Por Stuart McNair
0 aparecimento de duas novas edições do Novo Testamento fornece ocasião
oportuna para um estudo mais minucioso do que se tem feito até agora do assunto
"Bíblia Brasileira". Uma das novas versões, da Sociedade Bíblica do
Brasil (e essa vou referir pelo sinal VB2), a outra sendo da Imprensa Bíblica
Brasileira, impressa pela Casa Publicadora Baptista (à qual vou referir pelo
sinal VB3). Visto que ambas as edições levam o nome de João Ferreira de
Almeida, vejo-me obrigado a usar algum meio de distinguir uma da outra. Reservo
o sinal VB para a bem-conhecida Versão Brasileira, cuja apresentação ao público
evangélico há quarenta anos parecia então ser a última e final revisão bíblica
na língua portuguesa.
0 presente estudo ocupar-se-á mais precisamente com a edição VB2. A outra
(VB3) será referida quando parece ser necessário notar diferenças entre as
duas.
Durante os últimos cinco anos tenho publicado na Biblioteca Evangélica
vários artigos referentes à tradução das Sagradas Escrituras, por isso ao
escrever novamente sobre o mesmo assunto será impossível evitar algumas
repetições. Visto, porém, que pode não ser conveniente para quem lê o presente
escrito consultar os volumes atrasados da Biblioteca, parece oportuno repetir
vários casos e argumentos que a maioria dos leitores pode ter esquecido.
Antes de investigar certos casos concretos, vou apontar umas
generalidades, a saber:
Necessidade. Ao contemplar qualquer revisão ou nova tradução da Bíblia
(com vasto dispêndio de tempo e dinheiro), é claro que o primeiro ponto a
resolver será se é de urgente necessidade?
Já temos as versões de Figueiredo (F), Almeida (A), Versão Brasileira (VB)
e Rohden (R). Não podemos, porventura, aproveitar, com ligeiras emendas,
nenhuma delas? Figueiredo traduziu do latim, para um português apurado e
clássico. Almeida, do grego, mas, dizem-nos, em linguagem menos apurada. A
Versão Brasileira foi feita por uma comissão escolhida e aprovada, podendo até,
consultar em questões do, vernáculo, o grande mestre Rui Barbosa. Rohden é um
literato de reconhecida capacidade. Tudo isto nos leva a enfrentar a questão de
-
Competência. Uma vez resolvido que o serviço de nenhum dos tradutores
anteriores prestou, qualquer nova comissão revisora necessita ser,
evidentemente mais erudita, mais espiritual; mais mestre das línguas grega e
portuguesa, mais competente para a pesada tarefa. Certamente o tradutor novato
precisa de coragem se espera bom êxito onde tantos dos ilustres antepassados
têm falhado!
Texto grego. Em se tratando de uma revisão ou nova tradução do Novo
Testamento, o problema mais fundamental por resolver é qual texto grego convém
usar? Visto que ainda existem uns 5.000 antigos manuscritos bíblicos na língua
grega, com algumas diferenças entre si, vem a ser uma tarefa formidável
escolher, entre todos eles, os de mais confiança. Sobre um assunto tão delicado
posso oferecer apenas alguns ligeiros apontamentos.
Durante os últimos 50 anos as Sociedades Bíblicas têm optado pelo texto
grego de Nestle, que é baseado, como ele mesmo afirmou, nos textos de
Tischendorf, Hort, e Weiss, todos eles confeccionados durante o século XIX: 0
mais célebre advogado deste texto foi o Dr. Hort, um homem confessadamente
entusiasmado por dois célebres manuscritos, Aleph (o Sinaiticus) e B (o códex
Vaticanus): Um acordo entre esses dois, às vezes sem o apoio de qualquer outro
manuscrito, ele, em alguns casos, julgou suficiente para resolver os problemas.
0 Dr. Hort advogou seus textos predilectos (Aleph e B, etc.) tão
entusiasticamente que convenceu a maioria dos seus contemporâneos, de maneira
que, em vez de investigar 5.000 manuscritos, alguns críticos modernos têm
achado suficiente examinar três ou quatro aos quais geralmente referem como «os
melhores manuscritos» e ao cursivo número 33 (que frequentemente concorda com
eles) como «a rainha dos cursivos».
Contudo, tem havido protestos, e as determinações do Dr. Hort (e, por
isso; de Nestle) não mais são aceitas sem questão. Durante o último meio século
foram criticadas por Hoskier, Sanders, Kenyon, Tasker, e, ultimamente, pelo
doutor holandês Klijn. Mais uma vez os peritos da crítica textual insistem,
como outrora insistiam Scrivener e Burgon, aos fins do século passado, na
necessidade de examinar todos os manuscritos existentes, e não apenas três ou
quatro.
Referente a Tischendorf, ainda menos precisamos de dizer. É notório que
ele chegou a ser tão entusiasmado pelo manuscrito Aleph (que ele mesmo
descobrira em 1859 no mosteiro do monte Sinai) que em alguns casos aceitou o
texto dele contra todas as outras testemunhas. Por isso não é de estranhar que
o texto de Tischendorf e Hort, reproduzido por Nestle, seja já um tanto
desacreditado. Se as comissões revisoras estivessem mais ao par do progresso da
critica textual não teriam seguido a Nestle sem ao menos alguma investigação.
Há oito anos chamei atenção para essa necessidade, mas o meu apelo não foi
atendido.
Dos 5.000 manuscritos ainda existentes dois (B e Aleph) datam do século
IV, três (A. C. Q.) do século V, e dez do século VI. Todos estes são
manuscritos unciais, isto é, escritos em letra maiúscula grega. Além deles há
uns vinte unciais um pouco mais recentes. Todos os outros - mais de 4:000 - são
cursivos, isto é em letra grega minúscula, e ainda mais recentes. Mas, mesmo
assim, merecem cuidadoso estudo.
Porém ninguém acredita que, durante os cinco primeiros séculos da Igreja,
fizessem apenas cinco cópias do Novo Testamento grego em letra maiúscula e que
todos eles sobreviveram até hoje. 0 certo é que fizeram mais, muitíssimo mais,
50, ou 500 ou 5.000 unciais; que com o decorrer do tempo foram destruídos, mas
cujo texto ficou conservado nos manuscritos cursivos. Tem sido a praxe entre os
peritos ligar pouca importância aos cursivos, mas realmente merecem a mais
atenciosa investigação. Podemos crer que cada cursivo reproduz o texto de um ou
mais unciais bem mais velhos do que ele mesmo.
Ainda mais, além dos manuscritos gregos do Novo Testamento, existem também
Versões antigas em diversos idiomas, Evangelistária ou citações dos Evangelhos
copiadas para serem lidas nas igrejas, e também citações bíblicas nos escritos
dos Santos Padres. Tão vasta cópia de testemunho demonstra como é absurdo
aceitar o texto de um ou dois manuscritos sem comprovar as suas palavras por
todas as evidências ao nosso alcance. 0 certo é que não podemos aceitar por guia
qualquer editor do texto grego que se mostre entusiasmado por um ou dois
manuscritos.
Outra cousa que devemos lembrar é que durante todos os séculos tem
existido um mesmo texto grego do Novo Testamento, que se encontra ainda hoje em
quase todos os manuscritos cursivos, e que, século após século, foi aprovado
pelos peritos do seu tempo. Não podemos acreditar que homens doutos de outrora
aceitassem a tarefa de copiar o N.T. no grego sem bastante cuidado em escolher
os padrões mais aprovados, ou que somente em chegando o Dr. Hort o erro deles
(em preferir textos de menos valor) foi descoberto e corrigido! A presunção é
que, não havendo provas em contrário, o texto tradicional, mais frequentemente
copiado, era o texto melhor comprovado durante os séculos, por ter ao seu favor
a maioria dos manuscritos - manuscritos que agora não mais existem: Este texto
é conhecido hoje como o textus receptus (T. R.) e apesar: de ter alguns
defeitos (já conhecidos e corrigidos) é reconhecido por todos os peritos como sendo
um texto do quarto século. Apesar disto, a proposta de Tischendorf seguida
pelos editores mais recentes (inclusive Nestle), foi de abandonar esse texto
aprovado durante os séculos, e reconstituir outro, mediante uma fracção dos
relativamente poucos manuscritos ainda existentes - com uma forte preferência
para os manuscritos Aleph e B.
As Versões, no latim e outras línguas, datando do século segundo merecem
bastante atenção, mas não podemos dedicar-lhes muito espaço. Basta dizer que
geralmente concordam com o T. R.
Editando. O tradutor das Sagradas Escrituras encontra nos manuscritos,
logo ao começo do seu trabalho, uma dificuldade: a falta, em muitos casos, de
palavras necessárias para completar o sentido. Que há de fazer? Acrescentar
palavras por sua própria conta e risco, não é ser fiel ao original. Não
fornecer as palavras necessárias, importa deixar o sentido incompleto ou
ambíguo.
Almeida, seguindo o exemplo da versão autorizada inglesa, pôs em grifo ou
letra itálica as palavras acrescentadas, deixando assim o leitor com a
liberdade de as trocar por outras que acha mais adequadas. A seguir dou apenas
dois exemplos. Em Heb. 8:8 Almeida tem: «Porque, repreendendo-os, lhes diz: Eis
que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com a casa de Judá
estabelecerei um novo concerto». Assim qualquer leitor fica sabendo que a
palavra os, que está em grifo, não se encontra no original (em muitos dos
mss.). E no caso de ser estudioso sabe ainda mais: essa palavra acrescentada
está errada. Deve ser o, e não os. O contexto mostra que Deus reprovou, não o
povo, mas o velho concerto.
Mas F, VB, VB2 e VB3 têm: «repreendendo-os» sem o grifo), de maneira que o
leitor fica confundido e não pode atingir o sentido do original.
Dá-se um caso semelhante com Rom. 14:5 onde Almeida tem: «mas outro julga
iguais todos os dias», e as outras versões têm as mesmas palavras sem o grifo.
Porém seria perfeitamente lícito ler: «mas outro julga santos todos os dias»,
dando assim às palavras um sentido novo e interessante.
Quando a Versão Brasileira se imprimiu, em 1911, com o título «versão
fiel», mas sem quaisquer palavras em grifo, adverti a comissão revisora de
então que não podia ser fiel, acrescentando assim palavras sem pedir desculpa.
Em seguida desapareceram do frontispício as palavras «versão fiel».
Visto que em toda a literatura menos na Bíblia as palavras em grifo
costumam ser palavras enfáticas, alguns editores acham mais conveniente pôr as
palavras acrescentadas entre [ ]. Isto é o que farei no resto deste artigo.
Linguagem académica. Os primeiros tradutores da Bíblia na língua
portuguesa tiveram o cuidado de usar linguagem simples, ao alcance de todo o
povo. Infelizmente esse bom costume nem sempre tem sido seguido pelas comissões
revisoras mais recentes. O próprio Rohden às vezes usa linguagem académica que
nem todos podem entender: «para aderir à sua mulher» (Mat. 19:5); «mandei
carnear os meus bois» (Mat. 24:4); «sobre a cátedra de Moisés» (Mat. 23:3);
«Para que a vossa fuga não incida no inverno» (Mat. 24:20); «A quem o Senhor
pôs à testa dos seus fâmulos (Mat. 24:45); «os esbirros levaram Jesus à
presença do sumo sacerdote» (Mat. 26:57); «um preso famigerado» (Mat. 27:16),
etc.
Durante todo o período do trabalho da comissão revisora chamei atenção de
vez em quando para esse mesmo inconveniente de linguagem académica, um defeito
pouco evidente em Almeida. Em alguns casos os protestos foram atendidos.
Contudo, ainda restam outros, por exemplo: «depois de acurada investigação»
(Luc. 1:3); «parou numa planura» (Luc. 6:17); «acharam-se premidos de sono»
(Luc. 9:32); «esta quedava-se assentada» (Luc. 10:39); «de quem é a efígie»
(Luc. 20:24); «ao descambar o dia» (João 6:16); «mas eles retrucaram» (João
9:34); «homens iletrados» (Actos 4:13); «por isso dissertava na sinagoga»
(Actos 17:17); «esparsos por todo o mundo» (Actos 24:5); «passível da morte»
(Actos 25:25); «pressentiram os marinheiros» (Actos 27:27); «inculcando-se por
sábios» (Rom. 1:22); «e não na caducidade da letra» (Rom. 7:6); «meu dilecto
amigo» (Rom. 16:8); «que saudades, que zelo, que vindita (2. Cor. 7:11); « pela
artimanha dos homens» (Efés. 4:14); «da operosidade da vossa fé» (1 Tess. 1:3);
«de vós repercutiu a palavra (1 Tess. 1:8); «que sejam criteriosos» (Tito 2:6);
«o pecado que tenazmente nos assedia» (Heb. 12:1); «sem mácula, imarcescível»
(1 Ped. 1:4); «não revidava com ultraje» (1 Ped. 2:23), etc. etc.
Linguagem eclesiástica. É pena que os nossos tradutores modernos persistem
no emprego de palavras eclesiásticas como diácono, presbítero e bispo, em vez
de servo, ancião e superintendente. Tais palavras tendem a plantar no meio
evangélico esse mesmo clericalismo que tanto tem corrompido o romanismo.
Segundo o dicionário de Hildebrando Lima, o bispo é um «prelado que governa uma
diocese», uma definição que de maneira alguma descreve os modernos
superintendentes que zelavam uma primitiva igreja cristã.
«O menos possível.» Se há um favor que o público evangélico pede a uma
comissão revisora com mais carinho do que qualquer outro, é de alterar o menos
possível. O povo acostuma-se com as suaves frases que lê dia após dia durante
toda a sua vida cristã, e ressente perder o acostumado. Quem faz uma nova
tradução tem toda a liberdade em escolher a linguagem que julga mais
apropriada, mas quem pretende revisar uma tradução aprovada durante séculos
precisa ter a prudência de alterar o menos possível. Uma vez que a frase dê bem
o sentido sem transgredir as regras da gramática, deve ser respeitada. Alterar
a linguagem das Sagradas Escrituras é tão melindroso como corrigir os defeitos
de um hinário (Para mim é mais!).
Infelizmente a tendência natural é geralmente de alterar muito. Quando, em
fins do século passado, publicaram a célebre Revised Version inglesa, houve
enérgicos protestos devido às muitas frases alteradas sem nenhuma necessidade.
E desde então outras comissões revisoras têm, infelizmente, feito o mesmo. No
caso da VB2, que nos preocupa agora, o tempo não deu para contar todas as
alterações, mas tomei apenas dois capítulos: Marcos 1 e Romanos 1. Verifiquei,
que Marcos 1, em 45 versículos, tem 71 alterações, e Romanos 1, em 32
versículos, tem 46 alterações. E de todas elas, quantas são realmente
necessárias? Podemos acreditar que Almeida fez seu trabalho tão mal que foi
preciso corrigi-lo 71 vezes em 45 versículos? Convido ao leitor mais instruído
a abrir a sua Bíblia de Almeida em Marcos 1 e contar quantos defeitos de
linguagem realmente precisam ser corrigidos.
Palavras pequenas. Estas podem merecer tanta atenção como as grandes. Mas
(seguindo o exemplo de Weymouth) os recentes revisores, a começar com a VB,
parecem fazer pouco da conjunção kai, que significa «e» ou «também». Assim em
Mat. 14:13-21 kai encontra-se onze vezes, mas na VB2 sete vezes não é
traduzida; e em todo o Novo Testamento, mas especialmente nos evangelhos,
encontramos constantemente a mesma supressão desta palavra. O resultado é
tornar o estilo abrupto e áspero, perdendo, às vezes, o suave trânsito de uma
frase a outra.
É reconhecido que no grego não existe o artigo indefinido, que no
português geralmente precisa ser suprido. Porém muitas vezes é erro suprir o
artigo definido quando falta no original.
Assim, em Romanos 3:19 lemos duas vezes «a lei», com o artigo definido no
grego, mas no v. 20 é diferente. Ali devemos ler «Por isso nenhuma carne será
justificada diante dele por obras de lei, porque por lei vem o conhecimento de
pecado». A ausência aqui do artigo definido dá à frase um sentido geral, de maneira
que podemos até ler «por obras legais». E em todo o N. T. há muitos casos
semelhantes.
Os casos mais importantes são onde encontramos pneuma hagion com o artigo
ou sem o artigo. Então o contexto precisa nos ensinar se devemos ler «o
Espírito Santo» ou «um espírito santo». Assim em Lucas 11:l3 todos os
tradutores, não atendendo à falta do artigo defenido no grego, têm «quanto mais
dará o Pai celestial o Espirito Santo àqueles que lho pedirem?» Contexto
(remoto) em Mat 7:11, ensina-nos que devemos ler Luc. 11:13 «quanto mais dará o
Pai celestial um espirito santo àqueles que lho pedirem», talvez com a simples
oração «Santifica-nos, Senhor». Aliás, seria um tanto estranho Jesus ensinar
aos discípulos a orar formalmente pelo dom do Espírito Santo antes de Ele ter
sido prometido, bem sabendo que a oração não podia ser atendida senão depois da
Sua ressurreição e de Pentecostes (João 7:39).
Hendíadis. É pena que mais uma vez os revisores da Bíblia deixam de fazer
caso desta interessante figura de linguagem, que se encontra no latim e grego.
Hendíadis, é o caso de qualificar um substantivo por outro substantivo esse
então tendo o valor de um adjectivo reforçado. Assim em Actos 14:13 lemos
«trazendo para junto das portas touros e grinaldas», que devia ser traduzido
«touros grinaldados». Em Mat. 4:16 «na região e sombra da morte», onde devemos
ler «na região de sombra mortal», e em João 14:6 é provável que devemos ler «Eu
sou o caminho vivo e verdadeiro», reconhecendo a figura de hendíadis, como o
Dr. Neil demonstra num interessante artigo traduzido na Biblioteca, Evangélica,
livro 2, pág. 123.
A presença da figura hendíadis pode ser discernida somente quando o
contexto a sugere, ou quando uma tradução directa não dá sentido. Assim os
sacerdotes trazer touros e grinaldas (?) não tem sentido nenhum, mas trazer
touros grinaldados (enfeitados para sacrifício) é fácil de compreender. Em 2 Sam.
20:19 «tu estás procurando destruir uma cidade e uma mãe em Israel» parece por
demais esquisito, mas, reconhecendo a figura hendíadis, a tradução vem a ser
«destruir uma cidade mãe (ou metrópole)».
O conhecido tradutor bíblico Weymouth chama atenção várias vezes para a
figura de hendíadis, mas F, A, VB e R, como também VB2 e VB3 parecem ignorá-la
por completo. Contudo Rohden traduz Mat. 4:l6 sofrivelmente: «aos que habitam
nas regiões sombrias da morte».
Notas marginais. Todos podem aprovar haver, em alguns casos, notas
marginais dando leituras alternativas quando os manuscritos diferem. Tais notas
ao menos permitem ao leitor perceber quando o texto não é de todo certo. Os
casos mais reprováveis são onde Almeida tem sido alterada sem nenhuma nota
marginal, de maneira que o leitor não pode saber que tem havido omissão ou
acréscimo. Assim em João 3:13 onde Almeida tem: «Ora, ninguém subiu ao céu,
senão o que desceu do céu, o Filho do Homem, que está no céu,» as novas versões
VB2 e VB3 omitem as palavras «que está no céu», sem nota alguma marginal.
Certamente o leitor tem o direito de saber que as palavras se encontram em 19
dos manuscritos unciais, em todos os cursivos menos um, em dez das Versões, em
38 Santos Padres (T.T. 114, S-2. 360). Eliminar as palavras sem deixar sinal,
não parece ser um procedimento muito leal, e deixa o leitor ingénuo sem meios
de descobrir a verdade.
Alguém pode estranhar que os peritos modernos da crítica textual podem
fazer tão pouco caso da vasta cópia de testemunho a favor de palavras
certamente bíblicas. A explicação, que a escola moderna atribui tanto valor a
três ou quatro dos antigos mss. - a saber, a Aleph, B, e D, etc. - que quando
esses concordam numa leitura, desprezam todo o testemunho em contrário.
Em Lucas 6:1 Almeida tem : «E aconteceu que, no sábado
segundo-primeiro...» de acordo com a vasta maioria dos manuscritos. Mas VB VB2
e VB3 omitem as palavras problemáticas «segundo-primeiro» sem nenhuma nota
marginal. Como podemos ter confiança nessas notas quando faltam nos casos mais
necessários? A favor das palavras Scrivener cita 16 unciais, todos os cursivos
menos sete, e vários dos Santos Padres (S-2. 347).
Podemos notar aqui que é muito fácil algum copista omitir uma palavra que
lhe parece incompreensível, mas não é nada provável um copista acrescentar uma
palavra que ninguém vai entender.
Versão de Almeida? A cousa que pode causar a mais triste impressão no meio
evangélico é ver, no frontispício, esta nova versão atribuída a João Ferreira
de Almeida. A verdade é que difere de Almeida em cada página, em quase cada
versículo. Quando podemos contar em Marcos, primeiro capítulo, 71 alterações e
em Romanos, primeiro capítulo, 46 alterações, fica mais do que comprovado que
VB2 não é a versão de Almeida. Nenhuma das palavras académicas que apontei
acima é usada por Almeida; mas a diferença mais grave é que, embora Almeida
seguiu o texto grego tradicional, conhecido como o textus receptus, a nova
comissão revisora adoptou o texto mais recente de Nestle, baseado nas
preferências de Tischendorf, Hort e Weiss. Assim em quase todos os casos
problemáticos a diferença entre Almeida e a escola moderna é evidente, e
ninguém deve pensar que Almeida aprovou todas as modificações recentes do texto
grego que resultam do abandono do textus receptus empregado por ele.
Não é nada impossível que algum crítico católico comente ironicamente a
«veracidade protestante» que é capaz de atribuir a João Ferreira de Almeida uma
nova versão flagrantemente diferente daquela que esse fez. A alegação «Revisão
Autorizada» não melhora o caso, a não ser que pudessem provar que foi
autorizada por Almeida mesmo.
E este uso (ou abuso) do nome de Almeida para abonar uma variedade de
versões diferentes traz uma confusão indesculpável no meio evangélico. Há
Almeida-Americana, produzida em New York. Há Almeida-Lisboa, feita em Portugal,
e agora temos mais duas Almeida-Rio de Janeiro, que (para diferençar) preciso
chamar VB2 e VB3. Assim quando qualquer igreja local resolve adoptar a «Bíblia
de Almeida» será muito necessário perguntar : «Qual é a Almeida da vossa
preferência?» Faz-nos lembrar outra dificuldade dos nossos tempos: a diferença
entre Salmos e Hinos corrigido ou não corrigido.
Certas palavras. A preposição grega dia tem sido rendida por quase todos
os tradutores até agora pela palavra «por», ou, ás vezes, «mediante». Mas agora
vem traduzido «por intermédio de», uma locução que nenhum dos outros tradutores
quis usar. Um caso interessante vemos em Mat. 2:15 onde encontramos duas
preposições diferentes : hupo tou kuriou diu tou prophetou, que VB2 traduz
«pelo Senhor por intermédio do profeta», e onde Almeida tem «da parte do Senhor
pelo profeta». Se esta frequente repetição de «por intermédio de» é necessária,
é uma necessidade que ninguém descobriu até agora. Nem VB nem VB3 usam a forma.
Esta nova versão VB2 gosta muito da expressão «Replicou Jesus», como em
Luc. 9:62, onde A tem «disse» e F, VB e R têm «respondeu». Segundo meu
dicionário de sinónimos, réplica parece dar a ideia de uma espécie de combate
verbal, por isso preferimos a tradução de F, A ou VB.
«Pequena fé» (traduzindo oligo-pistos) é uma expressão que encontramos
somente nesta versão VB2: Está em Mat. 6:30 e outros lugares. Lemos «pouca fé»
em A, F, VB e R. Por suposto, escolheram o novo estilo para evitar uma
cacofonia com «café», mas parece que a emenda é pior que o soneto. Ninguém nos
vai dizer que café é uma palavra indecente. Pouca fé se refere à quantidade e
não ao tamanho da fé. Em Lucas 19:3 lemos de um homem de «pequena estatura»,
mas ali a palavra é mikros e não oligos.
Quase todos os peritos traduzem a palavra grega anomia por «iniquidade» ou
«transgressão» da lei. Assim perdem o sentido preciso de uma palavra composta
de dois elementos: nomos, «lei», e a, uma partícula negativa que podemos
traduzir por «sem». Na língua portuguesa temos um caso idêntico: «Normal», de
acordo com a regra, e «anormal», fora da regra. Assim uma tradução exacta de
anomia seria insujeição, insubmissão, insubordinação. Traduzir 1 João 3:4 - «o
pecado é a transgressão da lei» não apresenta a verdade bíblica. Mais correcto
seria dizer: «o pecado é a insubmissão [à vontade divina]». Se o pecado fosse
sempre a transgressão de uma lei, então onde não há lei não poderia haver
pecado. Mas a vontade humana desenfreada é uma vontade pecaminosa, mesmo sem
aparecer lei alguma. Porém, quando aparece uma lei divina, o pecado pode tomar
o carácter de transgressão.
Ouvi o caso bem ilustrado há muitos anos por um dotado ensinador bíblico,
que disse: «Pode ser um menino fumando seu primeiro cigarro, ou pode ser um
governo votando a construção de uma nova estrada de ferro - tanto um como outro
é pecado no caso de não consultar a vontade divina. O pecador «quer ser senhor
da sua própria vontade». O crente deseja que em tudo Deus seja o Senhor da sua
vontade.
Todo homem. Na impressão provisória dos Evangelhos aparecia frequentemente
a expressão «todo o homem»-(que em Portugal é correcto) quando o sentido é
«todo homem», isto é, «todos os homens». Isto foi protestado, e o protesto foi
atendido, de maneira que o defeito não aparece mais: Mas a emenda foi feita com
tanta abundância que, ao menos em um caso, o artigo (ausente em alguns mss. do
grego, mas necessário no português) foi banido com prejuízo ao sentido. Assim
lemos agora em Efés. 2:21 - «No qual todo edifício bem ajustado, cresce para
santuário ... » Aqui, já se vê; é preciso ler «todo o edifício», ao menos na
língua portuguesa. No grego alguns mss. não têm o artigo, mas veja-se a nota em
Darby.
Maiúsculas. Um melhoramento que pode ser feito em futuras edições é banir
as letras maiúsculas do início dos versículos, quando o versículo anterior
termina sem pontuação alguma, como em Marc. 8:18,19; Gál. 1:15,16; Efés. 1:4,5;
Col. 1:11;12; 1 Tess. 1:2,3; 2 Tess. 2:1,2; Tito 3:5,6; Heb. 12:22,23; etc.
Pontuação. Na impressão provisória dos Evangelhos a pontuação foi por
demais esquisita e errada, e chamei atenção para isto à comissão revisora em
inúmeros casos. Muitos dos erros foram corrigidos na impressão final, mas
muitos ainda ficam. Tenho marcado 27 somente nos Evangelhos. Talvez o caso mais
grave seja em Mat. 16:21 onde lemos «ser morto e ressuscitado no terceiro dia».
A tradução da VB3 é melhor aqui: «que padecesse muitas cousas dos anciãos, dos
principais sacerdotes, e dos escribas, que fosse morto, e que ao terceiro dia
ressurgisse». Isto também segue mais de perto a ordem das palavras no grego.
Uma pontuação errada tem ainda menos desculpa, visto que a de Almeida é muito
correcta, e a da VB quase igualmente boa.
Língua Portuguesa. Sobre isto não me atrevo a ser positivo. Contudo uso o
privilégio de notar o que os mestres da língua escreveram, e ponderar as
diferenças.
Em João 2:8 VB2 traduz legei por «determinou»; Almeida e todos os outros
tradutores têm «disse». Qual devemos preferir? Em João 3:31 VB2 «traduz anothen
por «das alturas»; todos os outros têm «de cima». Qual é melhor? Em João 4:16
VB2 traduz legei por «acudiu»; todos os outros por «disse». Em João 4:31 VB2
traduz en de tô metaxo por «nesse interim»; Almeida por «e entretanto», R por
«entrementes», F, VB e VB3 por «entretanto». Qual é preferível? Em João 4:36
VB2 traduz (depois de «vida eterna») a palavra grega hina «dessarte»; Almeida
tem «assim», VB tem «a fim de», R tem «para que», como também tem VB3.
Em João 4:37 A, F, VB e VB3 têm: «Porque nisto é verdadeiro o ditado... »;
porém VB2 consegue uma diferença: «Pois no caso é verdadeiro...». Qual é
melhor? Em João 6:25 A, F, R, VB e VB3 têm «perguntaram-lhe», porém VB2 tem
«lhe perguntaram». Em João 7:4 VB2 tem: « ninguém ...realiza seus feitos em
oculto». A tem «não há ninguém que procure ser conhecido que faça cousa alguma
em oculto». VB3 tem «ninguém faz cousa alguma em oculto, quando procura ser
conhecido». Porventura costumamos perguntar a alguém: Onde é que o senhor
realiza seus feitos?» Em João 7:22 - «Pelo motivo de que Moisés vos deu a
circuncisão ...». Não seria mais simples ler «porque Moisés ...» como em F? Ou
pode ser melhor ler como na VB. Em João 9:30 - «Nisto é de estranhar que vós
não saibais donde ele é». Que linguagem complicada! Prefiro como em Almeida -
«nisto pois está a maravilha, que vós não sabeis donde ele é».
Em João 7:23 «ter curado num sábado, ao todo, um homem». Não seria melhor
«de todo» como em A ou «inteiramente» como em VB e VB3?
Em Luc. 11: 1,14 «De uma feita», «de outra feita». Expressões que parecem
novidades. Resta verificar se têm cabimento nas sagradas letras. Em ambos os
casos o grego tem kai, que Almeida traduz por «e».
Vejo que nesta nova versão a palavra grega alla (mas) é traduzida várias
vezes «e, sim,» (duas palavras e duas virgulas em vez de uma palavra sem
virgula). Contei essa locução 17 vezes nos Evangelhos, mas nem uma só vez é
empregada por Rohden, F ou A. Rohden várias vezes tem «mas, sim». Creio que
podemos considerar «e, sim,» uma novidade na Bíblia. Será melhoramento ?
Porventura é brasileirismo ? Vou escrever a Lisboa perguntar se é usada em
Portugal. *
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* Copio o seguinte de uma carta recebida agora mesmo do Rev. Eduardo Moreira,
conhecido poeta evangélico português e representante da Aliança Evangélica em
Lisboa :
(1) Parece-me barbarismo o «e, sim», que o povo não usa [em Portugal] nem
vejo abonado em mestres. A adversativa [mas] usada tal como na versão de
Almeida antes da correcção brasileira, já se encontra, por exemplo, nos «Coros
de Castelo Rodrigo», de 1209, e no «Cancioneiro de Afonso o Sábio» de 1252 -
1281. E vem o seu uso por aí adiante, com toda a força que dá à expressão.
(2) «De uma feita» e «de outra feita», creio que são provincianismos
transportados para o Brasil, pouco elegantes aliás, e que não vejo que valesse
a pena substituir ao que estava. E que direito haverá em alterar Almeida de
cada vez que se reedita, chamando-lhe sempre «Almeida».
(3) «Dessarte» e «destarte» são expressões vernáculas, mas que como [o Senhor]
nota não valia a pena ir buscar para o caso. Não resta dúvida que há uma arte
de matar, que tem seus compêndios na literatura policial e nos tratados de
táctica e estratégia, mas a expressão não me parece bem escolhida para o caso.
Entendo que, a mexer no que estava, declarando que se reviu e modernizou, se
deveria fazer tudo com o maior recato e respeito pelo texto. Suponho que tenho
respondido suscintamente a tudo, e termino desejando-lhe bênçãos do nosso Pai
Celeste.
Em Actos 3:15 - «Dessarte matastes o Autor da vida». Será esta a primeira
vez que a palavra «dessarte» entra nas sagradas Escrituras ? E matar é «arte»
mesmo?
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SEGUNDA PARTE
Alguns casos
Quando apareceram os primeiros Evangelhos avulsos, tentativos, mandei à
comissão revisora uma lista de 349 emendas propostas somente nos Evangelhos.
Algumas delas foram aproveitadas - maiormente na pontuação. Agora que chegou a
edição definitiva (?) do Novo Testamento VB2, tenho marcado (somente nos
Evangelhos) 534 emendas propostas. É claro que neste artigo não poderei relatar
todas elas e explicar o porque de cada uma. A qualquer pessoa interessada
ofereço mostrar todos os apontamentos. Aqui vou apresentar apenas algumas das
emendas mais salientes.
Mat. 1:25. Após a palavra «filho», falta «o primogénito», que está em A, F
e R. Falta, por suposto, porque não está no texto grego de Nestle. Porém as
palavras o primogénito encontram-se em todos os manuscritos unciais e cursivos
menos três, em 16 dos Santos Padres em 7 das Versões e em não sei quantos dos
leccionários. Como é que palavras tão abundantemente comprovadas não aparecem
na tradução VB2? Como é que nem numa nota ao pé da página são referidas? Os
estudiosos que desejam investigar o assunto podem consultar os livros R.R. 123,
T.T. 103 e Birks 87.
Mat. 5:22. Após «irar contra seu irmão» faltam as palavras «sem causa»,
testemunhadas por 11 manuscritos unciais, 11 Versões e 20 dos Santos Padres.
Contra as palavras «sem causa» há apenas 3 unciais, 2 Versões e talvez 8 dos
Santos Padres. Como é que não merecem nem sequer menção numa nota? Veja-se R.R.
350, T.T. 166, Birks 93.
Mat. 5:44. Após «vossos inimigos» faltam as palavras «bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam» abonadas por 9 unciais, quase todos os
cursivos, por 5 Versões, e por 8 dos Santos Padres. Como é que nem numa nota
aparecem? Veja-se R.R. 410. T.T.103, Birks 95.
Mat. 6:1. VB2 tem: «Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos
homens». VB3 tem: «de fazer as vossas boas obras diante dos homens» (apesar da
exortação logo antes em Mat. 5:16: «Assim brilhe também a vossa luz diante dos
homens, para que vejam as vossas boas obras...»). A tradução mais correcta é a
de Almeida: «Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens». Com isto
concordam Darby e Young. É verdade que uma porção de mss. têm dikaiosunê
(justiça) aqui, porém Darby explica que os rabinos em Israel costumavam usar
«justiça» no sentido de «esmola». Aqui, como em vários outros casos
problemáticos, é o contexto que determina o sentido.
Mat. 20:22. Depois das palavras «que estou para beber» faltam «e ser
baptizado com o baptismo com que sou baptizado». Burgon nota que «todos os
manuscritos no mundo, menos sete, têm as palavras» (T.T. 210). Como é que V. B.
2 não diz isto numa nota?
Marc. 7:4 Devemos ler «com o baptismo de copos, jarros e vasos de metal».
A palavra no grego é baptimous, isto é, baptismo. Traduzir «lavagem» falsifica
o sentido. Todo o mundo costuma lavar os utensílios da mesa, mas os fariseus e
judeus religiosos «baptizavam» tais utensílios: isto é, aplicavam-lhes água
como uma prática religiosa. As únicas traduções que tenho em casa que respeitam
a linguagem do original são a espanhola de Pratt e a inglêsa de Young.
Marc. 9:49. Faltam ao fim do versículo as palavras «e cada sacrifício será
salgado com sal», abonadas por 19 unciais, todos os cursivos menos 15, e 8
Versões, (C.C. 275). Onde está a nota ao pé da página apontando isto ao leitor
inexperiente?
Marc. 10:24. Depois de «entrar no reino» faltam as palavras: «para os que
confiam nas riquezas», que são apoiadas por 16 unciais, todos os cursivos e
todas as Versões (T.T. 213). Era de esperar que isto fosse ao menos explicado
numa nota.
Marc. 14:41. Provavelmente deve ser traduzido: «Dormis agora e descansais?
Basta [de sono]. Chegou a hora». Veja-se em Rohden.
Luc. 2:40. «O menino se fortalecia ....» Almeida acrescenta aqui,
correctamente, «em espírito». As palavras têm o apoio de quase todos os
manuscritos ainda existentes (C.C. 212). Como é que VB2 nem numa nota as tem?
Luc. 4:1. «Guiado pelo mesmo Espírito, no deserto.» F, A e R têm «ao
deserto.»
Luc. 4:44. «E pregava nas sinagogas da Judeia.» Esta tradução tem o apoio
de muitos antigos manuscritos, suficiente, diz Scrivener, para comprovar
qualquer coisa não inteiramente impossível. Mas o lugar deve ser Galileia, de
acordo com Marc. 1:39 e com todo o contexto do versículo (S-2 304). Souter põe
Galileia no seu texto grego.
Lucas 5:15. «Porém, o que se dizia a seu respeito cada vez mais se
divulgava.» Que linguagem insípida! Muito melhor como em Almeida: «Porém a sua
fama se propagava ainda mais.»
Lucas 5:39. «O velho é excelente.» Devemos ler como em A «Melhor é o
velho», que, segundo diz Burgon, tem o apoio de 16 unciais, todos os cursivos e
todas as Versões menos a Peschitta e a cóptica (R.R.110).
Luc. 6:1. Veja-se sob Notas Marginais.
Luc. 11:38. «O fariseu, porém, admirou-se ao ver que Jesus não se lavara
primeiro, antes de comer.» Aqui temos um defeito muito grave, que se encontra
em quase todas as traduções. Pode surpreender o leitor inexperiente saber que a
palavra traduzida «lavara» é realmente «baptizara», sendo assim traduzida por
Young e Pratt. Mas, desgraçadamente, os outros tradutores, tencionando melhorar
a expressão, introduziram um pensamento péssimo, e a insinuação deplorável que
o fariseu não podia deixar de notar com Jesus uma falta de asseio! Que
evidentemente não se lavara antes de comer! Tal lamentável sugestão não podia
aparecer se traduzissem fielmente «baptizara-se», pois o baptismo na Bíblia não
é um meio para conseguir o asseio, mas um ritual religioso, e nesse caso aqui
(como em João 2:6) era praticado ao entrar no banquete.
Podemos entender que num país civilizado como era a Terra Santa, os
convidados a qualquer festa ou jantar haviam de lavar caprichosamente todo o
corpo antes de vestir a sua roupa de gala, e ir ao banquete. Porém, além de
tudo isto, ao entrar na casa praticavam um pequeno ritual religioso, chamado
aqui um baptismo (que certamente não era um mergulho), e a falta desse ritual
da parte de Jesus foi o que o fariseu observou. Mas tudo isto se perde quando
os tradutores trocam a palavra baptizar por lavar.
De passagem podemos notar que em outra ocasião alguns dos discípulos
comiam pão sem lavar as mãos (Marc. 7:2), porém então não foi na ocasião de um
banquete. E não era nada de estranhar, quando lembramos que eram pescadores.
Mas nesse versículo, notemos bem, não se fala em baptizar as mãos - nem nunca,
em toda a Bíblia. Um baptismo na Bíblia é sempre uma cerimónia religiosa, e não
um ato de limpeza.
Luc. 22:22. «Mas ai daquele por (intermédio de) quem ele está sendo
traído.» Tirar as palavras entre ( ).
João 1:9 Prefiro VB3: «pois a luz verdadeira que alumia a todo homem havia
chegado ao mundo.»
João l:13. Podemos ler «aos que crêem no nome daquele que nasceu, não de
sangue, nem de desejo carnal, mas de Deus» (O. 151 ).
João 1:18. VB2 tem «o unigénito Deus», sem qualquer nota dizendo que a
maioria dos mss. lêem «o unigénito Filho». As autoridades que apoiam a palavra
«Deus» são apenas 4 unciais (contra 15 que têm Filho) um dos cursivos (O 33)
contra todos os outros - centenas deles - vários dos Santos Padres, e poucas
Versões.
João 1:42. «Simão, o filho de João» deve ser «filho de Jonas», como em A,
F, etc. Isto é comprovado por quase a totalidade dos mss. salvo unicamente B,
Aleph e L, e o cursivo 33. Também é comprovado por sete versões, por 7 dos
Santos Padres, e pelo testemunho positivo de Mat. 16:17. Apesar de tudo isto
(por suposto porque está no grego de Nestle) «filho de João» aparece em VB2 sem
nenhuma nota para deixar o leitor saber que esse texto tem fraquíssimo apoio!
(R.R. 18, T.T. 86).
João 3:13. Veja-se sob o título Notas Marginais.
João 3:36 agora tem: «o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho»,
mas isso é paráfrase e não tradução. Almeida traduz ao pé da letra «o que não
crê no Filho».
João 7:37,38. Quando uma tradução não dá sentido, ou não combina com o
contexto (perto ou remoto), convém investigar o caso e ver se tem qualquer
remédio. Este trecho, como geralmente traduzido, declara uma cousa que a
experiência não confirma (que rios de água viva - de ministério no poder do
Espírito - manarão de cada crente) e não combina com o contexto, pois o assunto
em discussão não é «Preparação para o ministério cristão», mas «Saciedade para
os sedentos».
O assunto é amplamente estudado na Biblioteca Evangélica, Livro Segundo,
p. 131. Aqui vou apenas apontar a nova tradução proposta pelo Dr. Bullinger,
que tira todas as dificuldades e dá um sentido inteligível. É a seguinte: «Se
alguém tem sede, venha a Mim; e beba, quem crê em Mim! Como a Escritura tem
dito [de Mim], dele manarão rios de água viva.» Nenhuma escritura do V. T. diz
que rios de água viva manarão do íntimo de cada crente, mas, sim, de Cristo
(Sal. 87:7; 46:4; Isa. 12:3 etc.).
A interpretação que João dá no v. 39 às palavras de Jesus é que os rios de
água viva manando de Cristo, provaram-se plenamente na descida do Espírito
Santo, no dia de Pentecostes.
(João 4:14 também fala de como Cristo satisfaz a sede espiritual do
crente, e de como esse sente no seu íntimo, se não «rios», ao menos uma fonte
de água espiritual que salta para a vida eterna).
João 14:6. Veja-se a referência a este versículo sobre o título
«Hendíadis».
João 16:16. Faltam ao fim do versículo (na VB2) as palavras «porque vou
para o Pai», que se encontram em quase todos os unciais, em todos os conhecidos
cursivos, e em todas as Versões (C.C. 105), mas na VB2 nem uma nota ao pé da
página para justificar a omissão! A e R têm as palavras. VB3 omite-as.
João 19:14. Convém ler «hora terceira» como em Marcos 15:25. (O. 6).
Actos 2:44. «Todos os que creram tinham juntas todas as cousas que lhes
eram comuns.» Que tradução esquisita! Prefiro A, F, R, VB3 ou qualquer outra
versão.
Actos 4:25. «Que disseste por intermédio do Espirito Santo.» Prefiro A, F,
R ou VB3.
Actos 14:23. Em vez de «E promovendo-lhes em cada igreja a eleição de
presbíteros», que não traduz correctamente o grego, podemos preferir «E
tendo-lhe apontado em, cada igreja anciãos.»
Actos 14:26. Em vez de «onde» podemos ler «donde», com A, F, VB, VB3, etc.
Actos 20:28. «Vos constituiu bispos.» Notemos que a palavra bispo deve ser
banida das nossas Bíblias por dar um sentido inteiramente erróneo. Deve ser «superintendentes»
(Veja-se sob Palavras Eclesiásticas).
Rom. 3:20. Em vez de «em razão de que pela lei ...» convém ler «porque
pela lei» com F, A, VB, etc.
Rom. 4:7. Em vez de «iniquidades» devemos ler «insubordinações» (anomia).
Veja-se sob Certas Palavras.
Rom. 5:1. «Tenhamos paz com Deus.» Muitos mss. concordam com isto, por
isso pode passar, embora «temos paz» parece mais de acordo com o argumento. Diz
Scrivener: «Quanto mais estudamos o contexto , mais claramente parece ser
inferência e não exortação aqui» (S. 2. 379). VB3 em uma nota ao pé da página
têm: «Ou 'tenhamos', segundo alguns manuscritos antigos». Este ponto é bem
investigado por Herculano Gouvêa em «Biblos» vol. 4, número 1, e ele opta por
temos.
1 Cor. 7:36-40. Chegamos aqui a um dos trechos mais problemáticos do N.T.
e onde é necessário prestar toda a atenção ao contexto. Qual é o assunto em
discussão? Vemos imediatamente que todo o argumento se ocupa com o homem crente
e seu controle sobre a própria vida sexual.
Duas palavras parecem complicar o estudo : parthenos, «virgem», e gamizo,
«dar em matrimonio». A maneira em que o trecho é geralmente traduzido é
desastrosa, com uma infeliz «filha» (que não aparece no grego) arrastada para o
meio da discussão; e com seu casamento adiado indefinitivamente até o pai
sentir em si alguma necessidade de dar a filha em casamento com o jovem; que,
por suposto, espera (com a possível paciência) até o velho resolver o caso!
Conheci no remoto interior um crente analfabeto com quatro ou cinco filhas, que
não sentiu a necessidade de dar nenhuma delas em casamento .....
Toda a dificuldade desaparece se entendemos que a palavra parthenos
(virgem) é empregada aqui no sentido de parthenia (virgindade). Então tudo é
fácil de compreender, e combina com o contexto. Reconhecemos imediatamente o
homem no v. 37: «que está firme no seu coração (resolvido a conservar a sua
castidade) não tendo necessidade (de relações sexuais) mas com poder sobre a
própria vontade - esse resolve no seu coração guardar a sua virgindade, ficando
solteiro.» Mas traduzir parthenos por «filha virgem» atrapalha o argumento, e
pode ter consequências desastrosas.
A tradução virgindade, aprovada por J. N. Darby, F. W. Grant, W. Kelly, e
outros expositores de nomeada (Veja-se Biblioteca Evangélica, Livro 6, pág.
131).
Nosso espaço está se esgotando, apesar de termos já passado por alto outro
tanto de emendas sem chamar atenção para elas. E nossa investigação de cada
caso tem sido muito resumida, somente por falta de espaço. É possível que
voltemos ao assunto em alguma ocasião futura, no caso de os leitores o
desejarem.
Conclusão:
Naturalmente perguntar-me-ão: Qual é a conclusão a que chega após este
ligeiro e muito incompleto estudo da Novo Testamento VB2? Esta devo expressar
na frase repetida já com uma monotonia quase demasiada: «Prefiro Almeida!
Prefiro Almeida!» Ao meu ver seria um desastre se esta nova versão tomasse o
lugar do Testamento conhecido e aprovado em todo o Brasil, e usado em quase
todas as igrejas. Porém não sou pessoa erudita, e o meu parecer pode ser
erróneo, por isso convido a qualquer apologista da nova versão a apontar dez ou
vinte casos onde a VB2 é notavelmente superior a Almeida - casos de importância
suficiente para justificar o considerável dispêndio de tempo e dinheiro em
produzi-la. A esses vinte casos terei prazer em dar a mesma publicidade que dou
a este artigo.
Se me perguntam qual seja o maior defeito da VB2 direi a falta do itálico
- ou seu equivalente entre [ ] - porque o leitor merece ter a possibilidade de
saber quais são palavras traduzidas do original e quais as outras acrescentadas
pelos editores.
Não julgo ser Almeida uma tradução perfeita. Durante muitos anos tenho
notado seus defeitos, porém a pena é que quase todos eles se reproduzem na VB2.
A «virgem» de 1 Cor. 7:36,37 continua sendo uma «filha virgem» em VB2, quando a
única tradução que combina com o contexto é virgindade. Ainda temos todos os
crentes (e não Cristo) fluindo rios de água viva, em João 7:38. Ainda temos
baptismous traduzida «lavagem» em Marc. 7:4. Ainda temos a péssima insinuação
que Jesus foi sujo a um jantar, em Luc. l1:38. Estes (e outros) eram defeitos
que convinha corrigir, mas das inúmeras alterações em quase todas as páginas
havemos de dizer que não eram necessárias, ou que são pioramentos.
Este estudo devia ter sido feito por um erudito, profundamente versado no
grego, mestre da critica textual, conhecedor das muitas versões feitas em
diversos idiomas; mas na falta de tudo isto, é de esperar que o artigo seja de
alguma utilidade para os crentes estudiosos que anelam possuir a tradução mais
perfeita das Sagradas Escrituras.
Ao fim de um panfleto apresentando a versão VB2 encontramos a seguinte
«NOTA : - A Comissão Revisora solicita e acolherá, com prazer, as observações,
criticas e sugestões que permitam, para o futuro, o aperfeiçoamento dos
trabalhos já realizados.»
Porém, por minha parte, apesar do convite que essa nota contém, não sinto
prazer algum em comentar desfavoravelmente um trabalho que representa um
prolongado e penoso esforço. Um trabalho do qual o público evangélico esperava
muito proveito. Foi por reconhecer a possibilidade de a tarefa não ser, afinal
consumada com êxito, que desde o principio fiz o possível. para cooperar, e
evitar pioramentos. Adverti, apontei possibilidades, ofereci a consulta de
livros que, ao que parece, encontram-se somente na minha casa, chamei atenção
para os problemas críticos em que os tradutores costumam tropeçar, mandei à
comissão revisora 46 folhas de apontamentos somente sobre os Evangelhos. Fiz
todo o possível para evitar a necessidade de escrever o presente artigo. É pena
que não deram mais atenção às minhas advertências. Se dois membros responsáveis
da comissão revisora tivessem passado quatro ou cinco dias aqui em Teresópolis,
teríamos podido examinar calmamente todo o testemunho pró e contra no caso de
uma porção de pontos problemáticos, e assim ter evitado os maiores defeitos da
VB2.
Resta agora para o público evangélico resolver qual, de todas as versões
conhecidas do Novo Testamento na língua portuguesa, seja a mais aprovada, a
mais útil para divulgar as verdades do Cristianismo.
S. E . McNair
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NOTA:
Stuart E. McNair, contemporâneo de John Nelson Darby com quem aprendeu as
sagradas letras, Evan Roberts com quem orou e percebeu que deveria ir para
Coimbra em 1907, Henry Maxwell Wright e Charles H. Mackintosh que com ele orou
aquando da sua ida para o Brasil. Esteve primeiro 5 anos em casa de Ricardo e
Catarina Holden em Lisboa e 3 anos em Coimbra a evangelizar os estudantes e
arredores, chegando a ter uma casinha alugada em Aveiro. Privou ainda com
George Howes e José I. Freire.
No Brasil organizou escolas bíblicas nocturnas, ministrou aulas de música,
fez o nosso hinário Hinos e Cânticos, montou uma tipografia e fundou uma casa
Editora, publicou o Boletim Evangélico, um Dicionário Bíblico, um Comentário
Bíblico ("A Bíblia Explicada"), era erudito nas línguas Hebraica e
Grega e ainda fundou cerca de 400 assembleias.
Stuart Mc Nair, que há cerca de 50 anos bem alertou para o perigo e o
desastre destas novas versões tomarem o lugar da Bíblia aprovada não só no
Brasil inteiro mas em todo o Portugal e usada em quase todas as igrejas não
seria propriamente um ignorante ou leviano, não nos parece?
copiado de
http://www.iqc.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=560:biblia-brasileira-por-stuart-mcnair&catid=51&Itemid=76,
em 19.out.2015.
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em http://BibliaLTT.org, com ou sem notas.
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.