D.M. Lloyd-Jones
Capítulo do livro "Pregação e Pregadores" -
Editora FIEL
Visando ao propósito de sermos satisfatoriamente práticos e
contemporâneos, nesta altura me convém levantar a questão se devemos envidar
qualquer esforço para condicionar a reunião e as pessoas, para que estas
recepcionem a nossa mensagem. É neste ponto que se encaixa a questão da música.
Afinal, o pregador é quem segura o leme do culto, e está dentro de sua alçada,
por conseguinte, controlar esse aspecto. Nos nossos dias, essa pode ser uma
questão extremamente penosa, e já conheci muitos ministros que se viram
envolvidos em grandes dificuldades por causa da questão de coros, de cântico
de hinos e talvez de quartetos. Sucede que há templos que contam com cantores
coristas ou solistas pagos, os quais talvez nem sejam membros da Igreja, e nem
mesmo se consideram crentes. Além disso, há o problema dos organistas. E,
passando a um tipo mais popular de música, em algumas congregações há
intermináveis cânticos de corinhos. E finalmente, em alguns países, existem
indivíduos cuja função especial consiste em conduzir os cânticos, esforçando-se
por fazer as pessoas entrarem na correta atitude e condição mental para
acolherem a mensagem que ouvirão.
Como poderíamos avaliar todas essas coisas? Qual deveria ser a nossa atitude
diante delas? Meu comentário inicial é que, uma vez mais, temos à frente algo
que cabe dentro da mesma categoria de algumas das coisas que já estivemos
considerando. Trata-se de algo que foi herdado da era vitoriana. Nada se faz
mais urgentemente necessário do que uma análise das inovações que surgiram
no campo da adoração religiosa durante o século XIX - o qual para mim, quanto
a esse particular, foi devastador. Quanto mais prontamente nos esquecermos do século
XIX e retrocedermos até ao século XVIII, e mesmo mais, até aos séculos XVII
e XVI, tanto melhor. O século XIX. com sua mentalidade e perspectiva, é o
responsável pela grande maioria de nossas dificuldades e problemas atuais. Foi
naquele tempo que se verificaram alterações fatais em tantos quadrantes,
conforme podemos averiguar. E ocupando posição mui proeminente, entre as
modificações que tiveram lugar, citamos a música em seus variegados estilos.
Com freqüência, e especialmente nas igrejas fora da tradição episcopal, as
congregações nem mesmo dispunham de órgão, antes daquela época Muitos dos
lideres evangélicos eram contrários ao uso do órgão. e procuravam justificar
sua atitude com o respaldo das Escrituras; e assim muitos deles eram contrários
ao cântico de qualquer coisa exceto dos salmos. Não vou avaliar as várias
interpretações contrárias das Escrituras pertinentes ao assunto, e nem
debater quanto à antigüidade do cântico de hinos; o que desejo frisar é que
se por um lado o cântico de hinos tornou-se muito popular nos últimos anos do
século XVII, e, mais particularmente. durante o século XVIII, por outro lado,
a nova ênfase emprestada à música, que ocorreu em cerca dos meados do século
passado, fazia parte daquela atitude de respeitabilidade, de
pseudo-intelectualismo, que já estive descrevendo.
Mais particularmente ainda, com freqüência se verifica uma ameaça bem real,
uma espécie de "tirania do organista". Isso se dá porque o organista
encontra-se numa posição em que ele ou ela pode exercer considerável
controle. Munido de um instrumento poderoso, o organista pode controlar o ritmo
em que um hino é entoado, e o efeito varia de um a outro extremo, se ele o toca
em ritmo apressado ou em ritmo lento. No ministério muitos pregadores têm tido
problemas com organistas difíceis e especialmente com o tipo que está muito
mais interessado pela música do que pela Verdade. Por conseguinte, o pastor
deve usar de muito critério ao nomear um organista, assegurando-se de antemão
que se trate de um verdadeiro crente. E se você tiver um coral em sua Igreja,
então deverá insistir sobre esse mesmo ponto, no tocante a cada membro. O
primeiro desiderato não é que os coristas tenham boa voz, e, sim, que possuam
caráter cristão, amem à Verdade e se deleitem em cantá-la. É desse modo que
podemos evitar a tirania do organista, bem como sua irmã gêmea, a tirania do
coral. No Pais de Gales, minha terra de origem, havia uma expressão usada com
freqüência. Aludia não tanto ao coral, mas ao cântico por parte da congregação.
Este era conhecido como "o demônio dos cânticos". O que isso queria
dizer é que essa prática causava mais querelas e cismas nas Igrejas do que
praticamente qualquer outra questão, e que os cânticos ofereciam ao diabo mais
freqüentes oportunidades de entravar e produzir roturas na obra do que qualquer
das outras atividades na vida da Igreja. Porém, independente disso, a música,
em suas variadas formas, faz surgir no horizonte o problema todo do elemento de
entretenimento, o qual consegue insinuar-se e pode levar as pessoas a virem ás
reuniões para ouvir música, e não com o propósito de adorar.
Meu argumento é que podemos estipular como regra bastante geral que quanto
maior for a atenção que se tenha dado a esse aspecto da adoração - a saber,
o tipo de edifício, o cerimonial, os cânticos, menor será a espiritualidade
provável; e disso só se pode esperar menor calor, entendimento e interesses
espirituais. Todavia, eu não estacaria aqui, mas faria uma pergunta, pois sinto
que é tempo de começarmos a fazer essa indagação. Conforme eu já dissera
noutra conexão, precisamos interromper determinados maus hábitos que têm
penetrado na vida das nossas Igrejas, transformando-se numa tirania. Já me
havia referido à forma fixa e preestabelecida, bem como às pessoas que se dispõem
a brincar com a Verdade e tentam modificá-la, mas que resistem a qualquer
tentativa de alteração na ordem do culto e nessa rígida forma
preestabelecida. Portanto, sugiro que é chegado o tempo de fazermos as
seguintes perguntas: Por que se faz necessária toda essa ênfase sobre a música?
Por que isso tem qualquer importância, afinal? Enfrentemos essa questão; e por
certo, quando fazemos assim, chegamos forçosamente à conclusão de que aquilo
que deveríamos buscar e ter como alvo é uma congregação de pessoas que
entoam juntas louvores a Deus; e que a verdadeira função de um órgão é
acompanhá-las. Compete-lhe servir de acompanhamento; e não de ditador. Nunca
deveríamos permitir-lhe ocupar tal posição. Sempre deve ser subserviente. Eu
diria mesmo que o pregador, de modo geral, deveria escolher tanto as melodias
quanto os hinos, porquanto às vezes verifica-se contradição entre as duas
coisas. Algumas melodias virtualmente contradizem a mensagem do hino, embora a métrica
seja correta. Por conseguinte, o pregador tem o direito de dirigir essas questões;
e não podemos desistir desse direito.
Talvez você não esteja disposto a concordar comigo quando sugiro que deveríamos
abolir de uma vez por todas os corais; mas por certo todos devem concordar que o
ideal seria que todas as pessoas elevassem suas vozes em louvor, adoração e
veneração, regozijando-se enquanto assim o fazem. Confio em que você também
concordará que as tentativas deliberadas para "condicionar" as
pessoas são decididamente prejudiciais. Espero poder tratar disso na próxima
seção, razão por que, por enquanto, contento-me em dizer que essa tentativa
de "condicionar" as pessoas, suavizando-as, por assim dizer, realmente
milita contra a verdadeira pregação do Evangelho. Não se trata de mera
imaginação ou teoria. Lembro-me de ter estado em mui famosa conferência
religiosa onde a rotina invariável, em cada reunião, e também no caso de cada
orador, era a seguinte. Pedia-se de cada orador que estivesse presente na
plataforma a certa hora. Então seguiam-se literalmente quarenta minutos de cânticos,
dirigidos por um artista, tudo salpicado com observações supostamente humorísticas,
pelo citado cavalheiro. Não havia qualquer leitura das Escrituras, havia uma
oração extremamente breve; e então ordenavam ao orador que falasse.
Esse é um exemplo do que quero dizer por elemento de entretenimento. Recordo-me
que havia um solo de órgão, um solo de xilofone, e em seguida um grupo vocal -
lembro-me até do nome deles - Os Cantores do Jubileu Eureca, os quais ficavam
mais ou menos simulando aquilo sobre o que cantavam. Tudo isso se prolongava por
quarenta minutos. Confesso que senti imensa dificuldade para pregar depois
disso. Também me senti compelido a modificar a minha mensagem, a fim de
enfrentar aquela situação com que me defrontava. Eu sentia que o
"programa", a forma fixa, dominava a situação, e que cada indivíduo
ali tornava-se parte integrante do entretenimento. Por essa razão é que temos
de ser tão cuidadosos. Portanto, eu diria como uma regra geral: Conserve a música
em seu devido lugar. Ela é uma criada, uma serva, e não lhe devemos permitir
que domine ou controle as coisas, em nenhum sentido.
Menciono uma outra questão que pode parecer trivial - a despeito do que algumas
pessoas lhe têm dado imensa atenção. É a questão se deveríamos manipular
as luzes do edifício em que estamos pregando, a fim de tomar mais eficaz a
pregação. Alguns lugares contam com lâmpadas de diferentes cores instaladas
em lugares estratégicos e, conforme o sermão vai prosseguindo, as luzes vão
sendo gradualmente apagadas, até que, no fim, em certo caso particular, sobre o
qual estou pensando, não há mais qualquer lâmpada acesa, exceto uma cruz
vermelha iluminada, suspensa por cima da cabeça do pregador. Tudo é apenas
condicionamento psicológico; mas tais práticas estão sendo justificadas em
termos de que elas facilitam a aceitação da Verdade por parte das pessoas.
Todavia, poderíamos deixar a questão nessa altura, dizendo simplesmente que a
questão que realmente se levanta aqui é o ponto de vista de alguém acerca da
obra e do poder do Espírito Santo. Quão difícil é fazer tudo isso adaptar-se
á Igreja do Novo Testamento e à sua adoração de natureza espiritual.
Porém, isso conduz, mui naturalmente, a uma outra questão importantíssima, a
qual envolve a pergunta se, no término dum sermão preparado segundo os moldes
que estamos considerando, o pregador deveria fazer apelos para que as pessoas se
decidissem ali mesmo. Várias expressões têm sido utilizadas, como "vir
á frente", "vir ao altar", "ritual do arrependido",
"assento dos ansiosos", etc., para descrever esse modo de proceder.
Esse é um assunto que nestes últimos anos tem ganhado considerável proeminência,
razão pela qual precisamos tratar do mesmo. Seja como for, trata-se de um
problema que todo pregador precisa arrostar. Eu mesmo por muitas vezes já tive
de enfrentá-lo. Algumas pessoas, em diversas ocasiões, ao encerrar-se alguma
reunião, têm-se aproximado de mim a fim de me chamarem a atenção,
passando-me ás vezes uma verdadeira reprimenda, porque eu não fizera um apelo
imediato para que as pessoas se decidissem. Algumas dessas pessoas chegam mesmo
ao extremo de afirmar que com isso eu cometo um pecado, que fora criada uma
oportunidade excelente pela minha própria pregação, mas eu não me
aproveitara da mesma. E então costumam dizer: "Tenho certeza de que se o
senhor ao menos tivesse feito um apelo, teria conseguido um grande número de
decisões" - ou algo similar a esse argumento.
Em adição a isso, certo número de ministros me tem dito, nos últimos dez
anos mais ou menos, que no fim do culto certas pessoas vêm dizer-lhes que eles
não pregaram o Evangelho, simplesmente por não terem feito um apelo. Isso lhes
havia acontecido tanto em cultos matinais como em cultos noturnos. E já havia
sucedido não somente durante cultos de evangelização, mas igualmente em
outras reuniões, cujo intuito não é primariamente evangelístico. Não
obstante, por não ter havido qualquer "apelo", haviam sido acusados
de não terem pregado o Evangelho. De certa feita conheci três homens, três
pastores, que virtualmente já tinham sido contratados para pastorear em
determinadas Igrejas, e que estavam a ponto de serem aceitos quando alguém, de
repente, lhes fizera a pergunta: Eles costumavam fazer um "apelo" no
fim de cada sermão? E posto que aqueles três homens em particular haviam
respondido na negativa, não foram aceitos, afinal, ficando cancelada a decisão
daquelas Igrejas. Isso se tem tomado problema dos mais incisivos, como resultado
de determinadas coisas que vêm acontecendo desde os fins da Segunda Guerra
Mundial.
Novamente, é importante que tenhamos os pensamentos claros acerca da história
dessa questão. A abordagem histórica será sempre proveitosa. Há muitos que não
parecem ter consciência do fato que tudo isso, à semelhança de muitas outras
coisas que penetraram na vida da Igreja, só o fizeram durante os últimos cem
anos. Esse costume foi introduzido bastante cedo no século passado, mais cedo
que outras coisas que tenho mencionado. Realmente foi introduzido por Charles G.
Finney na década de 1820. Foi ele quem deu início ao chamado "assento dos
ansiosos", aquela "nova medida" através da qual se apelava ás
pessoas que se decidissem no mesmo instante. Tudo fazia parte essencial de seu método,
abordagem e maneira de pensar; e naqueles dias a questão provocou muitas
controvérsias. Trata-se de controvérsia das mais importantes, além de ser
interessante e fascinante em extremo, Recomendo que os pregadores façam disso
matéria de leitura. Os dois maiores protagonistas desse debate foram W. H.
Nettleton e Finney. Nettleton foi um pregador muitíssimo usado em reuniões de
pregação. Viajava muito e era constantemente convidado a pregar nos templos de
outros ministros. Jamais efetuara um "apelo" para que as pessoas se
decidissem imediatamente, mas era grandemente usado, e numerosas pessoas se
convertiam sob seu ministério agregando-se às Igrejas locais. Seguia a
doutrina calvinista, e punha em prática as suas crenças nesse particular. Mas
então surgiu Finney em cena, com o seu apelo direto à vontade para que as
pessoas se decidissem ali mesmo. Isso provocou grande controvérsia entre os
dois pontos de vista, e muitos ministros se viram envoltos em imensas
dificuldades, entre os dois conceitos. Há uma fascinante narrativa sobre o episódio
na autobiografia do Dr. Lyman Beecher, pai do Dr. Henrv Ward Beecher. Ele fora
grande amigo de Nettleton, e, a princípio, pôs-se ao lado deste.
Eventualmente, entretanto, bandeou-se para a causa de Finney. O Dr. Charles
Hodge e outros dentre as grandes figuras de Princeton estiveram ativamente
engajados nessa discussão, como também J. W. Nevin, fundador da Teologia
Mercersberg.
Essa é a história da origem dessa prática, e importa que nos tornemos
informados da mesma. Não foi por acidente que tenha sido introduzida por Finney,
porquanto, em última análise, é uma questão teológica. Ao mesmo tempo, sem
embargo, não é somente uma questão teológica; e nunca nos deveríamos
esquecer que um arminiano como João Wesley, além de outros, jamais empregou
esse método.
É possível que a melhor maneira pela qual eu possa estimular outros a pensar,
conferindo-lhes alguma ajuda quanto a isso, é declarar francamente que não
tenho seguido essa prática em meu ministério. E permita-me dar-lhe alguns dos
motivos que me têm influenciado quanto a essa matéria. Não procurarei declará-los
em qualquer ordem sistemática e precisa, mas dou aqui uma ordem geral. O
primeiro motivo é que, sem dúvida, é um erro exercer pressão direta sobre a
vontade. Desejo esclarecer o que digo. O homem constitui-se de mente, afetos e
vontade: e meu argumento é que ninguém deve fazer pressão direta sobre a
vontade. Sempre deveríamos avizinhar-nos da vontade por intermédio da mente,
do intelecto, e então, através das afeições. A ação da vontade deveria ser
determinada por essas influências A minha base bíblica para assim asseverar é
a epístola de Paulo aos Romanos 6:11, onde o apóstolo declara:
"Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo viestes a
obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues".
Observemos a ordem dessas sentenças. Eles haviam "obedecido", é
verdade; mas, de que maneira? "... de coração ..." Porém, o que foi
que os levara a fazer isso, o que movera os seus corações? Foi essa
"forma de doutrina", que lhes fora anunciada. Ora, o que lhes fora
anunciado ou pregado fora a Verdade, e Verdade dirigida primariamente à mente.
Na medida em que a mente apreende ou compreende a Verdade, os afetos são acesos
e movidos; e, dessa maneira, a vontade é persuadida, daí resultando a obediência.
Noutras palavras, a obediência não resulta de alguma pressão direta sobre a
vontade, mas é conseqüência de uma mente iluminada e de um coração
enternecido. Para mim, esse é um ponto crucial.
Deixe-me desdobrar mais ainda a importância dessa idéia. Em preleção
anterior, aventurei-me a sugerir que o próprio grande Whitefield,
ocasionalmente, caia no erro de desfechar um ataque direto sobre as emoções ou
a imaginação; mas lamentamos qualquer tentativa para fazer-se isso
deliberadamente. Encontramos aqui um outro aspecto exato desse mesmo princípio.
Da mesma maneira que é errado lançar um ataque contra as emoções, é também
errado desfechar um ataque contra a vontade.
Na pregação, cabe-nos expor a Verdade; e, como é óbvio, isso ocupa lugar
proeminente e primacial para a mente. No momento em que nos desviamos dessa
ordem de coisas, dessa norma, e nos aproximamos diretamente de qualquer dos
outros elementos, estamos convidando dificuldades; e o mais provável é que as
arranjaremos.
Em segundo lugar, argumento que pressão demasiada sobre a vontade
inevitavelmente há algum deste elemento em toda a pregação, mas refiro-me
aqui à pressão em excesso - ou pressão por demais direta, é algo perigoso,
porquanto, no fim, poderá produzir uma condição na qual aquilo que determinou
a reação favorável de um indivíduo que "veio à frente", não foi
tanto a própria Verdade, mas, talvez, a personalidade do evangelista, ou então
algum vago temor geral, ou alguma outra forma de influência psicológica
qualquer. Isso faz-nos relembrar, uma vez mais, o papel da música nos cultos de
pregação. Podemos ficar embriagados de música - não há como duvidar sobre
isso. A música pode ter o efeito de criar um estado emocional tal que a mente não
mais funciona como deveria, não mais fazendo discriminações. Já vi pessoas
cantarem até atingirem um estado de embriaguez no qual não mais tinham consciência
do que estavam fazendo. O ponto importante é que deveríamos dar-nos conta de
que os efeitos produzidos dessa maneira não são produzidos pela Verdade, e,
sim, por um outro dentre esses diversos fatores.
Há alguns poucos anos passados, sucedeu deparar-me com uma extraordinária
ilustração exatamente desse particular. Meramente repetirei algo que foi
divulgado pela imprensa, razão pela qual não estarei revelando segredo algum,
e nem traindo qualquer confiança. Certa vez pediram a um evangelista da
Inglaterra que dirigisse um programa de cântico de hinos no domingo à noite
pelo rádio. Tal programa era levado ao ar, regularmente, por meia hora, todos
os domingos. Diferentes Igrejas eram solicitadas a cuidar desse programa, de
semana em semana. Ora, naquela ocasião particular, esse bem conhecido
evangelista estava realizando esse programa no Albert Haíl, de Londres. Tudo
fora planejado conforme era costumeiro, com meses de antecedência. Cerca de uma
semana, mais ou menos, antes do programa ser levado a efeito, chegou em Londres
um outro evangelista; e, ao ouvir falar do fato o evangelista britânico
convidou este Outro para pregar antes da meia hora de hinos ser levada ao ar.
Assim fez o evangelista. E este foi avisado que teria de parar sua pregação a
certa hora, porquanto naquele momento estariam "no ar" para a
radiodifusão dos hinos cantados. Portanto, o evangelista pregou e terminou sua
pregação exatamente na hora marcada; e de imediato os hinos foram postos
"no ar" por meia hora. Quando tudo terminara, e não estavam mais no
ar", o evangelista visitante fez seu usual "apelo", convidando as
pessoas para que se adiantassem à frente. No dia seguinte esse evangelista foi
entrevistado por repórteres. e, entre outras perguntas, foi-lhe indagado se
estava satisfeito com o resultado de seu apelo. Imediatamente ele retrucou que não
estava, que estava desapontado, e que o número de pessoas que atendera ao
convite fora muito menor do que estava acostumado a obter em Londres, bem como
em outras localidades. Então foi-lhe feita a próxima pergunta óbvia, por um
dos jornalistas: "E ao que se pode atribuir o fato de que a reação foi
comparativamente pequena nesta ocasião?' Sem a menor hesitação, o evangelista
respondeu que isto era bastante simples, pois infelizmente houvera uma interrupção
de meia hora, para o cântico de hinos, entre o fim do seu sermão e a realização
do apelo. Isso, declarou ele, era a explicação. Se ao menos lhe houvesse sido
permitido que fizesse seu apelo imediatamente no fim de seu sermão, então o
resultado teria sido muitíssimo maior.
Não é, realmente, um episódio iluminador e instrutivo? Não comprova ele que
algumas vezes, afinal, o que produz os resultados, como ficou claro, não é a
Verdade, e nem a atuação do Espírito? Pois eis que aquele pregador,
pessoalmente, admitia que os "resultados" não podiam resistir ao
teste de meia hora de cântico de hinos, admitia que meia hora de cântico de
hinos pode anular os efeitos de um sermão, sem importar quais tenham sido esses
efeitos, pelo que os resultados obtidos haviam sido desapontadores. Esse episódio
serve de ótima ilustração do fato que a pressão direta sobre a vontade pode
produzir "resultados", embora isso não tenha nenhum relacionamento
com a Verdade.
O meu terceiro argumento é que a pregação da Palavra e os apelos para que as
pessoas se decidam são coisas que não deveriam ser separadas em nossa mente.
Isso requer mais algum esclarecimento. Foi um grande princípio, enfatizado
dentro do ensino reformado, que teve início no século XVI, que as ordenanças
jamais deveriam ser separadas da pregação da Palavra. Os católicos romanos
foram os culpados de tal separação, com o resultado que as ordenanças foram
divorciadas da Palavra e se tornaram entidades autônomas. De acordo com tal
doutrina, o efeito e os resultados nas pessoas seriam produzidos, não por
intermédio da pregação da Verdade, e, sim, através da ação das ordenanças,
que agiriam ex opere operato. O ensinamento protestante, entretanto,
condenou tal doutrina, ressaltando que as ordenanças sob hipótese alguma
deveriam ser separadas da pregação, por ser essa a única maneira de evitar noções
semi-mágicas e experiências espúrias.
Meu argumento é que o mesmo princípio se aplica a essa questão de convites
para que as pessoas se decidam, e também que a tendência crescente vem sendo
de pôr-se cada vez mais ênfase sobre o "apelo" e sobre as decisões,
considerando isso como algo que subsiste por si mesmo. Lembro-me de ter estado
em uma reunião evangelística na qual eu, além de outros, sentimos que o
Evangelho não fora pregado, verdadeiramente. O Evangelho fora mencionado, mas
certamente não fora comunicado, não fora pregado; para minha admiração,
entretanto, grande número de pessoas se dirigiu à frente em resposta ao apelo
feito no fim. E a pergunta que imediatamente se levantou foi: o que poderia
explicar uma coisa assim? No dia seguinte eu discutia sobre essa questão com um
amigo meu. Disse ele: "Nada há de difícil a respeito desse fenômeno:
esses resultados nada têm a ver com a pregação". Então insisti:
"Bem, nesse caso, o que é que acontece?" Replicou ele: "É Deus
quem está respondendo às orações de milhares de pessoas que oram, pedindo
tais resultados, ao redor do mundo; não é a pregação". Minha contenção
é que não deveria haver tal disjunção entre o "apelo" e a pregação,
da mesma maneira que não deve haver separação entre as ordenanças e a pregação.
Meu quarto ponto é que esse método certamente envolve, implicitamente, a idéia
de que os pecadores possuem um poder inerente de decisão e de auto-conversão.
Entretanto, isso não pode ser conciliado com o ensinamento escriturístico,
segundo se vê em 1 Coríntios 2:14: "Ora, o homem natural não aceita as
cousas do Espirito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las
porque elas se discernem espiritualmente". Ou como Efésios 2:1, que
assevera: "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e
pecados". E ainda existem muitos trechos semelhantes.
Como meu quinto ponto, sugiro que nisso fica implícito que o evangelista, de
alguma maneira, se encontra em posição de manipular o Espírito Santo e as
Suas operações. O evangelista precisa meramente aparecer e fazer o seu apelo,
e inevitavelmente seguir-se-ão resultados. Se houvesse algum fracasso
ocasional, ou uma ou outra reunião com pouca ou nenhuma reação positiva, então
não existiria tal problema; mas tão freqüentemente, hoje em dia, os
organizadores são capazes de predizer o número dos "resultados".
A maioria concordaria com o meu sexto ponto, o qual assegura que esse método
tende por produzir uma superficial convicção de pecado, se é que a produz. As
pessoas com freqüência reagem positivamente por terem a impressão de que,
fazendo assim, receberão certos benefícios. Lembro-me de ter ouvido falar a
respeito de um homem importante que era considerado como um dos convertidos de
determinada campanha. Entrevistaram-no e perguntaram por que viera à frente na
campanha evangelística do ano anterior. Sua resposta foi que o evangelista
dissera: "Se alguém não quiser 'perder o barco', é melhor que venha à
frente". E, como ele não queria "perder o barco", viera à
frente; e tudo quanto o entrevistador pôde arrancar dele é que agora ele
estava "no barco". Não tinha certeza sobre o significado dessas
palavras, nem do que se tratava realmente, e nem parecia ter-lhe acontecido
qualquer transformação real durante o ano que se passara desde então. Mas lá
estava ele. Um ato de decisão pode ser tão superficial assim.
Ou consideremos uma outra ilustração, extraída dentre as minhas próprias
experiências. Na Igreja que pastoreei, no sul do Pais de Gales, eu costumava
ficar na porta principal do templo ao encerramento do culto de domingo à noite
para cumprimentar as pessoas com um aperto de mão. O incidente a que me reporto
envolve um homem que costumava vir às nossas reuniões todos os domingos à
noite. Era um operário, e também era alcoólatra quase inveterado.
Embebedava-se regularmente todos os sábados à noite, mas também vinha
regularmente ocupar um assento na galeria de nosso templo, todos os domingos á
noite. Naquela noite específica a que me refiro, aconteceu-me observar que,
enquanto eu pregava, aquele homem estava sendo obviamente tocado pela Palavra.
Eu podia ver que ele chorava copiosamente, e desejei muito saber o que estava
acontecendo com ele. Terminada a reunião, fui postar-me à porta. Passados uns
momentos, vi que aquele homem se aproximava, e imediatamente me vi a braços com
um tremendo conflito mental. Deveria eu em face do que tinha visto, dizer lhe uma
palavra e convidá-lo a tomar uma decisão naquela mesma noite, ou não deveria?
Estaria eu interferindo com a obra do Espírito se assim agisse? Apressadamente
resolvi que não pediria a ele que ficasse mais um pouco, mas tão-somente me
despedi dele como era de hábito, e ele saiu. Seu rosto revelava que estivera
chorando muito. Ele quase nem podia olhar- me no rosto. Na noite seguinte, quando
eu me encaminhava para uma reunião de oração que teria lugar na igreja, ao
atravessar uma passarela por cima de uma linha de trem, notei que aquele homem
vinha na minha direção para falar comigo. Ele atravessou a rua a fim de vir
dizer-me: "Sabe de uma coisa, doutor? Se o senhor me tivesse convidado para
demorar-me mais um pouco, na noite passada, eu lhe teria atendido".
"Pois, bem", retruquei, "agora eu estou lhe fazendo um convite.
Venha comigo". "Não, não", ele se apressou a dizer, "mas
se o senhor me tivesse convidado na noite passada, eu teria atendido". Então
eu lhe disse: "Meu caro amigo, se aquilo que lhe aconteceu na noite passada
não perdurou por vinte e quatro horas, então não me interessa. Se você não
está pronto a vir comigo agora, conforme estava na noite passada, então você
ainda não tem a coisa certa e verdadeira. Não importando o que lhe tenha
afetado na noite passada, era algo apenas temporário e passageiro, e você
ainda não conseguiu, de fato, perceber sua necessidade de Cristo".
São coisas dessa ordem que podem suceder, mesmo quando não se faz apelo
nenhum. Porém, quando o costume é fazer apelos, então esse fenômeno é
grandemente exagerado, e obtemos muitas conversões espúrias. Conforme eu tenho
lembrado a você, o próprio João Wesley, o grande arminiano, não apelava às
pessoas para que "viessem à frente". O que se pode encontrar com
grande freqüência em seus diários, é algo parecido com o que aqui é
transcrito: "Preguei em tal lugar. Muitos pareceram estar profundamente
tocados, mas só Deus sabe quão profundamente". Sem dúvida, essas
palavras são muito significativas e importantes. Wesley era possuidor de
entendimento espiritual, e sabia que muitos fatores são capazes de afetar-nos.
Mas, aquilo em que ele realmente se interessava não era resultados imediatos e
visíveis, e sim, a obra regeneradora do Espírito Santo. O conhecimento do coração
humano, da psicologia humana, deveria ensinar-nos a evitar qualquer coisa que
incremente a possibilidade de alcançarmos resultados espúrios.
Um outro argumento - o sétimo - é que assim fazendo estaremos encorajando as
pessoas a pensar que seu ato de vir á frente, de alguma maneira, as salva. É
como se fora um ato que precisa ser feito imediatamente, como se fora uma ação
capaz de salvar as pessoas. Foi isso que aconteceu no caso daquele homem que
sentia que agora estava "no barco", por ter vindo à frente, embora não
entendesse coisa alguma do que estava fazendo.
Porém, conforme já tenho sugerido, não será essa uma prática baseada, em última
análise, na desconfiança acerca do Espírito Santo, de Seu poder e de Sua
obra? Não deixa ela subentendido que o Espírito Santo precisa ser ajudado,
auxiliado e suplementado, a fim de que a obra seja apressada, não podendo tudo
ser deixado nas mãos do Espírito? Não posso ver como poderíamos escapar
dessa conclusão.
Ou então, colocando o problema sob outra luz - um nono ponto - não se levanta
toda essa questão da doutrina da regeneração? Para mim, essa é a questão
mais séria de todas. O que quero dar a entender é o seguinte (e o que aqui
digo cobre este ponto tanto quanto o anterior), que em face de ser essa uma obra
do Espírito Santo, e dEle somente, então ninguém mais pode concretizá-la no
Seu lugar. A obra verdadeira da convicção de pecado, da regeneração, da dádiva
do dom da fé e da nova vida cabe, unicamente, ao Espírito Santo. E posto ser
uma obra Sua, ela sempre será uma obra completa; e sempre será uma obra que se
fará visível. Sempre foi assim. Pode-se ver isso, da maneira mais dramática,
no dia de Pentecostes, em Jerusalém, conforme Atos 2. Enquanto Pedro ainda
proferia o seu sermão, os ouvintes começaram a clamar, sob convicção de
pecado: "Que faremos, irmãos?" Ora, Pedro estava pregando sob o poder
do Espírito Santo. Ele estava expondo e aplicando as Escrituras. E não se
utilizou de qualquer técnica, e nem deixou escoar-se qualquer intervalo entre o
sermão e o apelo. De fato, nem ao menos Pedro teve a possibilidade de terminar
o seu sermão. A poderosa obra de convicção prosseguia, e fez-se visível da
maneira como invariavelmente se faz.
Lembro-me de ter lido a narrativa de certo reavivamento que ocorreu no Congo, em
um livro intitulado This is That (Isso é Aquilo), particularizando um
dos capítulos escrito por um homem a quem conheci pessoalmente. Ele já vinha
atuando como missionário evangélico, no coração da África, por vinte anos,
e a cada reunião, virtualmente, fizera apelos ao povo para que viesse à frente
e se decidisse pelo Evangelho, em resposta à sua mensagem. Pouquíssimos haviam
atendido, e ele estava de coração partido de tristeza. Ele pressionava os
ouvintes e lhes fazia rogos, e fazia tudo quanto é habitual entre os
evangelistas; e, no entanto, não obtinha resposta favorável. Então, de certa
feita, ele teve de afastar-se para uma parte distante do distrito do qual estava
encarregado. Enquanto estava ausente, irrompeu um reavivamento na área central
de seu distrito. A sua esposa lhe enviou uma mensagem, relatando o que estava
sucedendo. A princípio ele não gostou do que acontecia. Não o alegrava ouvir
falar acerca daquilo, porque tudo sucedera enquanto ele não estava presente -
todos nos inclinamos a sermos culpados de tal orgulho. Não obstante,
precipitou-se de volta, no intuito de controlar o que sentia ser uma explosão
de emocionalismo ou alguma espécie de "fogo fátuo". Tendo
regressado, reuniu o povo no templo, e começou a pregar. Para seu completo
espanto, e antes de estar a meio caminho de seu sermão, as pessoas começaram a
vir á frente, sob profunda convicção de pecado. Aquilo que ele tentara levá-los
a fazer por vinte anos e não conseguira, agora faziam-no espontaneamente. Por
quê? Porque o Espírito Santo estava realizando a obra. Sua atuação sempre se
torna manifesta. Assim deve suceder, necessariamente, e assim sempre sucederá.
Certamente isso não requer demonstração e nem argumento em seu favor. A obra
de Deus sempre se patenteia, quer na natureza, na criação ou nas almas dos
homens.
Já passei por muitas experiências no que tange a esse aspecto da questão.
Mais adiante, direi alguma coisa sobre o romance da obra do pregador e do
ministro do Evangelho; e isso focaliza um dos aspectos da mesma. Lembro-me de
como, durante os negros dias da Segunda Guerra Mundial, quando tudo era
desencorajador em extremo - os bombardeios haviam dispersado a nossa congregação,
e assim por diante - eu estava passando por um período de grande
desencorajamento. De repente, recebi uma carta das Índias Orientais Holandesas,
que agora têm por nome Indonésia. Fora enviada por um soldado holandês que me
dizia que sua consciência o havia espicaçado de tal maneira que, finalmente,
resolvera escrever-me para narrar o que lhe havia sucedido dezoito meses antes.
Esclarecia-me que viera à Inglaterra, com o Exército Livre Holandês. E
enquanto estava aquartelado em Londres, viera aos nossos cultos por diversas
vezes. Naqueles dias, ficara convencido sobre o fato de que jamais fora um
crente verdadeiro, embora tivesse pensado que o era. Depois disso, passou por um
negro período de convicção de pecado e de desamparo espiritual; mas,
eventualmente, pudera ver com clareza a Verdade e desde então muito se
regozijava. Nunca viera contar-me o que se passara consigo, por diversas razões;
mas agora me participava de tudo em sua carta.
Minha reação a essas coisas é a seguinte. Que importa se eu vier a saber ou não
do resultado da pregação? Naturalmente, isso tem seu valor, do ângulo que
serve de encorajamento para o obreiro cristão. Mas não têm valor algum, do
ponto de vista da própria obra. A obra foi realizada, e ela se patenteou, e
continuava a manifestar-se na vida daquele soldado antes mesmo dele haver-me
escrito. E é isso que realmente importa.
Graças a Deus, tenho constatado a repetição dessa experiência nestes últimos
tempos. Tendo-me aposentado de um pastorado ativo, e podendo viajar por muitos
lugares, por restar-me mais tempo, tenho encontrado pessoas, em vários lugares
da Grã-Bretanha, que me vêm dizer que se converteram enquanto me ouviam
pregando. De nada eu soubera antes desses episódios, mas eles tinham acontecido
há muitos anos, no passado. Por exemplo, eu pregava no templo de certo
pregador, há exatamente dezoito meses passados. Enquanto me apresentava à sua
congregação, ele narrou em breves pinceladas a sua história espiritual, e,
para minha total surpresa, fiquei sabendo que eu havia desempenhado um papel
vital na mesma. Aquele homem fora um profissional muito bem qualificado, que
deixara a sua profissão e se tornara o pastor daquela Igreja. Ele contou aos
circunstantes como, em uma quente noite de verão, no mês de junho, ao andar
sem rumo por uma rua de Londres, ouviu o som de cânticos que provinham da
Capela de Westminster. Entrou e permaneceu ali até o fim da reunião. "Saí
dali", declarou ele, "um novo homem, nascido de novo,
regenerado". Antes daquela oportunidade ele fora completamente ignorante
sobre tais coisas; e, na verdade, inclinara-se por desprezá-las e eliminá-las
de suas cogitações. Ora, aquela era a primeira vez que eu ouvia falar de tais
acontecimentos, embora tudo tivesse ocorrido em 1964. Porém, que importa isso?
O importante é que, visto ser o Espírito aquele que realiza tal obra, trata-se
de uma obra real, sólida; e ela sempre tende por manifestar-se.
Passo agora a firmar como meu décimo ponto que nenhum pecador chega realmente a
"decidir-se em prol de Cristo". Esse vocábulo,
"decidir-se", a mim sempre me pareceu bastante errado. Com freqüência
tenho ouvido pessoas usarem expressões que me parecem perturbadoras, que me
deixam muito infeliz. Geralmente usam-nas em sua ignorância, e com a melhor das
intenções. Posso pensar em um idoso cavalheiro que costumava dizer o seguinte:
"Meus amigos, eu me decidi ao lado de Cristo faz quarenta anos, e nunca me
arrependi disso". Quão terrível é dizer, "Nunca me arrependi!"
Mas esse é o tipo de declaração que fazem as pessoas que têm sido criadas no
Evangelho debaixo desse ensinamento e desse método. Um pecador nunca "se
decide" em favor de Cristo; o pecador "foge" para Cristo, em
total desamparo e desespero, dizendo -
Infrator, à fonte corro,
Lava-me, Senhor, ou morro.
Ninguém vem verdadeiramente a Cristo, a menos que se atire
nEle como seu único refúgio e esperança, seu único meio de escape das acusações
da própria consciência e da condenação ante a santa lei de Deus. Nenhuma
outra coisa é satisfatória. Se um homem qualquer disser que, tendo pensado
sobre a questão e havendo considerado todos os lados envolvidos, terminou por
decidir-se ao lado de Cristo, e se o fez sem qualquer emoção ou sentimento, não
poderei aceitá-lo como homem que foi regenerado. Como um coitado que está se
afogando não simplesmente "se decide" a pegar na corda que lhe é
atirada, mas agarra-se a ela pois esta é sua única escapatória, assim também
o pecador convicto não simplesmente "se decide" em favor de Cristo.
Tal expressão é inteiramente imprópria.
Entretanto, uma vez mais temos de defrontar-nos com o argumento baseado em
"resultados". Mas, "Veja o que acontece", dizem muitos. Ao
que me parece, esse é um argumento que pode ser respondido de diversos modos.
Um deles é que nós, protestantes que somos, não deveríamos lançar mão do
argumento jesuítico de que o fim justifica os meios. No entanto, esse argumento
sobre resultados eqüivale a isso, efetivamente. Mas, deveríamos aprofundar-nos
mais, examinando os resultados e as reivindicações que são feitas. Qual
porcentagem dessas "decisões" perdura? Já ouvi evangelistas dizerem
que nunca esperam que se firme mais de uma décima parte dessas decisões. Eles
afirmam isso abertamente. O que então exerceu influência sobre os restantes? E
se alguém disser que só importam aqueles dez por cento, por representarem o
resultado da operação do Espírito, então replicarei que isso teria
acontecido mesmo na ausência de qualquer "convite para virem á
frente".
Indo mais adiante, é imprescindível que saibamos fazer a
distinção entre resultados imediatos e resultados remotos. Para fins de
argumentação, vamos admitir que se verifique certo número de resultados
imediatos. Apesar disso, teremos de levar em conta os efeitos e resultados
remotos dessa maneira de proceder - o efeito sobre a vida da Igreja local, bem
como sobre a vida das Igrejas em geral. A despeito de tudo quanto nos tem sido
dito acerca de resultados fenomenais e espantosos, durante os últimos vinte
anos, dificilmente poder-se-ia contestar que o nível geral de autêntica
espiritualidade, na vida das nossas Igrejas, tem atravessado um seríssimo declínio.
Ora, esse é o efeito remoto, o qual é diametralmente contrário àquilo que
sempre aconteceu em tempos de reavivamento e despertamento espiritual.
Outrossim, nas reuniões de pastores e em conversa particular com muitos
ministros, tenho averiguado que, de modo geral, os ministros acham que seus
problemas aumentaram, e não que diminuíram, em anos recentes. Já mencionei o
caso de ministros que nem ao menos têm sido convidados por certas Igrejas, por
esse motivo. E já teci comentários sobre outros que são criticados pelos próprios
membros de suas respectivas Igrejas porque não costumam fazer um
"apelo" no fim de cada culto. Essa prática parece haver introduzido
uma nova espécie de mentalidade, uma carnalidade que se expressa na forma de um
doentio interesse pelos números. Isso também tem criado um desejo pelo que é
emocionante, uma quase impaciência diante da mensagem, porquanto todos estão
esperando pelo "convite", após a pregação, para que vejam os
resultados. Ora, esse estado de coisas, por certo, é muito sério.
Nesta altura, vem participar do quadro geral um outro elemento. Conforme eu já
dissera, exprime um fato aquela declaração de que os organizadores dessa espécie
de atividade são capazes de predizer, com extraordinária precisão, o número
de decisões e resultados que provavelmente conseguirão. Têm até mandado
imprimir seus cálculos antes da campanha ter início, e geralmente não erram
por grande margem em suas estimativas. Ora, isso é algo perfeitamente inconcebível
em conexão com a obra do Espírito Santo. Ninguém sabe o que o Espírito Santo
haverá de fazer. "O vento sopra onde quer Nada pode ser predito, nada pode
ser antecipado. Os maiores pregadores e santos, com freqüência, têm tido
cultos difíceis e estéreis quanto aos resultados numéricos, e têm deplorado
esse fato. E mesmo em períodos de reavivamento, há dias e reuniões em que
coisa alguma acontece, em absoluto; mas no dia seguinte, talvez, eis que ocorre
um avassalador derramamento de poder. Por conseguinte, o próprio fato que se
pode mais ou menos antecipar e predizer o que provavelmente sucederá, serve de
indicação de que tal método não se molda ao que sempre caracterizou a obra
do Espírito. Por outro lado, confio que tenha ficado claro que, em tudo quanto
acabo de dizer, não estou pondo em dúvida os motivos ou a sinceridade daqueles
que se utilizam desses métodos, e nem que não tenham havido conversões genuínas,
pois preocupei-me tão somente em mostrar por quais razões eu mesmo não tenho
empregado essa técnica.
Portanto, você perguntará, o que se deveria fazer? Eu mesmo situo a questão
nestes termos. O apelo deve fazer parte integrante da própria Verdade, da própria
mensagem. Enquanto você estiver proferindo um sermão, deveria estar fazendo
constantes aplicações da mensagem, sobretudo, como é natural, na última
fase, quando chegarem à aplicação final e ao clímax do sermão. Mas o apelo
deve fazer parte da mensagem; deve ser assim, inevitavelmente. O sermão deve
ter a capacidade de fazer os homens perceberem ser essa a única coisa que pode
ser feita. O apelo deve estar implícito ao longo de todo o corpo do sermão,
bem como em tudo quanto o pregador faz. E eu diria, sem qualquer hesitação,
que um apelo distinto, separado e especial no fim do sermão, após certo
intervalo, ou após um hino, só deveria ser feito se o pregador tiver plena
consciência de alguma imposição avassaladora do Espírito de Deus para que
ele assim faça. Se alguma vez eu sentir tal coisa, fá-la-ei; mas somente então.
E mesmo num caso desses, a maneira pela qual o farei não será convidando as
pessoas para que venham à frente. Simplesmente participarei aos presentes que
me ponho à disposição para conversar com qualquer pessoa que queira
entrevistar-me, no fim da reunião ou em qualquer outra oportunidade. De fato,
acredito que o ministro sempre deveria anunciar, de alguma maneira ou forma, que
ele está pronto para conversar com qualquer pessoa que queira conversar com ele
a respeito de sua alma e de seu destino eterno. Isso pode ser dito por meio de
um cartão posto em cada assento - assim tenho agido eu mesmo - embora você
possa fazê-lo usando qualquer outro esquema. Faça-se disponível, deixe bem
claro que está à disposição dos interessados, e assim você descobrirá que
as pessoas que sentiram a convicção de pecado, virão falar com você porque
se sentem infelizes. Não é infreqüente que elas receiam voltar para casa do
mesmo jeito. Já vi casos de pessoas que, depois de estarem a meio caminho de
casa, voltaram para conversar comigo, na igreja, por não poderem tolerar o
senso de convicção de pecado e de infelicidade; a agonia delas era grande
demais.
Ou então, se tiverem encontrado a salvação e agora se rejubilam nela, haverão
de querer revelar-lhe o acontecido. Cada pessoa fará isso no seu próprio
tempo; permita-lhe a liberdade de fazê-lo. Não procure forçar tais coisas.
Essa é uma obra do Espírito Santo de Deus. A obra dEle é completa, e também
é duradoura; e, por essas razões, não nos devemos impacientar e ansiar à cata de resultados. Não estou dizendo que essa ânsia seja desonesta, mas digo
que ela é um erro. Precisamos aprender a confiar no Espírito, dependendo da
Sua atuação infalível.
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Copiado de http://www.geocities.com/zoenio/DECISI.htm
e de http://www.geocities.com/Athens/Delphi/7162/Decisii.htm
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