por Tomas Ice
Há algum tempo ministrei um curso sobre Escatologia (profecia bíblica) no
Chafer Theological Seminary (Seminário Teológico Chafer, na cidade de Orange,
California/EUA). Como o preterista* Ken Gentry mora perto do Seminário Chafer,
eu o convidei a vir para falar à classe. Apesar do Seminário Chafer ser uma
escola dispensacionalista, achei que seria saudável expor os alunos a uma
posição oposta aos nossos pontos de vista, através da visita do Dr. Gentry. O
Dr. Gentry foi bastante cortês em vir e nos dar uma apresentação de sua visão
preterista do livro de Apocalipse.
Durante um tempo de perguntas, indaguei-lhe sobre a relação
entre Zacarias 12-14 e o preterismo. Primeiro lhe perguntei se, como
preterista, ele acreditava que Zacarias 12-14 era uma passagem paralela ao “Sermão
Profético” de Jesus (Mt 24-25; Mc 13; Lc 21.5-36). Ele disse que concordava.
Observei, então, que Zacarias fala de ”todos os povos” (Zc
12.2), ”e juntar-se-á contra ela (Jerusalém) todo
o povo da terra” (Zc 12.3), e ”eu ajuntarei todas
as nações para a peleja contra Jerusalém” (Zc 14.2). Argumentei
que esses versículos não pareciam estar falando dos romanos em 70 d.C. Mais
adiante, Zacarias continua dizendo: ”Naquele dia o Senhor protegerá os
habitantes de Jerusalém” (Zc 12.8) e: ”Então sairá o Senhor e
pelejará contra as nações, como pelejou no dia da batalha” (Zc 14.3). Concluí
que tudo isso não se encaixa com o que aconteceu a Jerusalém em 70 d.C., quando
os romanos conquistaram Israel. Finalmente, a passagem diz que o Senhor salvará
Israel naquele dia (Zc 14.3), ao passo que, em 70 d.C., o Senhor julgou Israel
como está escrito em Lucas 21.20-24. Perguntei ao Dr. Gentry: “Como os
preteristas podem dizer que Zacarias fala de 70 d.C. se, nessa passagem, o
Senhor está salvando o Seu povo?”
É importante lembrar que o Dr. Gentry é um dos mais importantes
preteristas do planeta. Sua resposta, em resumo, foi dizer que a Igreja havia
substituído Israel. Isso é parecido com o que o falecido David Chilton disse em
seu comentário preterista sobre o Apocalipse:
Outra passagem paralela a essa é Zacarias 12, que retrata
Jerusalém como um cálice de tontear para todos os povos (Zc 12.2; cf. Ap
14.8-9), um braseiro ardente que consumirá os pagãos (Zc 12.6; Ap 15.2). A
ironia é que no Apocalipse, como temos visto repetidamente, o próprio Israel do
primeiro século tomou o lugar das nações pagãs nas profecias, sendo consumido
no braseiro ardente – o Lago de Fogo – enquanto a Igreja, tendo passado
pelo holocausto, herda a salvação.[1]
Falei ao Dr. Gentry que sua resposta não passava de “divagação
teológica”. Ele havia chegado a uma mera conclusão teológica sobre o assunto,
mas tinha falhado em dar uma interpretação textual. Perguntei-lhe
objetivamente: “O senhor pode dar uma interpretação textual dessa passagem em
Zacarias?” Ele respondeu: “Não”.
Os preteristas não conseguem dar uma interpretação textual de
Zacarias 12-14 porque acreditam que a passagem se refere ao julgamento de Deus
sobre Israel através dos romanos em 70 d.C. – o que é seu primeiro erro. Greg
Beale diz: “Zacarias 12 não profetiza o julgamento de Israel e, sim, a sua
redenção”.[2] Zacarias 12-14 fala claramente de um tempo quando Israel será
salvo pelo Senhor de um ataque de ”todas as nações da terra”, não
somente dos romanos – e esse é o segundo erro. Nesse contexto, evidentemente,
“Israel” tem de ser uma referência a Israel (e não à Igreja). Como essa é a
verdade, o evento de Zacarias 12-14 ainda não aconteceu na História. Isso
significa que se trata de um evento futuro. O Dr. Beale faz um comentário sobre
Daniel que se aplica também a Zacarias:
O ônus da prova recai sobre os preteristas, para que forneçam um
raciocínio exegético, tanto no que diz respeito a trocarem uma nação pagã por Israel
como objeto principal do julgamento final de Daniel, como por limitarem o
julgamento final principalmente a Israel e não o aplicarem universalmente.[3]
Tanto os preteristas quanto os futuristas (como eu) acreditam
que em Lucas 21.20-24 Jesus profetizou a destruição de Jerusalém pelos romanos
em 70 d.C. Usando Lucas 21.20-24 como base, observe os contrastes entre essa
passagem e Zacarias 12-14, conforme observado por Randall Price:
Lucas 21.20-24:
Cumprimento passado: ”e para todas as nações serão
levados cativos”(Lc 21.24).
Dia da devastação de Jerusalém (Lc 21.20).
Dia de vingança contra Jerusalém (Lc 21.22).
Dia de ira contra o povo judeu (Lc 21.23).
Jerusalém pisada por gentios (Lc 21.24).
Tempo de domínio dos gentios sobre Jerusalém (Lc 21.24).
Grande aflição na terra (Lc 21.23).
Israel cairá a fio da espada (Lc 21.24).
Jerusalém destruída (70 d.C.) ”para se cumpram [no
futuro] todas as coisas que estão escritas” [em relação ao
povo judeu] (Lc 21.22).
A desolação de Jerusalém tem um limite de tempo: ”até
que os tempos dos gentios se completem” (Lc 21.24).Isso
significa que haverá um tempo de restauração para Jerusalém.
O Messias virá com poder e grande glória para ser visto pelo
povo judeu somente depois ”destas coisas” – os eventos de
Lucas 21.25-28 – que são posteriores [futuros] aos acontecimentos de Lucas
21.20-24.
Zacarias 12-14:
Cumprimento escatológico – ”naquele dia” (Zc
12.3,4,6,8,11; 13.1-12; 14.1,4,6-9).
Dia de livramento para Jerusalém (Zc 12.7-8).
Dia de vitória para Jerusalém (Zc 12.4-6).
Dia de ira contra as nações gentias (Zc 12.9; 14.3,12).
Jerusalém transformada por Deus (Zc 14.4-10).
Tempo de submissão dos gentios em Jerusalém (Zc 14.16-19).
Grande libertação para a terra (Zc 13.2).
As nações trarão suas riquezas para Jerusalém (Zc 14.14).
Jerusalém salva e redimida, para que tudo que está escrito [em
relação ao povo judeu] possa se cumprir (Zc 13.1-9; Rm 11.25-27).
O ataque a Jerusalém é a ocasião para a destruição final dos
inimigos de Israel, encerrando, assim, ”o tempo dos gentios” (Zc
14.2-3,11).
O Messias virá em grande poder e glória durante os eventos da
batalha (Zc 14.4-5).[4]
Em razão das diferenças apontadas entre as passagens, é
impossível harmonizar Zacarias 12-14 com eventos que já aconteceram. Trata-se
de uma tentativa que agride a lógica. Mas algumas das maiores sumidades do
preterismo continuam insistindo nesse absurdo.
O preterista Gary DeMar recentemente tentou uma interpretação de
Zacarias 14.[5] Como era de se esperar, ele disse que Zacarias 14 “descreve
eventos que antecedem a devastação e, inclusive, a própria destruição de
Jerusalém em 70 d.C.”[6] DeMar não consegue mostrar a destruição de Jerusalém
no texto de Zacarias. Ele interpretou a passagem de uma forma que eu chamaria
de abordagem temática. Ele “pulou” e “dançou” em torno da passagem,
desnudando-a do seu contexto. Pior ainda, ele a reembalou num falso contexto.
Analisando apenas Zacarias 14, DeMar falha em oferecer qualquer evidência de
que Deus está submetendo Israel ao juízo, como é claramente perceptível em
Lucas 21.20-24. Na verdade, Deus está julgando as nações, pois o texto diz: ”E
acontecerá naquele dia, que procurarei destruir todas as nações que vierem
contra Jerusalém” (Zc 12.9), e: ”Porque eu ajuntarei todas as
nações para a peleja contra Jerusalém... E o Senhor sairá, e pelejará contra
estas nações” (Zc 14.2-3). Ao contrário do que diz DeMar, Deus está
defendendo (Zc 12.8) e salvando (Zc 14.3) Israel dessas nações. Exatamente como
em Mateus 24, em nenhum lugar o texto fala do Senhor vindo em julgamento contra
o Seu povo. Tanto Zacarias quanto Mateus estão falando da salvação de Israel
(Mt 24.31), e é por isso que o cumprimento das profecias de ambas as passagens
será no futuro.
A única maneira que os preteristas encontram para lidar com
Zacarias 12-14 é não considerar as palavras e frases no seu contexto literário,
mas simplesmente declarar – como fizeram Chilton e Gentry – que a Igreja
substituiu Israel. O texto das Escrituras deve ser a base sobre a qual
desenvolvemos a sã teologia. Ao invés disso, os preteristas impõem suas crenças
teológicas falsas sobre a Palavra infalível de Deus. Walt Kaiser é muito feliz
ao fazer o seguinte comentário sobre o texto de Zacarias:
Em nenhum outro capítulo da Bíblia a interpretação de “Israel” é
mais importante do que em Zacarias 14. Dizer que “Israel” significa a “Igreja”,
como muitos têm feito, levaria a uma grande confusão nesse capítulo e no final
do capítulo 13. Por exemplo, Zacarias 13.8-9 afirma que dois terços de toda a
terra (Israel) morrerão, mas poucos se arriscam a dizer que dois terços da
Igreja sofrerão um massacre no dia final. É muito claro que “Israel” se refere
à unidade geopolítica atualmente conhecida como o Estado de Israel.[7]
A Palavra de Deus exorta Sua Igreja a viver na expectativa de um
futuro seguro e na certeza da vitória. Mantendo essa perspectiva, os crentes
podem viver confiantes no presente por causa do futuro. O passado é igualmente
importante. No entanto, uma falsa visão do passado roubará do crente, no
presente, a esperança de que precisamos para viver corajosamente para o nosso
Senhor. Maranata! (Thomas Ice -http://www.beth-shalom.com.br)
Notas:
David Chilton, The Days of Vengeance: An Exposition of
the Book of Revelation (Fort Worth: Dominion Press, 1987), pp. 385-86.
G.K. Beale, The Book of Revelation: A Commentary on the
Greek Text (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), p. 26.
Beale, Revelation, p. 45.
Randall Price, Charting the Future (San Marcos,
Tex.: gráficos com publicação privada), n.p.
Gary DeMar, Last Days Madness: Obsession of the Modern
Church (Atlanta, American Vision: 4th edition, 1999), pp. 437-43.
DeMar, Madness, p. 437
Walter C. Kaiser, The Communicator’s Commentary: Micah-Malachi (Dallas:
Word, 1992), p. 417.
* Os preteristas ensinam que a maior parte, ou até mesmo todas
as profecias já se cumpriram. Eles dizem que as principais porções proféticas
das Escrituras (como o Sermão Profético e o livro de Apocalipse) se cumpriram
nos eventos relacionados à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d. C.
Publicado anteriormente na revista
Notícias de Israel, Fevereiro de 2002.
Fonte: http://www.beth-shalom.com.br/artigos/preterismo.html
[Todos as referências bíblicas foram trocadas para Almeida Corrigida Fiel -
SBTB]
enviado por João Eduardo
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