Francisco Nunes
Posted in February 5th, 2013
Pretendo
escrever alguns pequenos artigos sobre o assunto. Neste primeiro, vou enfocar
apenas o que chamo de aspectos editoriais, falando do produto em si e da
apresentação que faz de si mesmo. Em outro(s), comentarei sobre a tradução
propriamente dita e, por fim, tratarei das notas e comentários.
Comprei
a versão simples da BK (vou chamá-la apenas assim inicialmente; logo explico a
razão); há outra bonitona, com capa de couro. Ela traz uma “luva”, uma tira de
papel couchê impressa em sua volta. Na frente da luva, lê-se: BKJ, em
letras bem grandes; abaixo, em letras bem menores: Bíblia King James
Atualizada. E aí começam os problemas.
As
siglas adotadas em português para as versões da Bíblia costumam informar de
modo claro a tradução que trazem. Assim, a Almeida Revista e Atualizada é
identificada por RA ou ARA; a Almeida Revista Corrigida é ARC; a Almeida
Corrigida e Fiel é ACF; a tradução publicada pela Juerp é a IBB-Rev (Imprensa
Bíblica Brasileira, Revisada). Até as Bíblias modernas seguem este preceito:
NVI é a Nova Versão Internacional; a NTLH é a Nova Tradução na Linguagem de
Hoje. A BK em questão, não: ela usa a sigla da Bíblia King James
internacionalmente conhecida pelos leitores da Bíblia, dando a impressão de que
se trata da King James original, de 1611; no entanto, logo abaixo revela ser,
na verdade, uma versão atualizada. Seria isso intencional para enganar
os leitores? É difícil crer diferente, já que, ao tirar a luva, na capa da
Bíblia está apenas BKJ e apenas na lombada aparece a indicação de ser
atualizada. A meu ver isso é, para dizer o mínimo, um descuido.
Mas
vamos supor que tenha sido uma escolha editorial; que o grupo que produziu esta
versão optou por identificá-la como BKJ, mesmo não sendo ela a BKJ. Será que
isso se sustenta? Vamos prosseguir.
Na
parte de trás da luva há o título: O livro que mudou o mundo. A quem
isso se refere? Pela parte da frente, à BKJ. No entanto, esta não é a BKJ, mas
sua versão atualizada, criada agora (lançada em setembro do ano passado).
Portanto, ela não poderia ter mudado o mundo. Deduz-se, então, que essa
apresentação se refere à KJ (também conhecida como AV, Authorized Version). No
entanto, ao prosseguir na leitura, vê-se que não é isso.
O
texto curto inicia defendendo que as descobertas arqueológicas proporcionam
hoje “a restauração do Texto Bíblico” (sic). Deixando de lado o uso errado de
maiúsculas, analisemos a frase. Ela indica que, agora, sim, temos o texto
bíblico, implicitando a ideia de ele ser o original, o legítimo, o verdadeiro.
No entanto, a próxima frase diz que “hoje, como nunca antes, a Igreja de Jesus
Cristo tem em sua mão manuscritos [...] maravilhosamente próximos dos
Autógrafos” (sic). Mais uma vez, sem considerar o uso errado da maiúscula, vamos
considerar a frase. Ela diz textualmente que hoje, como nunca antes, a Igreja
tem um texto quase como os originais. O que isso significa e/ou implica?
Em
primeiro lugar, como mostrei, uma contradição com a frase anterior. Ou o texto
bíblico foi restaurado ou se tem algo próximo a ele.
Em
segundo lugar, implicita que, até agora, a Igreja tinha algo distante dos
autógrafos (manuscritos originais). Implicita que só agora os cristãos têm um
texto digno de confiança. Isso ignora todas as traduções anteriores, baseadas
no TR (Texto Recebido ou Textus Receptus), pelas quais Deus fez todos os
grandes avivamentos da história, mudou a história de países, cidades, pessoas;
levantou, capacitou, encorajou e sustentou os maiores pregadores e evangelistas
da história? Então, o que os cristãos tiveram em mãos por quase cinco séculos?
Não era a Palavra de Deus?
Prossigamos.
O
próximo parágrafo, com erros de redação (como uso desnecessário e inconstante
de aspas e de ponto-e-vírgula), traz, mais uma vez, críticas – agora mais
claras e diretas – à própria King James e a traduções baseadas no TR
(Reina-Valera e João Ferreira de Almeida). O texto cita “discrepâncias” e
“erros (sic) textuais importantes” nessas traduções, os quais a “Bíblia King
James procura corrigir”. Isso é assustador, não? Durante séculos, os mais
piedosos cristãos, os mais fervorosos filhos de Deus, os mais úteis escravos de
Cristo usaram Bíblias com discrepâncias em relação ao texto original, com erros
sérios. É possível acreditar nisso?
Percebam
que isso traz implícita a ideia de que Deus foi incapaz de preservar Sua
Palavra ao longo dos séculos, que Ele não zelou nem velou por Sua Palavra como
afirma que o faria (Jr 1.12). E, talvez pior que isso, é que Ele permitiu que
Seu povo, durante séculos, mesmo durante os períodos de avivamento, de devoção,
de piedade, dos puritanos, das grandes missões, da salvação de multidões,
estivesse enganado, usando uma Bíblia com erros sérios e discrepâncias em
relação aos originais. Pode-se aceitar tal insinuação a respeito de Deus?
Ainda
há mais.
O
próximo parágrafo diz que esta edição atualizada comemora os 400 anos da
primeira edição da KJ. Estranha comemoração… Quando são comemorados, por
exemplo, os 50 anos do lançamento de uma obra (filme, livro, por exemplo), ela
é relançada com nova capa, nova diagramação, com comentários, com cartas do
autor, com cenas deletadas, com som remasterizado, com trecho inédito
posteriormente descoberto… mas a obra é a mesma! Isso é homenagem. Agora, dizer
que a obra original não era tão boa, que tinha discrepâncias e erros sérios e
chamar isso de homenagem…? Parece-me, sim, antes um desrespeito.
Mas
a coisa não termina aí.
Mais
abaixo há um comercial. Claro, afinal trata-se, em primeiro lugar, de um
produto, uma mercadoria que precisa ser vendida. O título do “reclame” é Conheça
mais sobre a BKJ. E, nesse momento, a confusão já está armada: a que Bíblia
exatamente isso se refere? Como vimos, até agora BKJ tem sido usada para
identificar esta versão em português. Então, é de se supor que o anúncio se
refira a ela também. Certo? Errado.
O
primeiro produto indicado é um livro chamado A Bíblia King James. A
dúvida continua: a qual Bíblia isso se refere? A chamada abaixo é ainda mais
confusa: Uma breve história da Tyndale até hoje. Quem é “a Tyndale”? Por
que o título fala da King James e a chamada, da Tyndale?
Ao
lado, há um DVD chamado BKJ, com a chamada O livro que mudou o mundo
– Bíblia King James. De novo, a confusão. BKJ é a sigla usada para essa
versão em português, mas o filme se refere à King James de 1611. O leitor
desavisado ou sem conhecimento desses fatos pode ser levado a supor que vai
encontrar aí material referente ao livro que tem em mãos, quando, na verdade,
diz respeito à tradução que tem erros sérios e discrepâncias (segundo os
autores do anúncio).
A
parte que me parece cômica (na falta de outro adjetivo), é o final da luva, que
indica que a distribuição desta Bíblia é feita pela BVFilms. Uma distribuidora
de filmes responsável por distribuir a pretensa melhor tradução da Bíblia até
agora? Faz algum sentido? (Ah, sim, é apenas comércio, produto, mercadoria…)
E
não é só cômico. É preocupante. Eu tenho livros traduzidos e publicados e DVDs
legendados pela BV, e o trabalho de tradução/preparação/revisão é péssimo. Só
dois pequenos exemplos: num DVD, uma música diz que Jesus tomou a xícara na
última ceia. Em outra, Rock of ages (Rocha eterna ou Rocha das eras, um
hino tradicional) é traduzido por… idade da pedra! Acredite se quiser! E como
estes há centenas de erros similares nos livros e DVDs. Eu escrevi à BVFilmes
reclamando de ter comprado o DVD com esses erros inadmissíveis. A resposta:
isso não é um produto com defeito. (!) Se o produto é uma tradução/versão, e
esta é mal feita, como não caracterizar como produto com defeito?
É
de causar apreensão que um trabalho de tamanha envergadura (e pretensão)
esteja, de algum modo, nas mãos de um grupo tão descuidado com o uso do
vernáculo – e uma tradução é, antes de tudo, trato com a língua. Pelos erros de
redação observados até aqui, e por minha experiência com a BV, já antevia o que
haveria de encontrar. E foi pior do que eu imaginava.
Agora,
abrindo a Bíblia.
Na
folha de rosto, lê-se: Tradução King James Atualizada (KJA). Opa! De
onde saiu essa sigla? Não era, até agora, BKJ? Por que mudaram? Ou será que
sempre tiveram consciência de que não era a BKJ, mas, sim, a KJA? Será que foi
um descuido do copista ter colocado BKJ em letras garrafais e douradas na capa?
Será que o editor/produtor editorial não viu isso? Ou será uma tática
intencional de induzir o leitor a comprar gato por lebre?
Virando
mais uma página, outro título: Antigo e Novo Testamentos Bíblia Sagrada King
James Edição de estudo – 400 anos. Puxa, sumiu de novo a informação de que
é uma versão atualizada, não a King James legítima.
Virando
outra página, há um erro editorial feio e grave. A página de créditos (aquela
em que se diz quem faz o quê na obra) está à direita, e deveria estar à
esquerda. E no verso da página de créditos está um fac-símile da página de
apresentação da King James de 1611. Isso deveria estar no lugar agora ocupado
pela página de créditos. E, observe, mais uma vez há uma sutil insinuação de
que as duas são a mesma obra.
A
seguir, há uma apresentação escrita por Carlos Alberto de Quadro Bezerra. A meu
ver, o fato dele ser o autor desse texto é mera jogada comercial. Afinal, no
que diz respeito à erudição bíblica, à pesquisa exegética, ao manuseio das
línguas originais, qual é a contribuição desse irmão? Nenhuma. Não o estou
avaliando quanto a qualquer outro aspecto, apenas no tocante à erudição
bíblica. E o conteúdo de seu texto em nada condiz com a pretensa seriedade da
publicação.
No
primeiro parágrafo ele diz que, agora, o “povo de língua portuguesa passa a
contar com o texto integral da Bíblia King James”, o que é mentira, pois a KJA
não é a KJ e tem menos versículos que ela; portanto, não é o texto integral.
No
parágrafo seguinte há um erro doutrinário grave. Referindo-se a este
lançamento, escreve o autor (citação textual): “Trata-se de um momento
singular. Afinal, não estamos falando apenas do mais importante Livro de todos,
mas da própria Palavra de Deus, o testemunho…”. Ele faz uma distinção entre o
Livro e a própria Palavra de Deus! O mas, conjunção adversativa, indica
que, apesar do primeiro, acontece o segundo. Por exemplo: “João jogou mal, mas
ainda assim fez um gol. Eu estudei muito, mas não consegui chegar a tempo na
prova.” A frase citada, caso quisesse revelar a fé em que a Bíblia é a Palavra
de Deus, deveria ter sido redigida assim: “…o mais importante Livro de todos, a
própria Palavra de Deus…”. Parece preciosismo, mas uma conjunção adversativa
faz uma enorme diferença e induz ao erro!
Isso,
mais uma vez, sinaliza problemas de edição, de esmero editorial. Sem citar que
a tal apresentação é superficial, pois não cita os critérios utilizados na
tradução, a relação real com a KJ, explicação sobre uso de versal-versalete, do
nome Yahweh.
Depois,
há um prefácio, escrito por Lisãnias Moura. Há problemas de redação e um
parágrafo esquisito: “Quando lemos as Escrituras, podemos inicialmente nos
prender ao texto e daquele texto ouvir a voz de Deus. Ao mesmo tempo, podemos
estudar todo o contexto daquilo que estamos lendo e, neste caso, é de extrema
valia consultarmos outras traduções, versões, comentário e demais recursos.”
Segundo este autor, só podemos ouvir a voz de Deus lendo um texto (o que seria
isso? Um versículo? Um capítulo? Poucos versículos?). Se lermos o contexto,
então, não a ouvimos mais. O contexto só pode ser estudado, não serve para
ouvir a voz de Deus. É possível crer nisso?
O
pior ainda está por vir. O próximo texto, chamado Reconhecimentos, de
autoria de Oswaldo Paião, é muito mais uma biografia do autor do que
reconhecimento do trabalho de outrem. Além de problemas sérios de redação (erro
de concordância de número e de gênero, erro de pontuação, frases ambíguas…, o
que aumenta meu temor em relação ao que se pode encontrar na Bíblia
propriamente dita), há menções a pessoas que me causam espécie. O autor cita
seu trabalho com a NVI (o que indica sua concordância com o tipo de tradução
nela usado), menciona Ricardo Gondim (pastor que já há algum tempo tem ensinos
que afrontam a soberania e a onisciência de Deus), Ed René Kivitz (defensor da
pós-modernidade da igreja e que se identifica com os ensinamentos de Gondim);
menciona a “enorme contribuição [...] à obra da KJA” de Caio Fábio (que ensina
que a Bíblia não é o único nem o melhor livro de Deus). Será que esse autor não
sabe das heresias ensinadas pelos homens que ele cita? Se sabe, concorda com
elas? Se não sabe, não há um autor, um dos renomados teólogos que fizeram a KJA
que o alertasse sobre isso? Ou um editor temente a Deus que glosasse o texto
para evitar esses pontos controversos?
Pouco
adiante no texto, finalmente é explicado (em lugar errado, pois isso não
deveria estar nos agradecimentos, mas na apresentação) superficialmente como
foi feita a tradução. Em suma: o Textus Receptus (não sei porque razão colocado
entre aspas) foi uma das fontes usadas, ao lado dos chamados textos críticos.
De modo resumido, os textos críticos surgiram a partir do final do séc. 18,
quando a Bíblia começou a ser estudada como outro texto de literatura qualquer,
sendo questionadas sua inspiração literal, sua inerrância, sua preservação.
Segundo alguns autores, o texto crítico cortou da Bíblia a quantidade de
versículos correspondente a uma das epístolas de Pedro.
E
o texto explica ainda que não é uma tradução da New King James Bible e,
finalmente! sua ligação com a KJ: “A KJA é uma tradução dos mais antigos e
fiéis manuscritos nas línguas originais (hebraico, aramaico e grego),
preservando o estilo clássico, reverente e majestoso da Bíblia King James de
1611.” Impressionante! Então, a KJ, nem a NKJ, não é tradução de manuscritos
fiéis? E como mantém o estilo de outro livro se não é tradução dele? Portanto,
a ligação com a KJ é apenas subjetiva, de estilo (sabe-se lá o que isso significa)
…
Há
outros detalhes nesse texto que ainda poderiam ser comentados, mas são de menor
importância.
“Nossos
comerciais, por favor!”
Sim,
há mais comerciais na Bíblia. Sim, não fora dela, não na luva, não na
embalagem, mas na Bíblia mesmo. E comerciais ecumênicos, procurando agradar a
bárbaros e citas, judeus e gentios, gregos e troianos, hereges e ortodoxos. São
frases de elogio/recomendação à KJA de, por exemplo, Marco Feliciano (pastor
que estará com o mega-herege Benny Hinn num evento em São Paulo,
que xinga quem não concorda com seus ensinamentos),
Éber Cocarelli, da assim chamada igreja internacional da graça, de R.R. Soares,
pregador da teologia da prosperidade, da bênção em troca de dinheiro; do já
citado Carlos Bezerra e de Ana Paula Valadão (que faz um comentário vazio,
superficial, 100% comercial; não é preciso lembrar os ensinamentos dela sobre guerra
espiritual, sobre unção do leão, sobre bota
de couro de píton…).
Fico
aqui em minha primeira e rápida consideração sobre a KJA. O que concluo até
aqui? Do ponto de vista editorial, é um produto descuidado, mal produzido, com
clara intenção meramente comercial e ecumênica e propositadamente concebido
para ser tomado por uma legítima tradução da KJV.
Portanto,
aos que a adquiriram e pretendem usar, cuidado!
Que
o Senhor guarde nossos pés de tropeçar até Sua volta!
Em
breve, voltarei ao assunto.
Francisco Nunes
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em BibliaLTT.org, com ou sem notas).
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo
link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
(retorne a
http://solascriptura-tt.org/ Bibliologia-Traducoes/
retorne a http:// solascriptura-tt.org/ )
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.