obtidos, o mesmo acontecendo com o significado dos dados provenientes de fontes não naturais, dentre as quais se insere a Bíblia. É reconhecido, de maneira geral que as “teorias científicas afetam, sem dúvida, a interpretação bíblica pelo menos à medida em que elas abrem a oportunidade para a reavaliação da interpretação de algumas passagens (Gênesis 1-2; 6-8)” (18). A questão decisiva que surge então é se essa reavaliação vai configurar ou não uma imposição ao texto bíblico a ser feita pelos “concordistas” ou outros - imposição de um significado alheio ao que se encontra nas Escrituras dentro de seu próprio contexto.
Pelo menos duas principais opções parecem apresentar-se então:
1. A reavaliação com base nas conclusões “científicas” poderia levar a uma interpretação dos textos bíblicos que seja permissível dentro da estrutura conceitual do contexto e da intenção da totalidade das Escrituras. Nesse caso a reavaliação não colide com as normas internas de coesão e unidade das Escrituras.
2. A reavaliação de um texto bíblico poderia também levar a uma conclusão referente ao significado específico desse texto em discordância com aquilo que certa hipótese científica aceita atualmente. Para aqueles que aceitam a autoridade bíblica plena isso deveria levar ao reexame da conclusão resultante da interpretação dos dados provenientes da natureza obtidos pelos cientistas. Neste caso, isso por sua vez poderá atingir a própria teoria científica, ou até mesmo a ciência em seu todo, “pelo menos levando-nos a reavaliar se todas as conclusões tiradas de uma teoria científica são fidedignas, ou em alguns casos indagar se toda a teoria está sob suspeição” (19).
Alguns têm aceito a idéia de que uma teoria científica, pela sua própria natureza, e pela abrangência de sua aceitação, tem prioridade com relação às Escrituras (20). Está muito além dos limites deste artigo desvendar a complexidade dessa questão. Bastará dizer que, se as Escrituras são entendidas como resultado da revelação divina, e escritas de maneira inspirada, elas deveriam ter uma dimensão de autoridade não encontrada no livro da natureza. Com base nessa dimensão de autoridade superior, as Escrituras podem auxiliar na interpretação do livro da natureza, provendo um modelo de interpretação mais abrangente do que poderia ser esperado de um modelo puramente naturalístico.
Se as Escrituras devem manter sua integridade própria, dificilmente poderão ser interpretadas de forma a se acomodarem, a todo o momento, a alterações que derivem da ciência, da sociologia, da história, etc. As Escrituras, baseadas em sua própria natureza e autoridade, incorporam sua própria integridade quanto ao seu sentido e seus reclamos de verdade inerente. Isto se torna cada vez mais claro a partir de um estudo cuidadoso da Bíblia com sólidos métodos de interpretação que se harmonizam e se fundamentam no testemunho das próprias Escrituras. Isto implica que a autoridade das Escrituras reside nelas mesmas, e baseia-se na revelação e na inspiração.
A auto-suficiência das Escrituras, de que falamos, não significa que qualquer questão levantada a partir de outras áreas de investigação, tais como a ciência, a história, a sociologia, etc. não possa ser discutida com referência às Escrituras. Existe, entretanto, uma enorme diferença entre perscrutar novas questões referentes às Escrituras e impor novos significados ao texto bíblico.
O propósito claramente expresso das tentativas atuais de interpretar os “dias” de Gênesis 1 em termos outros que não literais freqüentemente é exposto também de forma bastante clara. Algumas citações de respeitados estudiosos falarão por si mesmas.
O erudito britânico John C. L. Gibson argumenta que Gênesis 1 deve ser tomado como uma “metáfora” (21), “história”, ou “parábola” (22), e não como um registro direto dos acontecimentos da criação. Escreveu ele em seu comentário sobre Gênesis, de 1981:
“... Se entendermos “dia” como equivalente a “época” ou “era”, poderemos pôr a seqüência da criação, apresentada no capítulo 1, em conexão com os relatos da moderna teoria da evolução, e assim caminhar um pouco no sentido da recuperação da reputação da Bíblia em nossa era científica ... Tanto quanto este argumento inicie uma tentativa de ultrapassar o sentido literal, atribuindo à semana da criação o sentido de uma parábola, com uma duração muito mais extensa, isso será digno de elogios.” (23)
Em 1983 o comentarista alemão Hansjörg Bräumer afirmou:
“O “dia” da criação que é descrito como contendo “manhã e tarde” (sic) não é uma unidade de tempo que possa ser determinada com um relógio. É um dia divino no qual mil anos são como o dia de ontem (Salmo 90:4, margem). O dia primeiro da criação é um dia divino. Não pode ser um dia terrestre, pois ainda está faltando a medida do tempo, o Sol. Não ocasionará nenhum dano ao relato da criação, portanto, entendê-la dentro do ritmo de milhões de anos” (24). [Seria Deus impotente, incapaz de controlar o tempo??? Ele precisaria realmente do Sol??? De onde virá a luz da Nova Jerusalém???... lá não terá sol. (Ap 21:23-24)]
D. Stuart Briscoe, criacionista “progressista” americano, aborda o assunto em seu comentário sobre Gênesis, da mesma forma:
“O naturalista fala convincentemente em termos de milhões de anos e eras evolutivas, enquanto o crente na Bíblia olha para os seis dias e fica perplexo, sem saber o que fazer ... Não é absolutamente irrazoável crer que “dia” (em Hebraico yôm), que pode ser traduzido literalmente como “período”, refira-se não a dias literais, mas a eras e épocas em que a obra criadora de Deus estava sendo realizada.” (25) [Deus ainda está descansando da sua obra, aliás o sétimo dia ainda não acabou, de acordo com essas interpretações liberais, canais, mundanas, diabólicas... quem teria maior intenção em desacreditar no que está escrito, se não o próprio diábo.]
Explicações desse tipo podem ser multiplicadas e provêem de estudiosos que militam no campo dos “concordistas”. Mais precisamente, pertencem eles ao ramo dos “concordistas abrangentes”, que em tempos recentes associaram-se ao criacionismo “progressista” (26).
Comecemos considerando Salmo 90:4. Esta passagem tem sido invocada com freqüência para indicar que os “dias” da criação não são literais, mas representam períodos, épocas, ou idades na cronologia.
Reza o texto: “Porque mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, e como a vigília da noite. ” [ACF] (27). De interesse imediato é a comparação do longo período de tempo de mil anos com tão somente o dia de ontem e a vigília da noite. Esta passagem das Escrituras contém uma partícula comparativa no original hebraico, para fazer a comparação entre os mil anos e “ontem”, e a “vigília”. A partícula comparativa, em Português, foi traduzida por “como”.
Do ponto de vista da sintaxe hebraica essa partícula comparativa refere-se não somente à expressão “dia de ontem”, mas também à expressão “vigília da noite”. Ela aplica-se a ambas as frases. Isto demonstra que a comparação não é entre um “dia” ser igual a mil anos. Mil anos com Deus são como ontem, isto é, o dia que passou, ou como a “vigília da noite”, que é um período de tempo menor mesmo do que “ontem”. O ponto fundamental é que Deus computa o tempo de maneira distinta dos seres humanos.
Gênesis 1 não está interessado em mostrar como Deus calcula o tempo. O contexto da criação em Gênesis fala de “dias” no sentido do tempo da criação durante o qual Deus criou este mundo, e pelo qual estabeleceu Ele o ritmo do ciclo semanal de contagem do tempo.
Além do mais, em Gênesis 1 falta qualquer partícula comparativa semelhante a “como”, em conexão com o uso do termo “dia”. A falta de uma expressão hebraica comparativa, em Gênesis 1, seja relativa ao termo “dia”, seja relativa à expressão “tarde e manhã”, indica que não se pretende comparação alguma. Comparação não é o problema de Gênesis 1. O problema é a extensão de tempo que Deus usa para criar o mundo, e se esse período de tempo é ou não idêntico à semana de sete dias que estabeleceu o ritmo para o tempo histórico.
A partir de pontos de vista contextuais, bem como de semântica e de sintaxe gramatical, a aplicação de Salmo 90:4 a Gênesis 1 não tem cabimento. Critérios adequados de comparação, tanto lingüísticos como fraseológicos, inexistem no caso. As pessoas que ligam entre si os dois textos não apresentam sensibilidade a quaisquer critérios contextuais lingüísticos e fraseológicos. Fica a impressão de que as pessoas que comparam os “dias” de Gênesis 1 com o “ontem” e a “vigília”, ou os mil anos da escala de tempo divina, estão “comparando laranjas com bananas”.
Outro tipo de objeção tem sido levantado ao se considerarem os “dias” da criação como longos períodos de tempo: se tivéssemos de entender “o sexto dia como a sexta época da criação, isso abriria a porta à existência de algum tipo pre-adâmico de homo (sic) sapiens” (28). Em outras palavras, a substituição de “dia” literal por longas eras colide com a visão de Adão e Eva como os primeiros seres humanos que Deus criou sobre a Terra.
Uma terceira dificuldade relaciona-se com o fato de que o Salmo 90 não é um Salmo que versa sobre a criação. Contextualmente, o Salmo 90 não aborda o tópico referente a como Deus encara os “dias” da criação, mas sim como os seres humanos devem encarar o tempo quando posto em comparação com a eternidade de Deus. Em Português há uma palavra para essa comparação, “ontem”. E “ontem” no Salmo 90:4 está em paralelismo com a expressão “vigília da noite”, isto é, um intervalo de tempo bastante mais curto. Isso significa que os mil anos não estão sendo comparados simplesmente com um dia, mas com um intervalo de tempo mais curto.
Em resumo, Salmo 90:4 não define o significado do que é designado como “dia”em Gênesis 1. Em face dos problemas citados, e de outras dificuldades existentes (29), não se deve surpreender com o fato de que muitos que normalmente aceitam a “teoria do dia/época” como solução para a contraposição entre ciência e religião, evitam de fazer referência a Salmo 90:4. Esse texto, quando lido em seus devidos termos, nada tem a ver com a extensão dos “dias” da criação.
Segunda Epístola de S. Pedro 3:8
Os “concordistas abrangentes” também têm usado a segunda epístola de S. Pedro, capítulo 3, versículo 8 (“que um dia para o Senhor é como mil anos...” [ACF]) para apoiar a teoria do dia/época. Isso tem sido considerado por alguns como uma espécie de equivalência matemática “bíblica”, igualando literalmente um dia a mil anos. Outros têm considerado os mil anos como significando um longo período, uma época, ou algo semelhante. Neste caso, argumenta-se que “um dia é igual a um longo período de tempo”, ou “um dia é igual a uma época”.
Convém assinalar que os que invocam este texto desta forma deparam-se com vários problemas importantes:
1) II S. Pedro 3:8 não apresenta nenhum contexto criacionista;
2) II S. Pedro 3:8 incorpora uma partícula comparativa que não consta no texto de Gênesis 1;
3) II S. Pedro 3:8 passa a ser interpretado não literalmente quando os mil anos são supostos como significando uma “época” ou algo semelhante;
4) II S. Pedro 3:8 revela que Deus não está limitado ao fator tempo, nem sujeito a ele no cumprimento de suas promessas.
A intenção dessa passagem é bem posta por Lloyd R. Bailey, ele mesmo um “concordista abrangente”:
“O texto de II S. Pedro 3:8 tem sido mal interpretado por aqueles que querem utilizá-lo para amparar o sentido da palavra “dia” em Gênesis 1. ... Entretanto, o propósito daquele texto é destacar que “O Senhor não retarda a sua promessa ... mas é longânimo ... não querendo que ninguém pereça ...” (versículo 9; cf. versículo 4). Isto é, Deus não está sujeito ao tempo no sentido em que os seres humanos estão (“... como alguns a julgam demorada”, versículo 9). A intenção, portanto, é de asseverar a fidelidade de Deus a suas promessas, e não de definir o significado da palavra “dia” como ela é usada em Gênesis 1.” (30)
Melhor seria deixarmos que II S. Pedro 3:8 cumpra o seu propósito original, e não dar-lhe uma interpretação sem qualquer conotação tópica, contextual e lingüística.
A teoria de que os “dias” da criação são de fato “dias de revelação” é hoje defendida somente por alguns poucos estudiosos do assunto.
Essa teoria foi proposta no décimo-nono século pelo geólogo escocês Hugh Miller (31). Hoje em dia foi ela reavivada por P. J. Wiseman, em sua publicação “Creation Revealed in Six Days”, reeditada em 1977 (32).
De acordo com essa interpretação, Deus não criou o mundo em seis dias, mas sim “revelou” e explicou ao homem em seis dias literais aquilo que Ele já teria feito no decorrer de numerosos intervalos de tempo. A frase recorrente “e disse Deus” é considerada como apoiando a teoria de que os “dias” da criação constituem realmente “dias de revelação”. Esta teoria não exige uma idade recente para a origem do mundo, nem a criação em seis dias literais de 24 horas.
Tem sido observado de maneira incisiva que a concepção dos “dias da teoria da revelação” resulta em grande parte de uma “compreensão errada da palavra fez em Êxodo 20:11” (33), para a qual Wiseman defende o significado de “mostrou” (34).
“Mostrou” não é um significado válido para o termo hebraico ‘asah. Nenhum dicionário da língua hebraica apoia esse significado para esta palavra. O termo hebraico ‘asah, usado mais de 2.600 vezes no Velho Testamento, significa “fazer, manufaturar, produzir”, etc., (35) e em nem uma só vez seu significado pode ser associado a “mostrar”, tanto no Velho Testamento quanto no Hebraico extra-bíblico (36). Este significado, “mostrar”, foi inventado exclusivamente em função da teoria em questão. Em vista desse fato, não é surpresa que os “dias da teoria da revelação” não tenham tido maior repercussão (37).
Em resumo, os “concordistas abrangentes” atuais parecem interpretar Gênesis 1 de alguma forma “figurativa, simbólica, ou em senso lato, como por exemplo com a idéia de que os “dias” de Gênesis 1 podem ser interpretados como longos períodos de tempo” (38). Seu propósito é tentar uma acomodação com as alegações da teoria da evolução quanto aos longos períodos de tempo. Com base nessa hipótese para a cronologia, as Escrituras são reinterpretadas na busca de uma harmonização entre o seu relato da criação e o quadro evolutivo naturalista. Os que procuram ajustar as Escrituras, nessa linha, são conhecidos como “concordistas abrangentes”. [Quem é infalível, as Escrituras Sagradas ou os cientistas depravados? Em que o crente fiel deve acreditar? Nas Escrituras, claro!]
Contrastando com essa posição estão os “concordistas estritos”, estudiosos de igual erudição e capacidade, que também procuram harmonizar a ciência com a religião, mas sem pretender atribuir ao texto bíblico uma “leitura vaga”. Concordam eles que o significado de um texto deva basear-se em critérios de linguagem internos, bem como no emprego de padrões lingüísticos comumente aceitos. Concordam também que o contexto das Escrituras é primordial e que as normas lingüísticas precisam seguir sólidas convenções sintático-gramaticais. Assim, os “concordistas estritos” estão perfeitamente cônscios das tensões existentes, mas resistem contra forçar um significado para o texto bíblico sem o apoio de sólida análise lingüística.
O recente comentário sobre o livro de Gênesis, de autoria do
erudito evangélico Victor P. Hamilton, assume a posição de que os “dias” de
Gênesis 1 devem ser considerados como não figurativos e não metafóricos, isto
é, devem ser dias solares de 24 horas (39). Entretanto, como “concordista
abrangente” que é, comprometido com longos períodos de tempo, continua ele
interessado na busca da harmonia com a moderna ciência naturalista. Para
conseguir esse objetivo, apela ele para uma “leitura literária de Gênesis 1 que
ainda permita a permanência de dia como um dia solar de 24
horas” (40). Como pode isso acontecer?
Hamilton fala de uma “leitura literária” do relato da criação em Gênesis. Essa “leitura literária” permite-lhe entender os “dias” da criação literalmente, mas não “como um relato cronológico a respeito de quantas horas Deus despendeu em Seu projeto criativo, mas como uma analogia referente à atividade criadora de Deus” (41). Sob este ponto de vista, os “dias” de 24 horas em Gênesis 1 nada mais são do que uma “analogia” baseada em uma “leitura literária (não histórica)” do relato da criação apresentado em Gênesis.
Este ponto de vista sobre a “leitura literária” baseia-se em Charles E. Hummel (42). Hummel argumenta que mesmo que os “dias” em Gênesis 1 tivessem de ser considerados como dias solares de 24 horas, como ele acredita que sejam, “permanece ainda a questão sobre se a forma (literária) é figurativa ou literal, isto é, uma analogia da atividade criadora de Deus, ou um relato cronológico a respeito de quantas horas Ele trabalhou” (43). Hummel acredita que são importantes o “quem” e o “porquê” da criação, mas não o “como” (acompanhando Bernard Ramm), e que, portanto, a “analogia ... provê um modelo para o trabalho humano” (44).
A teoria da “analogia” consiste em entender o “dia” literal no contexto de “uma metáfora” que “utiliza o significado usual de uma palavra” (no caso a palavra “dia”) “de uma maneira figurativa” (45). A transferência analógica sugerida pela teoria da “analogia” suprime de um documento cronológico o esquema de seis dias de trabalho e um de repouso, passando a caracterizá-lo tão somente como uma ampla configuração relacionada com o trabalho e o repouso aplicável à humanidade (46).
Por mais atraente que essa teoria da “analogia” possa parecer, permanecerá sempre o problema da fidedignidade contextual e literária dentro do capítulo 1 de Gênesis e da Bíblia como um todo, para aceitar a designação do tempo expressa na palavra “dia” simplesmente como uma analogia para o conceito de trabalho/repouso. Hummel (acompanhado por Hamilton) foi forçado a redefinir o gênero literário de Gênesis 1, deixando de lado o relato direto da criação, e aceitando um gênero designado como “narrativa semi-poética” (47). Isso enquadra-se na abordagem histórico-cultural da criação.
Torna-se evidente que estes eruditos “concordistas” em parte são influenciados pela crítica formal e seu estilo metodológico de interpretação. A crítica formal, um sub-método do método histórico-crítico, iniciou-se com Hermann Gunkel, conhecido como o pai da crítica formal, na virada do século (49). Gunkel levantou a questão sobre se “as narrativas de Gênesis são história ou lenda” (50). Sua premissa era que “muitas coisas relatadas em Gênesis ... vão diretamente de encontro ao que temos de melhor em nosso conhecimento” (51). A idéia contida no “melhor em nosso conhecimento” constitui uma admissão tácita da parte de Gunkel de que a concepção do mundo evolucionista naturalística constitui a norma autorizada para julgar o que é história ou o que é lenda. Desta forma, sugeriu ele que o gênero literário de Gênesis não é história, e sim “lenda”. Gunkel foi o primeiro erudito liberal a atribuir ao relato da criação, constante de Gênesis, outro gênero literário que não história no sentido de um relato factual. Posteriormente acompanharam-no outros eruditos liberais e teólogos neo-ortodoxos, e também hoje, em parte, eruditos neo-evangélicos que são “concordistas abrangentes”.
Embora não precisemos tentar ser exaustivos na citação de categorias de estilos literários que têm sido propostos para classificar Gênesis, poderão ser citados alguns dos principais exemplos representativos. Karl Barth, o pai da teologia neo-ortodoxa, considera Gênesis 1 e 2 como “saga” (52), e conseqüentemente não histórico. S. M. Hooke, líder da escola do mito-e-ritual, afirma que o relato da criação de Gênesis é uma “liturgia cultual” (53). Gordon Wenham, erudito não-evangélico, acredita ser ele um “hino” (54). Walter Brueggemann, não-concordista liberal, sugere que é um “poema” (55). Claus Westermann, crítico formal, chama-o de “narrativa” (56). John H. Steck, “concordista abrangente”, chama-o de “narração metafórica” (57). Gerhard von Rad, crítico da tradição, designa-o como “doutrina” (58). Outros sustentam ser um “mito” (59), uma “parábola” (60), “história”, “teologia” (61), “alegoria”, etc.
Diversas observações essenciais devem ser feitas em vista dessa pletora de opiniões correntes sobre a natureza do gênero literário do relato da criação de Gênesis.
1) O consenso óbvio é que não há consenso sobre o gênero literário de Gênesis 1. Isso faz com que a abordagem do estilo literário para uma leitura não literária de Gênesis 1 seja considerada suspeita em suas alegações.
Como não há consenso, o intérprete cuidadoso deveria ser mais cauteloso, evitando engrossar o cortejo triunfal da identificação do gênero literário com o propósito de redefinir a intenção de Gênesis 1. A intenção da descrição do estilo pela crítica formal, desde o início, dos tempos de Gunkel até hoje, tem sido fazer com que o texto de Gênesis 1 não seja considerado como histórico e factual em sua natureza (62).
2) A abordagem do “gênero literário” revela ser este outro caminho, inicialmente usado pelos não-concordistas, para evitar que o relato da criação em Gênesis seja compreendido como um texto literal, com autoridade, com implicações quanto ao relacionamento entre a ciência e a Bíblia. É sugerido corretamente que “a maneira pela qual Deus revelou a história da criação deve ser ela mesma justificada pelas Escrituras” (63), e não apelando-se à descrição do gênero literário pela crítica formal, da qual tenha sido removida a historicidade.
3) Intérpretes que adotam a abordagem do “estilo literário” com o objetivo de retirar o relato da criação do âmbito de sua intenção literal sentem-se livres, não obstante, para interpretar os “dias” da criação de uma maneira literal e gramatical.
Usar a abordagem do “estilo literário” significa restringir o significado de Gênesis 1 a uma forma de pensamento que não exige uma leitura histórica, factual, daquilo que aconteceu. A redefinição do relato da criação realizada nessa abordagem pretende suprimir para o leitor moderno a informação sobre “como” e “de que maneira” e “quando” Deus criou o mundo. Ela simplesmente deseja afirmar de maneira minimalística que Deus é Criador. E esta afirmação é feita com significado teológico, e não científico, sem qualquer relação com a maneira pela qual a Terra e o Universo tenham vindo à existência e se desenvolvido subseqüentemente.
A abordagem do “estilo literário” baseia-se em uma metodologia da crítica literária (64) que pretende atribuir ao relato da criação, como um todo, uma função distinta daquela da historicidade ou da factualidade. Nesse caso, não importa se os “dias” da criação são considerados como dias literais de 24 horas, pois esses dias, bem como o relato em seu todo, teriam outro sentido que não o histórico ou factual.
Permanece a questão sobre se o relato da criação em Gênesis 1 é literal ou figurativo em seu todo (65). Freqüentemente Gênesis 1 é considerado como parte de uma unidade maior, que abrange os capítulos de 1 a 11, para dar resposta às questões ligadas à sua natureza, propósito e função.
É um fato reconhecido que estes capítulos iniciais do livro de Gênesis apresentam singularidades, isto é, eventos acontecidos uma só vez, não mais repetidos, e que não encontram nada análogo na nossa experiência atual.
Como o historiador moderno encara tais singularidades? A posição padrão da historiografia moderna baseia-se no princípio da analogia (cf. Ernst Troeltsch), isto é, o princípio de que nada na experiência do passado pode ser reconhecido como histórico a não ser quando corresponda à experiência atual (66). Este princípio baseia-se, por sua vez, na noção da uniformidade básica da experiência humana e dos acontecimentos históricos (67). O princípio da analogia sustenta que o passado somente é compreendido através da contribuição do presente, com sua aplicação ao passado.
A aplicação consistente deste fundamento uniformista que se manifesta no princípio da analogia leva à negação da historicidade e da factualidade da maior parte dos capítulos 1 a 11 de Gênesis, aí incluído o relato da criação de Gênesis 1.
Poderia e deveria o princípio uniformista da analogia reinar como a suprema norma para a compreensão do passado? (68) “Surge um problema quando o uniformismo é alçado à posição de um princípio universal que torna inadmissíveis certas evidências”, declara um forte adepto do princípio da analogia e da historiografia modernista (69). Esta admissão da existência do problema exige grande cautela na aplicação do princípio uniformista da analogia.
A humanidade conhece experiências da realidade atual que são singulares e não encontram paralelo no passado. Por exemplo, há vinte e cinco anos os primeiros seres humanos caminharam sobre a superfície da Lua. Isto nunca havia acontecido antes. Outro exemplo foi o uso de bombas atômicas para a destruição de duas cidades japonesas em 1945. Este tipo de destruição jamais havia acontecido anteriormente, e permanece até hoje como singular. Muitas outras singularidades poderiam ser mencionadas.
Da mesma forma que existem singularidades hoje, que são resultado da atuação humana ou de outra causa qualquer, e que constituem eventos e situações reais que não encontram analogia no passado, podem ser citadas também singularidades verificadas no passado que não encontram analogia no presente. Por exemplo, o famoso filósofo da história britânico R. G. Collingwood observou que os antigos Romanos envolveram-se num processo de controle de população mediante o infanticídio de recém-nascidos. Foi esta uma singularidade que não encontra analogia no presente, nas tentativas de controle de população (70).
Com estas limitações do princípio da analogia em mente (71), não é sensato rejeitar o relato da criação supondo-o como não histórico e não factual, simplesmente por não conhecermos qualquer analogia sua nos dias de hoje. Gênesis 1 contém singularidades que podem ser aceitas como tão reais, históricas e factuais como as singularidades de qualquer outra espécie no presente ou no passado.
Existem boas razões para sustentar que Gênesis 1 é um relato factual da origem do mundo habitável. Este registro bíblico é preciso, autêntico e histórico.
A partir da abordagem puramente comparativa das estruturas literárias, Gênesis 1 não difere do resto do livro de Gênesis (72) ou do Pentateuco, quanto à configuração lingüística, à sintaxe, aos fenômenos lingüísticos, à terminologia, à apresentação seqüencial dos eventos no relato da criação.
Comparado com os hinos da Bíblia, o relato da criação não é um hino; comparado com as parábolas da Bíblia, o relato da criação não é uma parábola; comparado com a poesia bíblica, o relato da criação não é um poema; comparado com a liturgia do culto, o relato da criação não é uma liturgia. Comparado com várias espécies de formas literárias, o relato da criação não é nem metáfora, nem história, nem parábola, nem poesia, nem coisa semelhante.
Um estudo recente da forma literária dos capítulos 1 a 11 de Gênesis, feito com base na literatura contemporânea do Oriente Próximo, concluiu que “estamos lidando com gêneros de narrativa em prosa, entremeados com algumas listagens, referências, provérbios e linhas poéticas” (73). Sem dúvida é esta uma descrição bastante boa do conteúdo de Gênesis 1.
Um estudo detalhado da forma literária de Gênesis 1 concluiu que estamos em face de um gênero de “genealogia em prosa” (74). O próprio Gunkel observou, há muito tempo, que Gênesis é “prosa”. Observou, também, que Gênesis é “mais artístico em sua composição, e tem algo de construção rítmica” (75). A natureza não poética de Gênesis 1 indica que a sua intenção é exprimir o seu sentido de maneira clara e simples, como um registro acurado e direto de eventos criativos.
Olhando-se para a informação transmitida pelo primeiro capítulo de Gênesis de forma comparativa com outras literaturas antigas do Oriente Próximo, deve-se concluir que “Gênesis 1 não encontra paralelo em coisa alguma do mundo antigo externa à Bíblia” (76). Gênesis 1 constitui o registro mais coerente e profundo produzido no mundo antigo sobre “como”, “quando”, “por quem”, e “de que modo” veio o mundo à existência. Em nenhum tipo de literatura do mundo antigo encontra ele qualquer paralelo. Existem fragmentos e pedaços de textos de vários mitos cosmogônicos e especulações com os quais o relato bíblico da criação tem sido comparado, resultando sempre sua singularidade, no mundo antigo, em termos de sua abrangência e consistência (77).
Seria útil analisar a forma literária como algo distinto do “estilo literário” da crítica formal que já foi discutido anteriormente.
John H. Stek sugere que o “tipo literário (de Gênesis 1), tanto quanto se saiba hoje, não encontra paralelo estrito; ele é sui generis” (78). Já foi observado que a apresentação e o conteúdo de Gênesis 1 como um todo não tem paralelo no mundo antigo (79). Significa isso, portanto, que ele é sui generis no sentido de que ele não deveria ser compreeendido como literal em sua intenção? Como a própria criação certamente é singular, da mesma forma o relato da criação é necessariamente singular. Entretanto, dificilmente poderia ele ser considerado sui generis no sentido exclusivamente literário, que retiraria dele a comunicação no nível factual, histórico e preciso.
Com base no relacionamento com o restante de Gênesis (e com a Bíblia em seu todo), o relato da criação (Gênesis 1:1 a 2:3) pode ser adequadamente designado quanto à sua forma literária. O relato é um registro histórico em prosa, escrito em estilo rítmico, registrando factualmente e acuradamente “o que” aconteceu na criação “dos céus e da terra”, retratando o tempo “em que” ela ocorreu, descrevendo os processos do “como” ela foi feita, e identificando o Ser divino que (“quem”) a executou. O resultado da semana da criação foi um mundo “muito bom”, com o mais adequado ambiente para viverem os seres humanos então criados. Este registro histórico em prosa da criação relata corretamente os eventos criativos em seqüências específicas, dentro de “dias” literais cronológicos seqüenciais. Esses “dias” instauram o processo histórico subseqüente, da ordenação do tempo em ciclos semanais nos quais se inserem os seres humanos e a natureza sob o controle último de Deus. Nesse sentido, Gênesis 1 é a história inaugural (80) das origens, que modela o fluxo da história da humanidade e do mundo a partir da semana da criação.
Consideraremos o uso da palavra “dia” (em Hebraico yôm) de conformidade com as principais linhas da erudição atual. Existem eruditos liberais e não-liberais que chegaram à conclusão de que a palavra “dia” (em Hebraico yôm) em Gênesis 1 deve ser compreendida de maneira singular no sentido literal. Faremos uma revisão crítica de algumas de suas razões e adicionaremos outras.
O influente teólogo e exegeta liberal europeu, Gerhard von Rad, especialista em
Velho Testamento , declara: “Os sete dias inquestionavelmente devem ser
entendidos como dias reais, e como um lapso de tempo singular, não repetitível,
em nosso mundo” (81). Gordon Wenham, erudito não-concordista britânico,
especialista em Velho Testamento , conclui que: “Pouca dúvida pode existir de
que aqui “dia” tem o seu sentido básico de um período de 24 horas” (82). James
Barr, renomado Semitista, e especialista em Velho Testamento , opõe-se com
veemência aos intérpretes figurativos, observando que os “dias” da criação
foram seis dias literais completando um período de 144 horas (83). Há muito
tempo o crítico formal Hermann Gunkel concluiu que: “Os “dias” são de fato dias
e nada mais” (84). Este elenco de citações poderia continuar com a adição de
numerosas outras vozes partilhando da mesma posição não-concordista.
Victor P. Hamilton conclui, da mesma forma que outros eruditos neo-evangélicos concordistas abrangentes, que: “Quem quer que tenha escrito Gênesis 1 acreditava estar falando de dias literais” (85). John H. Stek, outro concordista abrangente, traz numerosos fatores em defesa de sua posição a favor de “dias” literais”:
“Certamente não existe sinal algum, nem siquer insinuação, dentro da narrativa (de Gênesis 1) de que o autor pensava que seus “dias” deveriam corresponder a designações não regulares de tempo - primeiro uma série de períodos indefinidos, depois uma série de dias solares - ou que os dias por ele delimitados com “tarde e manhã” pudessem possivelmente ser entendidos como longos eons de tempo. Sua linguagem é simples e direta, usando palavras simples e diretas das mais comuns nas experiências de vida da humanidade ... Ao historiar os atos criativos de Deus, o autor foi “movido” a colocá-los em seqüência como se fossem atos humanos, e a “temporalizá-los” de acordo com a configuração do tempo criado na arena da experiência humana.” (86)
Numerosos estudiosos e comentaristas, independentemente de serem concordistas ou não, têm concluido que os “dias” da criação não podem ser nada mais do que dias literais de 24 horas. Estão eles perfeitamente cientes das interpretações figurativas, não literais, da palavra “dia” em Gênesis 1, com a intenção de harmonizá-las com as extensas eras exigidas pelo modelo evolucionista das origens. Apesar disso, insistem eles, com base em cuidadosas investigações feitas sobre o uso da palavra “dia” em Gênesis 1 e em outras passagens, que o verdadeiro significado e intenção do “dia” da criação é um dia de 24 horas.
A grande maioria dos léxicos e dicionários da língua hebraica amplamente aceitos, publicados no século vinte, traz a afirmação de que a designação “dia” em Gênesis 1 significa um dia de 24 horas, a saber, um dia solar.
Um prestigioso léxico recentemente publicado refere-se a Gênesis 1:5 como a primeira entrada escriturística para a definição de “dia de 24 horas” para o vocábulo hebraico yôm (“dia”) (87). O Léxico Hebraico-Inglês de Holladay segue o exemplo do “dia de 24 horas” (88). Brown-Driver-Briggs, léxico clássico Hebraico-Inglês, também define o “dia” da criação em Gênesis 1 como “um dia regular, definido por uma tarde e uma manhã” (89).
Lexicógrafos da língua hebraica colocam-se entre os mais qualificados eruditos hebraicos. Espera-se que eles tenham o maior cuidado em suas definições, e que também usualmente indiquem significados alternativos, se houver segurança para assim procederem em certas instâncias. Nenhum lexicógrafo afastou-se do significado da palavra “dia” como um dia literal de 24 horas em Gênesis 1.
Magne Saeboe escreve no elogiado “Theological Dictionary of the Old Testament” que a palavra “dia” (yôm) em Gênesis 1 tem significado literal no sentido de “um dia completo” (90). Ele não entrevê qualquer outro significado ou alternativa.
Ernst Jenni, aplaudido erudito hebreu deste século, afirma no mais amplamente utilizado dicionário teológico da língua hebraica que o significado de “dia” no relato da criação deve ser entendido na acepção literal, como “dia de 24 horas, no sentido de uma unidade de tempo astronômica ou calendarial” (91).
O campo da semântica nos estudos lingüísticos refere-se àquilo que é chamado de significação (92). Isso cobre os problemas da “avaliação acurada do significado das expressões (palavras, frases, cláusulas, sentenças, etc.), que realmente têm sido usadas” (93).
A semântica chama atenção para a questão crucial do significado exato da palavra hebraica yôm. Poderia a designação “dia” em Gênesis 1 ter um significado figurativo nesse capítulo? Deve ela ser entendida, com base nas normas da semântica, como um “dia” literal? Essa questão de semântica é particularmente importante devido ao fato de que o vocábulo hebraico yôm, tanto no singular como no plural, apresenta uma grande variedade de significados, incluindo significados extensivos como “tempo”, “tempo de vida”, etc. É possível transpor para Gênesis 1 um significado extensivo qualquer encontrado no Velho Testamento? Não poderia isso resolver o problema do conflito entre o curto período de uma semana da criação e as longas eras necessárias para a evolução natural?
O termo hebraico yôm, na sua variedade de formas, pode significar, além de um “dia” literal, também um tempo ou período de tempo (Juízes 14:4), e em um sentido mais geral “o tempo de um mês” (Gênesis 29:14), o “tempo de dois anos” (II Samuel 13:23 e 14:28; Jeremias 28:3 e 11), o “tempo de três semanas” (Daniel 11:2 e 3). No plural pode significar “ano” (I Samuel 27:7), um “tempo de vida” (Gênesis 47:8), etc. Qualquer bom léxico poderá prover uma lista abrangente das várias possibilidades (94).
É importante ter em mente que “o conteúdo semântico das palavras pode ser visto mais claramente em suas várias combinações com outras palavras e seu campo semântico extensivo” (95).
Quais são as normas semântico-sintáticas para o sentido não literal, extensivo, do termo hebraico yôm? Os significados extensivos, não literais, do termo yôm são sempre encontrados em conexão com preposições (96), frases preposicionais com um verbo, construções compostas, fórmulas, expressões técnicas, combinações genitivas, frases construtivas, etc. (97). Em outras palavras, os significados extensivos, não literais, deste vocábulo hebraico apresentam conexões lingüísticas e contextuais especiais que indicam claramente a intenção de um sentido não literal. Se tais conexões lingüísticas especiais estiverem ausentes, o termo yôm não terá significado extensivo não literal; terá seu sentido normal de dia literal de 24 horas.
Em vista da riqueza de usos deste termo hebraico, impõe-se o estudo do uso de yôm em Gênesis 1 para a comparação com seus outros usos. Conteria este capítulo de Gênesis os indicadores necessários pelos quais yôm pudesse ser claramente reconhecido como tendo um sentido literal ou não? Como é este vocábulo usado em Gênesis 1? É ele usado juntamente com combinações de outras palavras, preposições, relações genitivas, estados construtivos, etc. como mencionado no parágrafo anterior, o que poderia indicar um sentido não literal? São exatamente essas espécies de combinações semântico-sintáticas que nos podem informar sobre a intenção do significado do termo. [“Quando o sentido simples da Escritura faz senso comum, não procure nenhum outro sentido; portanto, tome cada palavra no seu significado literal-usual-ordinário-primário, a não ser que os fatos do contexto imediato, estudados à luz de passagens relacionadas e de verdades axiomáticas e fundamentais, claramente indiquem o contrário” (D.L. Cooper)]
Apresentemos os fatos a respeito do uso do termo yôm, “dia”, em Gênesis 1, como qualquer estudioso do Hebraico poderia fazer:
1) O termo yôm é sempre usado no singular.
2) O termo yôm está sempre justaposto a um numeral. Em Gênesis 1:5 tem-se um cardinal, e nos demais versículos, de Gênesis 1:1 a 2:3, sempre um ordinal. Isto será considerado mais abaixo.
3) O termo yôm nunca está combinado com uma preposição, combinação genitiva, estado construtivo, construção composta, ou algo semelhante. Ele sempre aparece como um simples substantivo.
4) O termo yôm é definido de forma consistente por uma frase temporal na sentença precedente - “e houve tarde e manhã”. Esta cláusula serve como função definidora para a palavra “dia”.
5) O relato complementar da criação, de Gênesis 2:4-25, contém um significado figurativo, não literal, do termo yôm, “dia”. Quando é pretendido um sentido não literal, são empregadas as convenções semântico-sintáticas observadas no restante do Velho Testamento para tal significado, e isto é exatamente o que acontece para o uso não literal em Gênesis 2:4.
Observemos como esses critérios aplicam-se a Gênesis 2:4. O substantivo yôm se justapõe à preposição be para formar beyôm. Ainda mais, ele é usado em uma relação construtiva com a forma infinitiva de ‘asah, “fazer”, lendo-se então literalmente “no dia do ... fazer”. Essa combinação do singular com uma preposição em uma construção com o infinitivo (98) faz dessa combinação uma “conjunção temporal” (99), que serve como uma “introdução geral do tempo” (100).
Gênesis 2:4, segunda parte, reza literalmente “em (o) dia do Senhor Deus fazer a terra e o céu”. A boa linguagem requer que a tradução literal “em (o) dia de”, que sintaticamente é uma conjunção temporal que serve para a introdução geral do tempo, seja substituida por “quando”. Esta sentença passa a rezar então: “Quando o Senhor Deus os criou ...”. Este claro exemplo de um uso extensivo não literal de yôm no relato da criação, em Gênesis 2:4-25, indica que o uso de yôm em Gênesis 1, sem qualquer qualificativo que possa marcar o seu uso não literal, em contraposição tem um sentido literal. O termo yôm em Gênesis 1 não se liga a qualquer preposição; não é usado em uma relação construtiva; e não tem nenhum indicador sintático que seria de esperar para um uso extensivo não literal. Assim, em Gênesis 1 yôm só pode significar um “dia” literal de 24 horas.
Em resumo, os usos semântico-sintáticos de yôm, “dia”, em Gênesis 1, quando comparados com os correspondentes usos e conexões lingüísticas do mesmo termo em outras passagens do Velho Testamento nas quais ele tem um sentido extensivo, não permitem que o seu significado seja o de um longo período de tempo, uma época, ou algo semelhante. A língua hebraica, sua gramática, sua sintaxe, suas estruturas lingüísticas, bem como o seu uso semântico, permite somente o significado literal para “dia” nos “dias” da criação de Gênesis 1.
O termo hebraico yôm aparece no Velho Testamento em Hebraico 2304 vezes, das quais 1452 no singular (102).
Nos cinco livros de Moisés (o Pentateuco), este termo é usado 668 vezes, e no livro de Gênesis é empregado 152 vezes (103). Em Gênesis o uso do singular aparece 83 vezes.
Na enumeração dos seis “dias” da criação o termo “dia” é usado de forma consistente no singular. Há um uso do plural na frase “para dias e anos” no versículo 14, que evidentemente não se refere a um “dia” da criação. Esse uso do plural no versículo 14 dificilmente influi na discussão sobre os “dias” da criação serem longos períodos de tempo, pois o uso de “dias e anos” com relação ao calendário por si só estabelece o seu sentido literal. Não há qualquer dúvida quanto a ser literal o sentido de “dias”, com 24 horas, no versículo 14, da mesma forma que o sentido de “anos”.
Os usos adicionais de “dia”, no singular, em Gênesis 1 encontram-se nos versículos 5 e 16. “E Deus chamou à luz “Dia” [ACF] (yôm)” (versículo 5) e Deus fez os luzeiros, “o luminar maior para governar o dia” [ACF] (versículo 16). O termo no versículo 5 é empregado no sentido literal de período diurno, parte clara do período de 24 horas, em contraste com o período noturno, a parte escura, a “noite” (versículo 16), do mesmo período de 24 horas (104). “Dia”, juntamente com “noite”, perfazem um “dia completo” (105).
Temos de reconhecer o fato de que o termo yôm em cada um dos seis dias apresenta as mesmas conexões:
a) Ele é usado no singular;
b) Ele se associa a um numeral; e
c) Ele é precedido pela frase “e foi a tarde e a manhã”. [ACF]
Esta tripla conexão entre o uso do singular e de um numeral, e a definição temporal de “tarde e manhã”, mantém a homogeneidade do “dia” da criação ao longo do relato todo da criação. Isto revela também que o “tempo é concebido como linear, os eventos ocorrendo dentro dele sucessivamente” (106). Afastar-se da ligação numérica consecutiva, e das fronteiras estabelecidas pela expressão “tarde e manhã” em linguagem tão direta, seria assumir extrema liberdade com o significado claro e direto da língua hebraica (107).
Os seis “dias” da criação associam-se em todas as instâncias com um numeral, na seqüência de 1 a 6 (Gênesis 1:5, 8, 13, 19, 23, 31). O dia seguinte ao “sexto dia”, o “dia” em que Deus repousou, é designado como o “sétimo dia” [Gênesis 2:2 (duas vezes), e v.3].
O que parece ser significativo é a ênfase dada à seqüência dos numerais de 1 a 7, sem qualquer hiato ou interrupção temporal. Este esquema de sete dias, o esquema da semana de seis dias de trabalho seguidos por um “sétimo dia” como dia de repouso, interliga os “dias” da criação como dias normais em uma seqüência consecutiva e ininterrupta.
Quando a palavra yôm, “dia”, é empregada juntamente com um numeral, o que acontece 150 vezes no Velho Testamento, refere-se invariavelmente a um dia literal de 24 horas.
A única exceção, em números de 1 a 1000, encontra-se em um texto escatológico em Zacarias 14:7. A expressão hebraica yôm ‘echad empregada em Zacarias 14:7 tem sido traduzida de várias maneiras: “Mas será um dia singular” (Almeida revista e atualizada); “e haverá dia contínuo” (New Revised Standard Version); “será dia contínuo” (Revised English Bible); ou “o dia será um” (108) [“Mas será um dia conhecido do Senhor...” (ACF)]. O “dia contínuo” ou o “um dia” do futuro escatológico será um dia no qual o ritmo normal de tarde e manhã, dia e noite, como conhecido hoje, será alterado de tal forma que naquele dia escatológico haverá “luz à tarde” (versículo 7). É geralmente aceito que este é um texto difícil da língua hebraica, mas que dificilmente pode ser usado para alterar o uso direto do vocábulo em Gênesis 1 (109).
O termo “dia” é usado em Hebraico sem o artigo, em cada passagem referente aos dias da criação, exceto nos casos do “sexto dia” (Gênesis 1:31, em Hebraico yôm hashshishî) e do “sétimo dia” (Gênesis 2:2) (110).
De tempos em tempos é destacada a observação de que o primeiro “dia” de Gênesis 1:5 em Hebraico é literalmente “um dia” (111), porque temos o numeral cardinal “um” usado com o termo “dia”.
A falta do artigo definido tem sido interpretada como significando que todos os “dias” da criação (exceto o sexto, que tem o artigo) permitem “a possibilidade tanto de ordem cronológica quanto de ordem literária ou aleatória” (112). Esta é, entretanto, uma interpretação muito duvidosa, que não pode ser apoiada mediante pontos de vista semântico-sintáticos.
Precisamos compreender a sintaxe do texto hebraico e interpretar o texto coerentemente, sem violar a estrutura interna da língua. A recente gramática para pesquisa elaborada por Bruce K. Waltke e M. O’Connor destaca que o substantivo indefinido yôm, com o numeral cardinal indefinido “um” (em Hebraico ‘echad) em Gênesis 1:5 tem “uma força enfática de contagem”, e um “sentido definido”, além de ter a força de um número ordinal que deve ser compreendido como “o primeiro dia” (113). [“o dia primeiro” (ACF); igualmente a LTT-Hélio]
Com base nessa observação sintática a respeito da língua hebraica, “o primeiro dia” e “o sexto dia” da semana da criação devem ter significado definido, no sentido de terem recebido o artigo em função de regra sintática ou de ortografia (para não falar do “sétimo dia”, o qual será considerado em seguida). O primeiro e o último “dia” da criação são definidos pela sintaxe ou pela ortografia, o primeiro pela função sintática, e o último pelo uso do artigo. Cabe uma observação - esse uso definido do primeiro e do último dia da criação constitui um dispositivo literário, uma inclusão, que enquadra os seis “dias” da criação como dias definidos ou articulados. Uma das intenções desse uso parece ser levar à conclusão de que os “dias” de Gênesis 1 não permitem concluir que a ordem aleatória ou a ordem cronológica sejam assuntos encerrados (114).
Na realidade acontece o contrário. Como o primeiro e o sexto dia são definidos, estabelecendo fronteiras claras, isso significa que os dias têm sentido cronológico e seqüencial, formando um período ininterrupto de seis dias literais de 24 horas na criação. Assim, o uso definido do primeiro e do sexto dia, respectivamente, marca e enquadra a seqüência dos seis dias dentro de uma unidade de tempo coerente, seqüencial e cronológica, que será repetida em cada semana sucessiva.
“O sétimo dia” também recebe o artigo em Hebraico. Como “o primeiro dia” (versículo 5) é definido, da mesma forma que “o sexto dia” (versículo 31), forma-se uma unidade de tempo mais ampla. É a unidade de seis dias de trabalho seguidos pelo “sétimo dia” (Gênesis 2:2-3), o dia de repouso. Desta forma a seqüência de seis dias de trabalho encontra o seu fim e clímax cronologicamente e seqüencialmente no “sétimo dia”, constituindo em seu conjunto o ciclo semanal, com o dia de repouso sendo o “sétimo dia” da semana.
A maior unidade de tempo literal, conseqüentemente, consiste da unidade divinamente planejada do esquema “seis mais um”, composto de “seis” dias de trabalho em seqüência ininterrupta, seguidos pelo “sétimo dia” de repouso. Esta seqüência ininterrupta é divinamente planejada e ordenada para marcar o ritmo do tempo para cada semana sucessiva.
O relato da criação em Gênesis não somente liga cada dia a um numeral seqüencial, como também estabelece as fronteiras do tempo mediante “tarde e manhã” (versículos 5, 8, 13, 19, 23, 31). A frase rítmica “e foi a tarde e a manhã” [ACF] provê uma definição para o “dia” da criação: o “dia” da criação define-se como consistindo de “tarde” e de “manhã”. É ele portanto um dia literal.
O termo para “tarde” (em Hebraico ‘ereb) (115) abrange a parte
escura do dia, numa representação pars pro toto (significando que uma parte,
neste caso a “tarde”, representa toda a parte escura do dia) (cf. “dia-noite”
em Gênesis 1:14). O termo correspondente, “manhã” (em Hebraico bqer)
representa, pars pro toto (significando que uma parte, neste caso a “manhã”,
representa a parte clara do dia), todo o período de claridade do dia (116). Deve-se
observar que a expressão “tarde-manhã” deve ser compreendida como tendo o mesmo
significado em cada um dos seus seis usos no texto de
Gênesis 1 (117).
“Tarde e manhã” é uma expressão temporal que define cada “dia” da criação como um dia literal. Ela não pode significar nada mais.
Outra espécie de evidência interna provida no Velho Testamento para o significado dos dias resulta de duas passagens sobre o sábado no Pentateuco, que se referem aos “dias” da criação. Elas informam ao leitor quanto a como os “dias” da criação foram compreendidos por Deus.
A primeira passagem faz parte do quarto mandamento expresso por Deus no Monte Sinai e registrado em Êxodo 20:9-11 - “Seis dias trabalharás ... mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus ... porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra ... e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado e o santificou”. [ACF]
Estas palavras são proferidas pelo próprio Jeová (versículo 1). As ligações com a criação transparecem do vocabulário (“sétimo dia”, “os céus e a terra”, “descansou”, “abençoou”, “santificou”) e no esquema “seis mais um” (ver também Deuteronômio 5:13-14), apenas para mencionar algumas (118). Evidentemente as palavras usadas nos Dez Mandamentos consideram o “dia” da criação como um “dia regular” (119) de 24 horas e demonstram que o ciclo semanal é uma ordenança temporal da criação.
Estas palavras do Senhor fornecem um balisamento interno no Pentateuco e no Velho Testamento sobre a questão de como Deus, o doador das “Dez Palavras”, compreende o “dia” na criação. A palavra divina que promulga o mandamento do sábado toma os “seis dias” da criação como seqüenciais, cronológicos e literais (120).
O argumento de que as palavras do quarto mandamento nada mais são do que uma “analogia” ou “arquétipo”, no sentido de que o repouso do ser humano no sétimo dia deveria ser semelhante ao repouso de Deus na criação (121) baseia-se num reducionismo e numa impermissível alteração de imagem literária. Terence Frotheim observou de forma incisiva que o mandamento não usa analogia nem pensamento arquetípico, mas que a sua ênfase “firma-se em termos da imitação de Deus ou em um precedente divino que deve ser seguido: Deus trabalhou durante seis dias e descansou no sétimo, e portanto nós temos que fazer o mesmo” (122).
A segunda passagem sobre o sábado no Pentateuco é Êxodo
31:15-17, que novamente são palavras do próprio Deus. Ela mantém várias
ligações terminológicas com Gênesis 1, com cujo texto se relaciona conceitual e
tematicamente. Esta passagem deve ser entendida como significando que o “dia”
da criação foi um dia literal, e que a seqüência dos dias foi cronológica. O
sábado semanal para o povo de Deus baseia-se na imitação do exemplo, pois “em
seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e ao sétimo dia descansou e
restauro-se.” (versículo 17, versão Almeida Corrigida Fiel;
“... descansou e achou refrigério”, versão Brasileira).
Deus achou refrigério porque teve prazer em sua obra recém-completada. A humanidade também achará refrigério e terá prazer quando observar o sábado do sétimo dia (versículo 15).
A natureza do sábado como “sinal” no versículo 15 revela que o observador do sábado segue o exemplo divino. Deus mesmo guardou o “sétimo dia” que os seres humanos que Lhe pertencem deverão imitar. Eles assim procederão no mesmo ritmo do ciclo semanal de seis dias literais de trabalho seguidos cronológica e seqüencialmente pelo “sétimo dia” como dia de repouso e refrigério, como fez o seu Criador na semana da criação.
A criação da vegetação com plantas produzindo semente, e árvores frutíferas, ocorreu no terceiro dia (Gênesis 1:11-12). Grande parte dessa vegetação parece ter necessitado de insetos para a polinização. Os insetos, entretanto, foram criados no quinto dia (versículo 20). Se a sobrevivência desses tipos de plantas que necessitam de insetos para a polinização dependesse deles para a produção de sementes e a sua perpetuação, então haveria um sério problema se o “dia” da criação significasse “época” ou “eons”. Ainda mais, “a consistência da interpretação na “teoria do dia-época” exigiria um longo período de iluminação e outro de escuridão para cada uma das épocas supostas. Isto seria imediatamente fatal tanto para as plantas quanto para os animais” (123).
Parece que o “dia” da criação deve ser entendido como um dia literal e não como um longo período de tempo, sejam eras, épocas ou eons.
Embora esses argumentos possam não ser decisivos, entretanto eles apontam na mesma direção que os argumentos lingüísticos e semânticos decisivos encontrados no próprio texto hebraico.
Este artigo investigou o significado dos “dias” da criação. Ele considerou argumentos-chave a favor de um significado figurativo, não literal, dos “dias” da criação, e achou-os carentes de base quanto à pesquisa do gênero literário, considerações literárias outras, estudo gramatical, usos sintáticos e conexões semânticas. As evidências cumulativas baseadas em considerações comparativas, literárias, lingüísticas e outras, convergem em todos os níveis, levando à conclusão única de que a designação yôm, “dia”, em Gênesis 1 significa consistentemente um dia literal de 24 horas.
O autor de Gênesis 1 não poderia ter usado meios mais abrangentes e todo-inclusivos para exprimir a idéia de um “dia” literal, do que aqueles que escolheu. Há uma completa falta de indicadores como preposições, expressões qualificativas, frases construtivas, conexões semântico-sintáticas, etc., com base nos quais a designação “dia” na semana da criação pudesse ser tomada como sendo algo diferente de um dia regular de 24 horas. As combinações de fatores como o uso de artigos, do número singular, das construções semântico-sintáticas, das fronteiras do tempo, etc., corroboradas pelas promulgações divinas como em Êxodo 20:8-11 e Êxodo 31:12-17, sugerem de maneira única e consistente que o “dia” da criação tem significado literal, seqüencial e cronológico. [destaques meus]
NOTAS
1. A designação “ciência criacionista” foi definida por lei no
Estado de Louisiana (Lei do Senado nº 86, 1981) da seguinte maneira: ““Ciência
criacionista” significa o conjunto de evidências a favor da criação, e as
inferências delas resultantes”. Um palavreado semelhante havia sido usado pouco
antes no Estado de Arkansas (Lei 590 de 19 de março de 1981).Para detalhes, ver
Norman L. Geisler, The Creator in the Courtroom (Milford, MI: Mott Media,
1982), 5, 224. Phillip E. Johnson [Darwin on Trial, 2ª edição (Doeners
Grove, IL: Inter Varsity Press, 1993), 4 nº 1] afirma que “ciência
criacionista” refere-se à criação especial de uma terra recente, em seis dias”.
2. Esta designação é preferível, e defendida por Norman L.
Geisler e J. Kerby Anderson, Origin Science: A Proposal for the
Creation-Evolution Controversy (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1987).
3. O significativo volume de ensaios editados por J. P. Moreland
[The Creation Hypothesis: Scientific Evidence for an Intelligent Designer
(Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994)] utiliza a designação “ciência
teísta” em oposição a “ciência naturalista”, a acepção comum da ciência que
exclui a hipótese da existência de Deus desde o início. A “ciência teísta” constitui
um “programa de pesquisa ... que, entre outras coisas, baseia-se em duas
proposições:
a. Deus, concebido como um agente pessoal transcendente, de grande poder e
inteligência, criou e projetou o mundo, através de causação primária, direta, e
causação indireta, secundária, tendo um propósito, e interveio no curso de seu
desenvolvimento em várias ocasiões...
b. O compromisso expresso na proposição anterior pode ser introduzido de
maneira adequada na própria tessitura da prática científica, e na utilização da
metodologia científica” (pp.41-42). Esta definição foi elaborada no restante do
ensaio inicial de J. P. Moreland no volume citado (“Theistic Science and
Metodological Naturalism”, 41-66).
4. Frederic W. Farrar, History of Interpretation (1866; reedição,
Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1961), 187-203.
5. A secção final da obra de Orígenes “Sobre os Primeiros
Princípios”, Livro Quarto [excerto citado in Karlfried Froehlich, trad./ed.,
Biblical Interpretation in the Early Church (Philadelphia: Fortress Press,
1984), 63] observou que os dias da criação não podem ser compreendidos como
literais, pois é “muita tolice crer que, como um agricultor humano, Deus
plantou um jardim ao ocidente do Éden, e nele criou uma árvore da vida, real e
visível...” Ver também Terence E. Fretheim,
“Were the Days of Creation Twenty-Four Hours Long?” in The Genesis Debate:
Persistent Questions About Creation and the Flood, ed. Ronald
R. Youngblood (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1986), 12-35.
6. Agostinho, A Cidade de Deus, XI, iv, vi-vii.
7. O sentido quádruplo das Escrituras consiste do seguinte: 1) sentido literal;
2) sentido alegórico (espiritual-místico); 3) sentido anagógico (futuro), e 4)
sentido tropológico (moral). Ver Farrar, 205.
8. O New Catechism of the Catholic Church, publicado em Inglês em 1994, afirma:
“De acordo com uma tradição antiga, pode-se distinguir entre dois sentidos das
Escrituras: o literal e o espiritual, o último sendo subdividido nos sentidos
alegórico, moral (tropológico), e anagógico. A concordância profunda dos quatro
sentidos garante toda a sua riqueza para a leitura viva das Escrituras na
Igreja”. Em seguida, na mesma página, é afirmado que: “É tarefa dos exegetas
operar, de acordo com estas regras, melhor entendimento e explicação do significado
das Escrituras Sagradas...” [Catechism
of the Catholic Church (Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1994),
33].
9. Ver: a) Robert M. Grant, A Short History of the Interpretation of the Bible
(New York: Macmillan, 1963), 128-129; b) Emil G. Kraeling, The Old Testament
since the Reformation (New York: Schocken Books, 1969), 9-32; c) John Rogerson,
Christopher Rowland, e Barnabas Lindars, The Study and Use of the Bible, vol. 2
de The History of Christian Theology (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1988), 77-95.
10. Martinho Lutero (em Inglês), Lectures on Genesis: Chapters 1-5, Luther’s
Works (St. Louis, MO: Concordia Publishing House, 1958), 1:5. Lutero,
ao comentar a frase “tarde e manhã” afirma que o dia da criação “consiste de 24
horas” (1:42).
11. O desenvolvimento do método histórico-crítico a partir do século dezessete
até atingir a sua plena maturidade no fim do século dezenove, não alterou de
forma decisiva a interpretação dos “dias” da criação. A razão para isso foi que
o texto bíblico passou a ser visto como um artefato do passado sem qualquer
relação direta com o sistema de crenças do presente.
12. O teólogo escocês Thomas Chalmers (1780-1847) é tido como o primeiro
proponente do ponto de vista de que os seis “dias” da criação são na realidade
“dias de reconstrução”, dando origem à “hipótese da ruína-reconstrução” [ver W.
Hanna, ed., Select Works of Thomas Chalmers (Edinburgh: T. Constable and Co.,
1855), 5:146-150]. Esta hipótese encontrou fortes defensores tais como George
H. Pember [Earth’s Earliest Ages, 2ª ed. (Londres:
Hodder and Stoughton, 1907)] e mais recentemente A. C. Custance, Without Form
and Void (Brookville, Ont: Pelo Autor, 1970). A crítica mais detalhada e
erudita da “hipótese da ruína-reconstrução” foi produzida por Weston W. Fields,
Unformed and Unfilled: The Gap Theory (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and
Reformed Publishing Co., 1978). Ver também Henri Blocher, In the Beginning: The
Opening Chapters of Genesis (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1984),
41-43.
13. Embora não tenha sido o primeiro a alegar que os dias da
criação são realmente seis dias de revelação, o geólogo escocês Hugh Miller
(1802-1856) foi o mais proeminente autor do século dezenove a proclamar essa
idéia [Francis Haber, The Age of the World: Moses to Darwin (Baltimore, MD: The
Johns Hopkins University Press, 1959), 236-237]. No século vinte esse ponto de
vista foi proposto por P. J. Wiseman, pai do famoso assiriologista Donald
Wiseman. Mais além será apresentado mais a esse respeito.
14. A teoria do “dia-época” originou-se no século dezoito e atingiu
preeminência no século dezenove com os escritos dos geólogos James D. Dana e J.
W. Dawson. Ver Bernard Ramm, The Christian
View of Science and Scripture, 2ª ed. (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1971), 211; e Haber, 122-123, 199-200, 255.
15. Para uma revisão crítica dessas idéias, ver Thomas A.
McIver, “Creationism: Intellectual Origins, Cultural Context and Theoretical
Diversity” (dissertaçao de doutorado, Universidade da Califórnia, Los Angeles,
1989), 450-495.
16. Dentre os muitos estudos que se dedicaram a esse assunto,
ver Charles Coulston Gillispie, Genesis and Geology: A Study in the Relations
of Scientific Thought, Natural Theology and Social Opinion in Great Britain,
1790-1850 (New York: Harper Torchbooks, 1959); R. Hooykaas, Religion and the
Rise of Modern Science (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
1972).
17. Algumas publicações recentes ilustrativas desta mudança incluem Richard J.
Blackwell, Galileo, Bellarmine, and the Bible (Notre Dame, IN: University of
Notre Dame Press, 1991); Charles E. Hummel, The Galileo Connection: Resolving
Conflicts between Science and the Bible (Downers Grove, IL: InterVarsity Press,
1986); William John Hausmann, Science and the Bible in Lutheran Theology
(Washington, DC: University Press of America, 1978).
18. Vern S. Poythress, Science and Hermeneutics: Implications of Scientific
Method for Biblical Interpretation (Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing
House, 1988), 24.
19. Ibidem.
20. Na análise final, a conclusão última a respeito da norma final quanto aos
pontos de vista científicos e a fé religiosa provavelmente é tirada com base na
convicção, ou pressuposição, da postura do intérprete com relação aos níveis de
autoridade da ciência e da fé. Devemos também argumentar que a ciência está
constantemente em transformação, e que ela não faz nenhuma alegação absoluta.
21. John C. L. Gibson, Genesis, The Daily Study Bible, vol. 1
(Edinburgh: The Saint Andrews Press, 1981), 56.
22. Ibidem, 55.
23. Ibidem.
24. Hansjörg Bräumer, Das erst Buch Mose. Wuppertaler Studienbibel, Kapitel
1-11 (Wuppertal: R. Brockhaus Verlag, 1983), 44.
25. D. Stuart Briscoe, Genesis, The Communicator’s Commentary (Waco, TX: Word
Books, 1987), 37.
26. Observe a discussão bastante útil a respeito dos vários grupos e definições
de concordismo feita por John T. Baldwin, em “Inspiration, the Natural
Sciences, and a Window of Opportunity”, Journal of the Adventist Theological Society
5/1 (1994), 131-154, esp. 139-43; por Davis A. Young, em “The Discovery of
Terrestrial History”, Portraits of Creation: Biblical and Scientific
Perspectives on the World’s Formation, eds. Howard J. Van Till, Robert E. Snow,
John H. Stek, e Davis A. Young (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing
Co., 1990), 27 nº 2; por Clark Pinnock, em “Climbing out of a Swamp: The
Evangelical Struggle to Understand the Creation Texts”, Interpretation 43/2
(1989): 143-155.
27. Por exemplo, Derek Kidner, Genesis: An Introduction and a Commentary,
Tyndale Old Testament Commentaries (Chicago: InterVarsity Press, 1967), 56.
28. Victor P. Hamilton, The Book of Genesis: Chapters 1-17, The New
International Commmentary of the Old Testament (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1990), 54.
29. Para a crítica de outros aspectos da “teoria do dia/época”,
ver Lloyd R. Bayley, Genesis, Creation, and Creationism (New York/Malwah, NJ:
Paulist Press, 1993), 125-128.
30. Ibidem, 126.
31. Ver referência nº 13 acima; cf. Carl F. H. Henry, God Who Stands and Stays,
vol. 6 of God, Revelation and Authority (Waco, TX: Word Books, 1983), 2:112.
32. Reimpresso em P. J. Wiseman , Clues to Creation in Genesis, ed. DOnald J.
Wiseman (London: Marshall, Morgan & Scott, 1977), 109-207.
33. Kidner, 54.
34. Wiseman, 132-133.
35. William L. Holladay, Jr., A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old
Testament (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1971), 284-285;
Francis Brown, S. R. Driver, and Charles A. Briggs, A Hebrew and English
Lexicon of the Old Testament (Oxford: Clarendon Press, 1974), 793-795; etc. Ver
também Helmer Ringgren, “‘asah,” in Theologisches Wörterbuch des alten
Testaments, eds. G. Johannes Botterweck and Helmer Ringgren (Stuttgart: W. Kohlhammer,
1987), 6:413-432.
36. Marcus Jastrow, Dictionary of the Targumim, the Talmud Babli and
Yerushalmi, and the Midrashic Literature (New York: Pardes Publishing House,
1943), 2:1124-1125).
37. Uma exceção recente é Duane Garrett, Rethinking Genesis: the Sources and
Authorship of the First Book of the Pentateuch (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1991), 192-194, que reconhece que a apresentação de Wiseman “foi,
entretanto, algo confusa, e não convenceu a muitos” (193 nº 12). Garrett
parece apoiar a idéia de “dias” como “sete dias de revelação divina a Moisés”,
com argumentos da crítica formal, tentativa bastante problemática em si mesma.
38. Davis , 27 nº 2.
39. Hamilton , 54-55.
40. Ibidem, 55.
41. Ibidem, 55-56.
42. Hamilton, 56 nº 1, refers to C. E. Hummel, “Interpreting Genesis 1” ,
“Journal of the American Scientific Affiliation 38, (1986): 175-186.
43. Hummel, The Galileo Connection, 214 (itálicos inseridos)
44. Ibidem, 215.
45. Ibidem.
46. Ibidem, 213-216.
47. Ibidem, 214.
48. Ibidem, 213.
49. Ver as traduções recentes do principal estudo de Gunkel: Hermann Gunkel,
The Folktale in the Old Testament, trad. Michael D. Rutter (Sheffield: Almond
Press, 1987). Excelentes análises e críticas sobre a
crítica formal são fornecidas por Patricia G. Kirkpatrick, The Old Testament
and Folklore Study (Sheffield: JSOT Press, 1987) e especialmente por Garrett,
35-50.
50. Hermann Gunkel, The Legends of Genesis: The Biblical Saga
and History (New York: Schocken Books, 1964), 1.
51. Ibidem, 7.
52. Ver a penetrante discussão de Jerome Hamer, Karl Barth (Westminster, MD:
Newman Press, 1962), 119-122.
53. S. H. Hooke, Middle Eastern Mythology (Baltimore, MD: Penguin Books, 1963),
119-121.
54. Gordon J. Wenham, Genesis 1-15, Word Biblical Commentary, vol. 1: Genesis
(Waco, TX: Word Books, 1987), 10.
55. Walter Brueggemann, Genesis: A Bible Commentary for Teaching and Preaching
(Atlanta, GA: John Knox Press, 1982), 26.
56. Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary (London: SPCK Press, 1984),
80.
57. John H. Stek, “What Says Scripture?” Portraits of Creation, 236.
58. Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary (Philadelphia: Westminster Press,
1972), 65.
59. Atualmente Conrad Hyers, The Meaning of Creation: Genesis and Modern
Science (Atlanta: John Knox Press, 1984), 93-114; Susan Niditch, Chaos to
Cosmos: Studies in Biblical Patterns of Creation (Chico, CA: Scholars Press,
1985); e muitos outros. Os eruditos encontram uma
dificuldade muito maior para definir o que se entende por “mito”. G.
B. Caird [The Language and Imagery of the Bible (Philadelphia: Westminster
Press, 1980), 219-224] identificou nove diferentes definições de “ mito ”, e
John W. Rogerson [Myth in Old Testament Interpretation (Berlin: W. de Gruyter,
1974), 274-278] destacou doze aspectos do mito . Os
capítulos 1 a 11 de Gênesis não são enquadrados no conceito de mito [ver
Benedikt Otzen, Hans Gottlieb, e Knud Jeppesen, Myths in the Old Testament
(Londres: SCM Press, 1980)].
60. Gibson, 55; Donald D. Evans, The Logic of Self-Involvement
(London: SCM Press, 1963), 242-252.
61. J. A. Thompson, “Genesis 1-3. Science? History? Theology”.
Theological Review 3(1966): 25.
62. A abordagem estilo/forma tão amplamente utilizada hoje, especialmente por
eruditos da crítica, mas também aplicada por outras razões por alguns
evangélicos ao capítulo 1 de Gênesis, formalmente é idêntica ou intimamente
associada ao programa de desmitologização de Rudolph Bultmann. Em seu programa,
ele desmitologiza o Novo Testamento onde quer que ele se afaste do ponto de vista
do homem moderno. Assim, a narrativa da ressurreição é desmitologizada de forma
a que a ressurreição jamais tivesse ocorrido no sentido literal. Os evangélicos
devem estar alertados para o fato de que não podem desmitologizar Gênesis 1 sem
fazer o mesmo, de forma extensiva, com o Novo Testamento.
63. Noel Weeks, “The Hermeneutical Problem of Genesis 1- 11” ,
Themelios 4/1 (1978):14.
64. Ver Norman C. Habel, Literary Criticism of the Old Testament (Philadelphia:
Fortress Press, 1971), 69-70.
65. Não vamos tratar da questão da interpretação estrutural de
Gênesis 1 pelo método do estruturalismo que procura expor as supostas
estruturas profundas do texto. O método subseqüente do desconstrutivismo na
lingüística “é uma tentativa de abalar as expectativas do leitor de que um
texto comunicará alguma verdade existente independentemente, mostrando que
tanto o autor como o leitor são envolvidos pelo sistema de restrições imposto
pelo sistema lingüístico e literário ao qual pertencem, e são capazes de
comunicar ou receber somente os significados que o sistema torna
possíveis”. [John Barton, “Structuralism”,
Anchor Bible Dictionary, ed. David N. Freedman NY : Doubleday, 1992), 6:216;
cf. Jonathan D. Culler, The Pursuit of Signs: Semiotics, Literature,
Deconstruction (Ithaca: Cornell University Press, 1981)]. Da mesma forma que o
desconstrucionismo nega a qualquer texto um significado fixo e estável, também
na “crítica da resposta-leitor” a idéia do significado fixo de um texto é
deixada de lado [Ver J. Severino Croatto, Biblical Hermeneutics: Towards a
Theory of Reading as the Production of Meaning (Maryknoll, NY: Orbis Books,
1987); Edgar V. McNight, The Postmodern Use of the Bible: The Emergence of
Reader-Oriented Criticism (Nashville, TN: Abingdon Press, 1988)].
66. Um acontecimento registrado em uma fonte histórica deve ter
paralelos na experiência moderna) rejeitará todas as reconstruções do êxodo do
Egito, ou da ressurreição de Jesus, que careçam de explicação dentro da relação
de causa e efeito compreendida pela ciência moderna”.
67. Van A. Harvey, The Historian and the Beliver (New York:
Macmillan, 1966), 43-64.
68. Edward H. Carr, What Is History? (Harmondsworth: Penguin Books, 1964),
87-108.
69. Edward Krentz, The Historical-Critical Method (Philadelphia Fortress Press,
1975), 57.
70. R. G. Collingwood, The Idea of History (London: Oxford University Press,
1956), 240.
71. Para uma crítica do princípio da analogia, ver T. Peters, “The Use of
Analogy in Historical Method”, Catholic Biblical Quarterly, 35 (1973): 473-482;
Wolfhart Pannenberg, Questions in Theology (Philadelp0hia: Westminster Press,
1970), 1:39-53.
72. Ver o estudo clássico de William Henry Green, The Unit of the Book Of
Genesis (1895; reprint, Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1979).
73. Walter C. Kaiser, “The Literary Form of Genesis 1- 11” , New Perspectives
on the Old Testament, ed. J. Barton Payne (Waco, TX: Word Books, 1970), 61.
74. Jacques B. Douklan, The Genesis Creation Story: Its Literary Structure,
Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series (Berrien Springs, MI:
Andrews University Press, 1978), 5:182.
75. Gunkel, Legends, 38.
76. Garrett, 192.
77. Gerhard F. Hasel, “The Polemical Nature of the Genesis Cosmology”,
Evangelical Quarterly, 46(1974), 81-102, destacou a existência de numerosas
ênfases polêmicas, explícitas e implícitas, em Gênesis 1. Este fato não diminui
em nada o propósito do autor bíblico em escrever um relato que tenha intento
literário para prover informação factual e histórica.
78. Stek, 241.
79. Hummel, The Galileo Connection, 216: “Gênesis 1 está em franco contraste
com as descrições da criação feitas pelos vizinhos pagãos de Israel, cíclicas e
recorrentes.
80. Ela não é nem “meta-história”, removida da história real, nem
“história-salvação” que nunca ocorreu da forma em que se encontra escrita no
Velho Testamento. Cf. Robert Gnuse,
Heilsgeschichte as a Model for Biblical Theology (Lanham, MD: University Press
of America, 1989).
81. von Rad, 65.
82. Wenham, 19.
83. James Barr, Fundamentalism (Philadelphia: Westminster Press, 1978), 40-43.
84. Hermann Gunkel, Genesis übersetzt und erklärt (Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht, 1901), 97.
85. Hamilton , 53.
86. Stek, 237-238.
87. Benedickt Hartmann, Philippe Reymond, and Johann Jakob Stamm, Hebräisches
und Aramäisches Wörterbuch der Hebräischen Sprache (Leiden: E. J. Brill, 1990),
382, daqui para diante designado pela sigla HAL. O seu
predecessor, Ludwig Koehler and Walter Baumgartner, Lexikon in Veteris Testamenti
Libros (Leiden: E. J. Brill, 1958), 372, reza “dia (de 24 horas)” para o dia da
criação.
88. William H. Holladay, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of
the Old Testament (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1971),
130.
89. Brown, Driver and Briggs, 398.
90. Magne Saeboe, “yôm”, in Theological Dictionary of the Old Testament, eds.
G. Johannes Botterweck and Helmer Ringgren (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1990), 6:23.
91. Ernst Jenni, “jom Tag”, Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament,
eds. Ernst Jenni and Claus Westermann (Zurich/Munich: Theologischer Verlag,
1971) 1:709.
92. James Barr, The Semantics of Biblical Language, 3rd ed. (London: SCM Press,
1991), 1.
93. Ibidem
94. HAL, 382-384; Brown, Driver and Briggs, 398-401.
95. Saeboe, 14.
96. Ibidem, 15 : “... no Hebraico do Velho Testamento , 1057
(45,9%) envolve uma preposição (especialmente com o singular)”.
97. Ibidem, 14-20.
98. E. Kautzsch and A. E. Cowley, eds., Gesenius’ Hebrew Grammar, 2º ed. (Oxford:
Clarendon Press, 1910), 347 #114e: “Este uso da construção infinitiva é
especialmente freqüente em conexão com be ou ke para exprimir determinações
temporais (em Inglês resumido a uma cláusula temporal...)...”
99. Westermann, 198.
100. Saeboe, 15.
101. Ibid., 13; Jenni, 708.
102. Jenni, 707, notes that there are only four nouns used more often in the
Old Testament.
103. Ibid., 708.
104. Stek, 237, está certo em observar que cada “dia” da criação tem de ser o
mesmo, pois a expressão temporal “tarde e manhã” e o numeral respectivo são
idênticos em todos os casos. Em outras palavras, cada “dia” da criação tem
igual duração. A partir disto, mostra ele que não é defensável argumentar que
os primeiros três “dias” foram longos períodos de tempo, enquanto que os
restantes “dias” foram de 24 horas. Esta
última posição foi discutida por Edward J. Young, Studies in Genesis One
(Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing House, 1964), 104, e
encontrou um recente defensor em R. Clyde McCone , “Were the Days of Creation
Twenty-four Hours Long?” The Genesis Debate, 24. Young e
adeptos inclinam-se a separar a duração dos dias da criação alegando que o sol
e a lua não tinham sido criados ainda até o quarto dia. A questão realmente é
quanto a ser realmente este o caso. Parece provável que no quarto dia Deus
designou o sol e a lua para governar respectivamente o dia e a noite. Esta
designação das funções não se contrapõe à existência anterior do sol e da lua.
É possível que eles não estivessem visíveis à vista humana antes do quarto dia.
Por esta razão muitos sugerem que poderia ter existido uma cobertura de núvens
ou de vapor anterormente ao quarto dia.
105. Saeboe, 22-23.
106. Bruce K. Waltke, “yôm, day, time, year”, Theological Wordbook of the Old
Testament, ed. R. Laird Harris (Chicago: Moody Press, 1980), 371.
107. Hamilton , 54.
108. Ralph L. Smith, Micah-Malachi, Word Biblical Commentary (Waco, TX: Word
Books, 1984), 277.
109. A outra exceção é com números acima de 1000 no texto
apocalíptico de Daniel 12:11-12 com referência aos 1290 “dias” e aos 1335
“dias”. Existem algumas diferenças com relação a Gênesis 1. Nas duas passagens
de Daniel 12 a forma plural de “dias” é empregada em contraste com Gênesis 1.
Em Gênesis 1 o “dia” refere-se ao que aconteceu no passado; em Daniel 12 “dias”
referem-se a um tempo profético no futuro. O contexto de todas as outras
predições proféticas no livro de Daniel torna claro que na perspectiva
profética cada elemento de tempo, sejam “tempos” (4:16, 23, 25, 32), “tempo,
tempos e metade de um tempo” (7:25), “tardes e manhãs” (8:14), “semanas”
(9:24), e “dias” (12:11-12), representa uma outra realidade no tempo histórico
real. Em outras palavras, em Daniel o princípio do dia/ano está presente todas
as vezes que se apresenta uma profecia temporal. O contexto apocalíptico de
Daniel é diferente do contexto da criação de Gênesis 1. O tempo no início, na
criação, não é idêntico ao tempo preditivo que encontra o seu cumprimento no
futuro histórico. Em Gênesis 1 nada há de preditivo. Este texto é um registro
em prosa do passado, e não profecia apocalíptica do futuro. Essas perspectivas
de conteúdo e de contexto não garantem o afastamento do significado direto no
relato da criação em Gênesis.
110. Em Gênesis 1:31 o Hebraico tem um artigo tanto antes de yôm quanto do
numeral. Em Gênesis 2:3 o artigo está somente antes do numeral que segue o
substantivo yôm. De acordo com a sintaxe hebraica, o artigo no último caso
torna articular a palavra que o numeral qualifica.
111. Ronald F. Youngblood, The Book of Genesis, 2ª ed. (Grand
Rapids, MI: Baker Book House, 1991), 26. Westermann, 76, de fato traduz “um
dia”.
112. Youngblood, Genesis, 26.
113. Bruce. K. Waltke and M. O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew
Syntax (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1990), 274. A tradução
“dia um” não está sintaticamente correta, mesmo que seja usado aqui o cardinal.
Em cláusulas do tipo de Gênesis 1:5 o cardinal serve efetivamente como um
número ordinal (Nahum M. Sarna, Genesis, The JPS Torah Commentary
[Philadelphia: Jewish Publication Society, 1989], 8, 353).
114. Youngblood, Genesis, 26.
115. Ver Herbert Niehr, “‘ereb”, Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament,
6:359-366.
116. M. Barth, “boqer”, Theological Dictionary of the Old Testament, 2:225.
117. Werner H. Schmidt, Die Schöpfungsgeschichte der Priesterschrift, 2d ed.
(Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1967), 68.
118. Ver Niels-Erik A. Andreasen, The Old Testament Sabbath: A
Tradition-Historical Interpretation, SBL Dissertation Series Nº 7 (Missoula,
MT: Society of Biblical Literature, 1972), 174-202; Gerhard F. Hasel, “The
Sabbath in the Pentateuch”, The Sabbath in Scripture and History, ed. Kenneth
A. Strand (Washington, DC: Review and Herald Publishing Association, 1982), 21-43;
idem, “Sabbath”, The Anchor Bible Dictionary, 849-856; Gnana Robinson. The
Origin and Development of the Old Testament Sabbath: A Comprehensive Exegetical
Approach (Frankfurt: Peter Lang, 1988), 139-142, 296-301.
119. Schmidt, 68 nº 5.
120. Ver também Weeks, 18: “O mandamento perde completamente sua força
convincente se eles (os “dias”) não forem tomados literalmente.
121. Blocher, 48; ver também Henricus Renckens, Israel’s Concept
of the Beginning: The Theology of Genesis 1-3 (New York: Herder & Herder,
1964), 98-100.
122. Fretheim, 20.
123. Bailey, 126.
Artigo publicado na
Folha Criacionista 53
Fonte: http://www.revistacriacionista.com.br/
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Notas de Hélio e de SolaScriptura-TT:
Entre as Bíblias impressas em português, somente aceitamos as fiéis traduções
do Textus Receptus, como a ACF (Almeida Corigida Fiel), ou a ARC da IBB-Juerp
1948. Consideramos as ARA, NVI, BLH e NTLH inféis traduções do corrompido Texto
Crítico. Consideramos a Septuaginta uma execrável fraude. Portanto, discordamos
do autor em citar tais bíblias corrompidas. Também vemos os assim chamados "Pais
da Igreja" como pais da igreja católica romana e de suas heresias. Não damos
honra a tais "pais".
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em BibliaLTT.org, com ou sem notas).
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