Pesquisa de Teologia Bíblica do Antigo Testamento.
Prof.: Rev.: Isaías Cavalcanti. Sem.: JosiaS Macedo Baraúna Jr.
Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro, 1998.
Nas Bíblias, passar do Antigo Testamento para o Novo Testamento é uma mera questão de virar algumas páginas em branco. De Malaquias a Mateus a distância aparente que se nos apresenta é tão pequena que não passa nunca pelas nossas mentes inicialmente que um período de quatrocentos anos houve entre o domínio persa com Neemias governando a Judéia até o domínio romano com Herodes a governando. Este período é chamado de período intertestamentário.
São muito escassas as informações da vida na Judéia nos séculos IV e III A.C.. O Evento melhor documentado é o que teve maior impacto sobre os judeus e sobre o mundo conhecido: a conquista do Oriente por Alexandre Magno. Em 333 ele derrotou os persas em Isso e se dirigiu para o sul e conquistou Tiro, passou por Jerusalém onde foi bem recebido pelo Sumo Sacerdote Jádua que o identificou com o chifre do bode peludo em Daniel, mostrando-lhe a passagem do livro. A súbita morte de Alexandre em 323, dividiu o Império para os seus quatro generais dos quais Ptolomeu e Seleuco, herdeiros do Egito e Síria respectivamente, inauguraram as dinastias que disputaram a Palestina. Inicialmente, os Ptolomeus eram possuidores da Palestina.
A conquista grega do Oriente teve efeito profundo na cultura. Valores, crenças e práticas gregas foram assimilados no Oriente e a isso damos o nome de Helenismo. O Helenismo introduziu o grego koiné como idioma cultural e comercial do mundo mediterrâneo e o regime da polis nas cidades conquistadas: a democracia regida pelos cidadãos, homens livres e proprietários de terra que elegiam seus representantes, os magistrados que governavam a cidade. A maior polis da época, Alexandria, recebeu muitos judeus pois o mundo, globalizado pelo Helenismo, não apresentava barreiras.
A Fé judaica era tolerado e respeitado. Os judeus podiam, conforme decreto de Alexandre, observar o shabbath, coletar e administrar seus próprios impostos, possuir poder judiciário para julgar os de sua própria raça e estavam isentos de culto aos deuses dos lugares onde estivessem. Ser judeu era obedecer a Lei, reconhecer o Templo como local de adoração, enviar para lá o imposto anual e, se possível, visitá-lo pelo menos uma vez por ano em uma das grandes festas.
A distância de onde viviam para a Palestina, e mesmo na Palestina para o Templo, provocou o desenvolvimento da sinagoga, a reunião religiosa para orações, leitura da Palavra e observância dos sábados ao longo dos anos em todas as polis onde haviam judeus. O mundo antigo nunca vira nada parecido: um culto sem imagens, sem sacerdotes, apenas com leitura sagrada, orações e pregações.
Com o advento da sinagoga, o estudo e a interpretação das Escrituras começou a ganhar importância sobremodo independente, ocupando o centro da vida religiosa judaica.
No processo de adaptação da Torah ao uso prático, os eruditos teólogos realizaram façanhas interpretativas. O mais destacado sistema de interpretação era o do Rabi Akiva ben Joseph: toda sílaba da Torah tinha sentido independente. Outro sistema de interpretação era o do judeu helenista Aristóbulo de Panéias: compreensão de alegorias na Torah, sistema aperfeiçoado por Fílon de Alexandria.
Foi nessa época de propagação popular das Escrituras que o Rei Ptolomeu II, Filadelfo ( 284-247 A.C.), mandou em 277 A.C. traduzir a Torah para o grego a partir da proposta de Demétrio Falerus, Diretor da Biblioteca de Alexandria. A ordem de tradução foi enviada a Eleazar, o Sumo Sacerdote, que respondeu prontamente, escolhendo setenta e dois teólogos exegetas lingüistas para esta tarefa. A Septuaginta, como ficou conhecida esta tradução, incluía a Lei, os Profetas, os Escritos Canônicos e, posteriormente, os Escritos Extracanônicos, conhecidos pelos católicos como deuterocanônicos e pelos protestantes como apócrifos.
Esses livros extracanônicos se constituem, ao lado dos pseudepígrafos, a literatura judaica mais importante do período intertestamentário. São 13 livros e quatro textos adicionais:
A exemplo dos dois livros apócrifos de Esdras, a literatura judaica deste período produziu outros livros, muitos deles valiosos, cujos autores propostos não podem sê-los. São pseudepígrafos:
Raça mista de israelitas do norte, elementos provenientes da Caldéia e da Média, além de judeus, os samaritanos eram o povo encontrado na terra quando os de Judá voltaram do cativeiro. O fato dos samaritanos admitirem casamento misto foi o motivo para serem separados dos judeus em 350 A.C., ano em que Manassés, irmão do Sumo Sacerdote Jônatas, despojou Nicasis, filha de Sambalate, Governador da Samaria, que veio a aliar-se a Alexandre, o Grande. Alexandre mandou construir no Monte Gerizim o Templo Samaritano onde Manassés tornou-se o Sumo Sacerdote. O templo foi destruído no ano 129 A.C. por João Hircano o que não impediu que um altar fosse mantido no cume do monte em funcionamento mesmo à época de Jesus.
O Templo Samaritano tornou-se o abrigo dos judeus indisciplinados e vítimas do jugo fariseu e saduceu, recebendo a todos de braços abertos. O Cânon Samaritano se constitui do Pentateuco, Sefer-Ha-Jamim ( o Livro de Josué, ampliado até à época do Império Romano) e a Doutrina de Marqã, que é a história de Moisés.
Após Ptolomeu IV, Filopáter, ter tentado entrar no Santo dos Santos ( 217 A.C.) e ter sido acometido de paralisia total, oprimiu os judeus, seus vassalos. Morto Filopáter em 204 A.C., Ptolomeu Epifânio ( 204-180 A.C.) assumiu o trono egípcio e perdeu a Palestina no ano seguinte para Antíoco Magno, que veio livrar os judeus da opressão egípcia. A disputa pelo território durou até 198 A.C. quando Antíoco a recuperou definitivamente. Antíoco foi sucedido por Seleuco IV, Filopáter ( 180-175 A.C.) que foi assassinado pelo seu tesoureiro, Heliodoro. Antíoco Epifânio assumiu o trono ( 175-164 A.C.) e se notabilizou por uma campanha para total helenização dos judeus. Em campanha contra o Egito em 171 A.C., se ouviu que tinha morrido. O partido nacionalista dos judeus recuperou o ânimo com a notícia de sua morte. Quando Antíoco soube que Jerusalém comemorara sua falsa morte, ele se enfureceu e invadiu Jerusalém num sábado matando 40 mil pessoas em três dias numa campanha disciplinadora que incluiu invadir o Santo dos Santos, roubar o castiçal de ouro, a mesa, o altar de incenso e todos os vasos, além de destruir os livros da Lei, sacrificar uma porca no altar, aspergir com seu sangue o Templo e erigir a estátua de Zeus Olímpico nele.
Por um período de 2300 dias, o santuário esteve profanado. Em 169 A.C., Antíoco fez outra campanha contra o Egito e era bem sucedido até que embaixadores romanos o humilhassem, lhe entregando um decreto do Senado Romano exigindo sua retirada. Antíoco, temeroso, bateu em retirada e se vingou sobre Jerusalém.
É neste quadro que surge o Sacerdote Matatias, o primeiro dos Macabeus. Apeles, o comissário do Rei, veio forçar todos os habitantes de Modin, uma aldeia de Judá, a se conformarem ao culto pagão. Matatias negou-se com sua família a obedecer o rei. Um renegado judeu compeliu a multidão à idolatria, sendo assassinado por Matatias que também matou Apeles e destruiu o altar pagão construído por ele. "Todo o que tiver o zelo da Lei e quiser manter a Aliança, venha após mim", assim surgiu o grupo dos hassidim que como guerrilheiros se portaram contra Antíoco vencendo-o definitivamente em 165 A.C.. Judas, filho de Matatias, foi declarado Príncipe da Judéia com a independência e a purificação do Templo. Antíoco estava em campanha na Pérsia quando soube que seus generais, Serom, Górgias e Lísias, foram derrotados pelos judeus, morreu de tristeza e doente na Babilônia quando tentava retornar para recuperar a Palestina.
Judas governou a Palestina até 161 A.C quando morreu e Jônatas, seu irmão assumiu ( 161-144 A.C.), ano que Demétrio I, o Sóter ( 162-151 A.C.) que sucedeu a Antíoco V, Eupator ( 164-162), o sucessor de Epifânio, tomou Jerusalém. Na controvérsia do trono sírio entre Demétrio I e Alexandre Balas ( 151-146 A.C.), Jônatas apoiou o último que venceu e matou seu rival. Houve paz entre os judeus e os sírios até a controvérsia entre Balas e Demétrio II suscitasse novos confrontos. Balas terminou assassinado e Demétrio II foi proclamado rei como o Nicatóris ( 146-144 A.C) mas foi deposto pelo filho de Balas, Antíoco VI, que reclamou e conquistou o trono mas foi traído por Trífom, seu general, que usurpou o trono e decidiu subjugar os judeus. Ele assassinou Jônatas em 144 A.C. Simão, seu irmão, assumiu o Principado ( 144-135) e apoiou o retorno de Demétrio II ao trono que ocorreu em 129 A.C. mas, numa incursão à Pérsia foi capturado e Antíoco VII assumiu o trono ( 126-96 A.C.), derrotando Trífom. Simão, por sua vez, foi assassinado num banquete e João Hircano, seu único filho sobrevivente o sucedeu ( 135-105 A.C.). A Síria se mostrou enfraquecida pelas disputas pelo trono e Roma dava sinais de supremacia. Aristóbulo, sucessor de João Hircano, seu pai, assumiu o título de Rei dos Judeus ( 106-105 A.C.) mas Antipater havia sido nomeado por Roma em 109 A.C.) como Procurador da Judéia. Este é o pai de Herodes.
Neste período macabeu ( 171-37 A.C.) formou-se a teologia apocalíptica cujas características são: a punição para os pecados presentes; que o fim está próximo; que haverá uma catástrofe cósmica; que o mundo será dominado pelos judeus; que não há o fim do mundo mas o fim deste desenvolvimento pecaminosos da história; a restauração de Jerusalém; a eternidade do domínio judaico mundial; o Reino do Messias de mil anos ou eterno nesta terra de mar a mar.
Foi à época de João Hircano que surgiram os fariseus e saduceus. O saduceu é um membro da aristocracia que só aceita a validade da Torah, sendo conservador nas antigas doutrinas do Antigo Testamento. Já os fariseus são rigorosos pietistas que levam em consideração a tradição oral junto com a Torah. Sua piedade faz reconhecer a existência dos anjos e dos demônios e crê na ressurreição dentre os mortos, além de esperar pelo Messias. Ambos criam na retribuição e eram classe dominante à época de Jesus.
A nova compreensão da realeza de Deus era enfatizada nos termos gregos pantokrátor ( "Todo-Poderoso") e hypsistos ( "Altíssimo") na Septuaginta. A Septuaginta traduziu IaHVeH por Kyrios.
A pré-ordenação do curso do mundo criou a doutrina da Soberania de Deus oposta a rebelião satânica que provocou a Queda do Homem, cuja redenção será efetuada no eschaton pelo Messias.
O pensamento messiânico judaico é em grande parte produto dos séculos II e I A.C., presente em Enoque, Salmos de Salomão, Testamento de Simeão, Testamento de Levi, Testamento de Zebulom, Testamento de Dã, Assunção de Moisés e o Segundo Livro Pseudepígrafo de Esdras nos quais é retratado como Juiz Escatológico sacrificado e ressurreto, duplicado nas pessoas de um rei e de um sacerdote, como a Consolação, Parakalesin, de Israel, o Salvador de Israel e como o Filho do Homem. A condição escatológica de Juiz fundiu-se à condição profética de Rei sucessor de David e, somada à crença do Filho do Homem que vem do Céu, trouxe a definição intertestamentária do Messias: o Filho do Homem que vem do Céu, da semente de David, Rei e Juiz Escatológico.
O desenvolvimento escatológico do período intertestamentário, graças a apocalíptica, fez tomar vulto a crença na ressurreição dentre os mortos para participar do Reino Eterno ( ou de Mil Anos) do Messias, Filho de David.
REferências Bibliográficas
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