APELANDO POR DECISÕES I

D.M. Lloyd-Jones - "Pregação e Pregadores" - Editora FIEL

 

Visando ao propósito de sermos satisfatoriamente práticos e contemporâneos, nesta altura me convém levantar a questão se devemos envidar qualquer esforço para condicionar a reunião e as pessoas, para que estas recepcionem a nossa mensagem. É neste ponto que se encaixa a questão da música. Afinal, o pregador é quem segura o leme do culto, e está dentro de sua alçada, por conseguinte, controlar esse aspecto. Nos nossos dias, essa pode ser uma questão extremamente penosa, e já conheci muitos ministros que se viram envolvidos em grandes dificuldades por causa da questão de coros, de cântico de hinos e talvez de quartetos. Sucede que há templos que contam com cantores coristas ou solistas pagos, os quais talvez nem sejam membros da Igreja, e nem mesmo se consideram crentes. Além disso, há o problema dos organistas. E, passando a um tipo mais popular de música, em algumas congregações há intermináveis cânticos de corinhos. E finalmente, em alguns países, existem indivíduos cuja função especial consiste em conduzir os cânticos, esforçando-se por fazer as pessoas entrarem na correta atitude e condição mental para acolherem a mensagem que ouvirão.

Como poderíamos avaliar todas essas coisas? Qual deveria ser a nossa atitude diante delas? Meu comentário inicial é que, uma vez mais, temos à frente algo que cabe dentro da mesma categoria de algumas das coisas que já estivemos considerando. Trata-se de algo que foi herdado da era vitoriana. Nada se faz mais urgentemente necessário do que uma análise das inovações que surgiram no campo da adoração religiosa durante o século XIX - o qual para mim, quanto a esse particular, foi devastador. Quanto mais prontamente nos esquecermos do século XIX e retrocedermos até ao século XVIII, e mesmo mais, até aos séculos XVII e XVI, tanto melhor. O século XIX. com sua mentalidade e perspectiva, é o responsável pela grande maioria de nossas dificuldades e problemas atuais. Foi naquele tempo que se verificaram alterações fatais em tantos quadrantes, conforme podemos averiguar. E ocupando posição mui proeminente, entre as modificações que tiveram lugar, citamos a música em seus variegados estilos. Com freqüência, e especialmente nas igrejas fora da tradição episcopal, as congregações nem mesmo dispunham de órgão, antes daquela época Muitos dos lideres evangélicos eram contrários ao uso do órgão. e procuravam justificar sua atitude com o respaldo das Escrituras; e assim muitos deles eram contrários ao cântico de qualquer coisa exceto dos salmos. Não vou avaliar as várias interpretações contrárias das Escrituras pertinentes ao assunto, e nem debater quanto à antigüidade do cântico de hinos; o que desejo frisar é que se por um lado o cântico de hinos tornou-se muito popular nos últimos anos do século XVII, e, mais particularmente. durante o século XVIII, por outro lado, a nova ênfase emprestada à música, que ocorreu em cerca dos meados do século passado, fazia parte daquela atitude de respeitabilidade, de pseudo-intelectualismo, que já estive descrevendo.

Mais particularmente ainda, com freqüência se verifica uma ameaça bem real, uma espécie de "tirania do organista". Isso se dá porque o organista encontra-se numa posição em que ele ou ela pode exercer considerável controle. Munido de um instrumento poderoso, o organista pode controlar o ritmo em que um hino é entoado, e o efeito varia de um a outro extremo, se ele o toca em ritmo apressado ou em ritmo lento. No ministério muitos pregadores têm tido problemas com organistas difíceis e especialmente com o tipo que está muito mais interessado pela música do que pela Verdade. Por conseguinte, o pastor deve usar de muito critério ao nomear um organista, assegurando-se de antemão que se trate de um verdadeiro crente. E se você tiver um coral em sua Igreja, então deverá insistir sobre esse mesmo ponto, no tocante a cada membro. O primeiro desiderato não é que os coristas tenham boa voz, e, sim, que possuam caráter cristão, amem á Verdade e se deleitem em cantá-la. É desse modo que podemos evitar a tirania do organista, bem como sua irmã gêmea, a tirania do coral. No Pais de Gales, minha terra de origem, havia uma expressão usada com freqüência. Aludia não tanto ao coral, mas ao cântico por parte da congregação. Este era conhecido como "o demônio dos cânticos". O que isso queria dizer é que essa prática causava mais querelas e cismas nas Igrejas do que praticamente qualquer outra questão, e que os cânticos ofereciam ao diabo mais freqüentes oportunidades de entravar e produzir roturas na obra do que qualquer das outras atividades na vida da Igreja. Porém, independente disso, a música, em suas variadas formas, faz surgir no horizonte o problema todo do elemento de entretenimento, o qual consegue insinuar-se e pode levar as pessoas a virem ás reuniões para ouvir música, e não com o propósito de adorar.

Meu argumento é que podemos estipular como regra bastante geral que quanto maior for a atenção que se tenha dado a esse aspecto da adoração - a saber, o tipo de edifício, o cerimonial, os cânticos, menor será a espiritualidade provável; e disso só se pode esperar menor calor, entendimento e interesses espirituais. Todavia, eu não estacaria aqui, mas faria uma pergunta, pois sinto que é tempo de começarmos a fazer essa indagação. Conforme eu já dissera noutra conexão, precisamos interromper determinados maus hábitos que têm penetrado na vida das nossas Igrejas, transformando-se numa tirania. Já me havia referido á forma fixa e preestabelecida, bem como ás pessoas que se dispõem a brincar com a Verdade e tentam modificá-la, mas que resistem a qualquer tentativa de alteração na ordem do culto e nessa rígida forma preestabelecida. Portanto, sugiro que é chegado o tempo de fazermos as seguintes perguntas: Por que se faz necessária toda essa ênfase sobre a música? Por que isso tem qualquer importância, afinal? Enfrentemos essa questão; e por certo, quando fazemos assim, chegamos forçosamente á conclusão de que aquilo que deveríamos buscar e ter como alvo é uma congregação de pessoas que entoam juntas louvores a Deus; e que a verdadeira função de um órgão é acompanhá-las. Compete-lhe servir de acompanhamento; e não de ditador. Nunca deveríamos permitir-lhe ocupar tal posição. Sempre deve ser subserviente. Eu diria mesmo que o pregador, de modo geral, deveria escolher tanto as melodias quanto os hinos, porquanto às vezes verifica-se contradição entre as duas coisas. Algumas melodias virtualmente contradizem a mensagem do hino, embora a métrica seja correta. Por conseguinte, o pregador tem o direito de dirigir essas questões; e não podemos desistir desse direito.

Talvez você não esteja disposto a concordar comigo quando sugiro que deveríamos abolir de uma vez por todas os corais; mas por certo todos devem concordar que o ideal seria que todas as pessoas elevassem suas vozes em louvor, adoração e veneração, regozijando-se enquanto assim o fazem. Confio em que você também concordará que as tentativas deliberadas para "condicionar" as pessoas são decididamente prejudiciais. Espero poder tratar disso na próxima seção, razão por que, por enquanto, contento-me em dizer que essa tentativa de "condicionar" as pessoas, suavizando-as; por assim dizer, realmente milita contra a verdadeira pregação do Evangelho. Não se trata de mera imaginação ou teoria. Lembro-me de ter estado em mui famosa conferência religiosa onde a rotina invariável, em cada reunião, e também no caso de cada orador, era a seguinte. Pedia-se de cada orador que estivesse presente na plataforma a certa hora. Então seguiam-se literalmente quarenta minutos de cânticos, dirigidos por um artista, tudo salpicado com observações supostamente humorísticas, pelo citado cavalheiro. Não havia qualquer leitura das Escrituras, havia uma oração extremamente breve; e então ordenavam ao orador que falasse.

Esse é um exemplo do que quero dizer por elemento de entretenimento. Recordo-me que havia um solo de órgão, um solo de xilofone, e em seguida um grupo vocal - lembro-me até do nome deles - Os Cantores do Jubileu Eureca, os quais ficavam mais ou menos simulando aquilo sobre o que cantavam. Tudo isso se prolongava por quarenta minutos. Confesso que senti imensa dificuldade para pregar depois disso. Também me senti compelido a modificar a minha mensagem, a fim de enfrentar aquela situação com que me defrontava. Eu sentia que o "programa", a forma fixa, dominava a situação, e que cada indivíduo ali tornava-se parte integrante do entretenimento. Por essa razão é que temos de ser tão cuidadosos. Portanto, eu diria como uma regra geral: Conserve a música em seu devido lugar. Ela é uma criada, uma serva, e não lhe devemos permitir que domine ou controle as coisas, em nenhum sentido.

Menciono uma outra questão que pode parecer trivial - a despeito do que algumas pessoas lhe têm dado imensa atenção. É a questão se deveríamos manipular as luzes do edifício em que estamos pregando, a fim de tomar mais eficaz a pregação. Alguns lugares contam com lâmpadas de diferentes cores instaladas em lugares estratégicos e, conforme o sermão vai prosseguindo, as luzes vão sendo gradualmente apagadas, até que, no fim, em certo caso particular, sobre o qual estou pensando, não há mais qualquer lâmpada acesa, exceto uma cruz vermelha iluminada, suspensa por cima da cabeça do pregador. Tudo é apenas condicionamento psicológico; mas tais práticas estão sendo justificadas em termos de que elas facilitam a aceitação da Verdade por parte das pessoas. Todavia, poderíamos deixar a questão nessa altura, dizendo simplesmente que a questão que realmente se levanta aqui é o ponto de vista de alguém acerca da obra e do poder do Espírito Santo. Quão difícil é fazer tudo isso adaptar-se á Igreja do Novo Testamento e à sua adoração de natureza espiritual.

Porém, isso conduz, mui naturalmente, a uma outra questão importantíssima, a qual envolve a pergunta se, no término dum sermão preparado segundo os moldes que estamos considerando, o pregador deveria fazer apelos para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Várias expressões têm sido utilizadas, como "vir á frente", "vir ao altar", "ritual do arrependido", "assento dos ansiosos", etc., para descrever esse modo de proceder.

Esse é um assunto que nestes últimos anos tem ganhado considerável proeminência, razão pela qual precisamos tratar do mesmo. Seja como for, trata-se de um problema que todo pregador precisa arrostar. Eu mesmo por muitas vezes já tive de enfrentá-lo. Algumas pessoas, em diversas ocasiões, ao encerrar-se alguma reunião, têm-se aproximado de mim a fim de me chamarem a atenção, passando-me ás vezes uma verdadeira reprimenda, porque eu não fizera um apelo imediato para que as pessoas se decidissem. Algumas dessas pessoas chegam mesmo ao extremo de afirmar que com isso eu cometo um pecado, que fora criada uma oportunidade excelente pela minha própria pregação, mas eu não me aproveitara da mesma. E então costumam dizer: "Tenho certeza de que se o senhor ao menos tivesse feito um apelo, teria conseguido um grande número de decisões" - ou algo similar a esse argumento.

Em adição a isso, certo número de ministros me tem dito, nos últimos dez anos mais ou menos, que no fim do culto certas pessoas vêm dizer-lhes que eles não pregaram o Evangelho, simplesmente por não terem feito um apelo. Isso lhes havia acontecido tanto em cultos matinais como em cultos noturnos. E já havia sucedido não somente durante cultos de evangelização, mas igualmente em outras reuniões, cujo intuito não é primariamente evangelístico. Não obstante, por não ter havido qualquer "apelo", haviam sido acusados de não terem pregado o Evangelho. De certa feita conheci três homens, três pastores, que virtualmente já tinham sido contratados para pastorear em determinadas Igrejas, e que estavam a ponto de serem aceitos quando alguém, de repente, lhes fizera a pergunta: Eles costumavam fazer um "apelo" no fim de cada sermão? E posto que aqueles três homens em particular haviam respondido na negativa, não foram aceitos, afinal, ficando cancelada a decisão daquelas Igrejas. Isso se tem tomado problema dos mais incisivos, como resultado de determinadas coisas que vêm acontecendo desde os fins da Segunda Guerra Mundial.

Novamente, é importante que tenhamos os pensamentos claros acerca da história dessa questão. A abordagem histórica será sempre proveitosa. Há muitos que não parecem ter consciência do fato que tudo isso, à semelhança de muitas outras coisas que penetraram na vida da Igreja, só o fizeram durante os últimos cem anos. Esse costume foi introduzido bastante cedo no século passado, mais cedo que outras coisas que tenho mencionado. Realmente foi introduzido por Charles G. Finney na década de 1820. Foi ele quem deu início ao chamado "assento dos ansiosos", aquela "nova medida" através da qual se apelava ás pessoas que se decidissem no mesmo instante. Tudo fazia parte essencial de seu método, abordagem e maneira de pensar; e naqueles dias a questão provocou muitas controvérsias. Trata-se de controvérsia das mais importantes, além de ser interessante e fascinante em extremo, Recomendo que os pregadores façam disso matéria de leitura. Os dois maiores protagonistas desse debate foram W. H. Nettleton e Finney. Nettleton foi um pregador muitíssimo usado em reuniões de pregação. Viajava muito e era constantemente convidado a pregar nos templos de outros ministros. Jamais efetuara um "apelo" para que as pessoas se decidissem imediatamente, mas era grandemente usado, e numerosas pessoas se convertiam sob seu ministério agregando-se ás Igrejas locais. Seguia a doutrina calvinista, e punha em prática as suas crenças nesse particular. Mas então surgiu Finney em cena, com o seu apelo direto à vontade para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Isso provocou grande controvérsia entre os dois pontos de vista, e muitos ministros se viram envoltos em imensas dificuldades, entre os dois conceitos. Há uma fascinante narrativa sobre o episódio na autobiografia do Dr. Lyman Beecher, pai do Dr. Henrv Ward Beecher. Ele fora grande amigo de Nettleton, e, a princípio, pôs-se ao lado deste. Eventualmente, entretanto, bandeou-se para a causa de Finney. O Dr. Charles Hodge e outros dentre as grandes figuras de Princeton estiveram ativamente engajados nessa discussão, como também J. W. Nevin, fundador da Teologia Mercersberg.

Essa é a história da origem dessa prática, e importa que nos tomemos informados da mesma. Não foi por acidente que tenha sido introduzida por Finney, porquanto, em última análise, é uma questão teológica. Ao mesmo tempo, sem embargo, não é somente uma questão teológica; e nunca nos deveríamos esquecer que um arminiano como João Wesley, além de outros, jamais empregou esse método.

É possível que a melhor maneira pela qual eu possa estimular outros a pensar, conferindo-lhes alguma ajuda quanto a isso, é declarar francamente que não tenho seguido essa prática em meu ministério. E permita-me dar-lhe alguns dos motivos que me têm influenciado quanto a essa matéria. Não procurarei declará-los em qualquer ordem sistemática e precisa, mas dou aqui uma ordem geral. O primeiro motivo é que, sem dúvida, é um erro exercer pressão direta sobre a vontade. Desejo esclarecer o que digo. O homem constitui-se de mente, afetos e vontade: e meu argumento é que ninguém deve fazer pressão direta sobre a vontade. Sempre deveríamos avizinhar-nos da vontade por intermédio da mente, do intelecto, e então, através das afeições. A ação da vontade deveria ser determinada por essas influências A minha base bíblica para assim asseverar é a epístola de Paulo aos Romanos 6:11, onde o apóstolo declara: "Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecer de coração á forma de doutrina a que fostes entregues".

Observemos a ordem dessas sentenças. Eles haviam "obedecido", é verdade; mas, de que maneira? "... de coração ..." Porém, o que foi que os levara a fazer isso, o que movera os seus corações? Foi essa "forma de doutrina", que lhes fora anunciada. Ora, o que lhes fora anunciado ou pregado fora a Verdade, e Verdade dirigida primariamente á mente. Na medida em que a mente apreende ou compreende a Verdade, os afetos são acesos e movidos; e, dessa maneira, a vontade é persuadida, daí resultando a obediência. Noutras palavras, a obediência não resulta de alguma pressão direta sobre a vontade, mas é conseqüência de uma mente iluminada e de um coração enternecido. Para mim, esse é um ponto crucial.

Deixe-me desdobrar mais ainda a importância dessa idéia. Em preleção anterior, aventurei-me a sugerir que o próprio grande Whitefield, ocasionalmente, caia no erro de desfechar um ataque direto sobre as emoções ou a imaginação; mas lamentamos qualquer tentativa para fazer-se isso deliberadamente. Encontramos aqui um outro aspecto exato desse mesmo princípio. Da mesma maneira que é errado lançar um ataque contra as emoções, é também errado desfechar um ataque contra a vontade.

Na pregação, cabe-nos expor a Verdade; e, como é óbvio, isso ocupa lugar proeminente e primacial para a mente. No momento em que nos desviamos dessa ordem de coisas, dessa norma, e nos aproximamos diretamente de qualquer dos outros elementos, estamos convidando dificuldades; e o mais provável é que as arranjaremos.

Em segundo lugar, argumento que pressão demasiada sobre a vontade inevitavelmente há algum deste elemento em toda a pregação, mas refiro-me aqui à pressão em excesso - ou pressão por demais direta, é algo perigoso, porquanto, no fim, poderá produzir uma condição na qual aquilo que determinou a reação favorável de um indivíduo que "veio à frente", não foi tanto a própria Verdade, mas, talvez, a personalidade do evangelista, ou então algum vago temor geral, ou alguma outra forma de influência psicológica qualquer. Isso faz-nos relembrar, uma vez mais, o papel da música nos cultos de pregação. Podemos ficar embriagados de música - não há como duvidar sobre isso. A música pode ter o efeito de criar um estado emocional tal que a mente não mais funciona como deveria, não mais fazendo discriminações. Já vi pessoas cantarem até atingirem um estado de embriaguez no qual não mais tinham consciência do que estavam fazendo. O ponto importante é que deveríamos dar-nos conta de que os efeitos produzidos dessa maneira não são produzidos pela Verdade, e, sim, por um outro dentre esses diversos fatores.

Há alguns poucos anos passados, sucedeu deparar-me com uma extraordinária ilustração exatamente desse particular. Meramente repetirei algo que foi divulgado pela imprensa, razão pela qual não estarei revelando segredo algum, e nem traindo qualquer confiança. Certa vez pediram a um evangelista da Inglaterra que dirigisse um programa de cântico de hinos no domingo à noite pelo rádio. Tal programa era levado ao ar, regularmente, por meia hora, todos os domingos. Diferentes Igrejas eram solicitadas a cuidar desse programa, de semana em semana. Ora, naquela ocasião particular, esse bem conhecido evangelista estava realizando esse programa no Albert Haíl, de Londres. Tudo fora planejado conforme era costumeiro, com meses de antecedência. Cerca de uma semana, mais ou menos, antes do programa ser levado a efeito, chegou em Londres um outro evangelista; e, ao ouvir falar do fato o evangelista britânico convidou este Outro para pregar antes da meia hora de hinos ser levada ao ar. Assim fez o evangelista. E este foi avisado que teria de parar sua pregação a certa hora, porquanto naquele momento estariam "no ar" para a radiodifusão dos hinos cantados. Portanto, o evangelista pregou e terminou sua pregação exatamente na hora marcada; e de imediato os hinos foram postos "no ar" por meia hora. Quando tudo terminara, e não estavam mais no ar", o evangelista visitante fez seu usual "apelo", convidando as pessoas para que se adiantassem à frente. No dia seguinte esse evangelista foi entrevistado por repórteres. e, entre outras perguntas, foi-lhe indagado se estava satisfeito com o resultado de seu apelo. Imediatamente ele retrucou que não estava, que estava desapontado, e que o número de pessoas que atendera ao convite fora muito menor do que estava acostumado a obter em Londres, bem como em outras localidades. Então foi-lhe feita a próxima pergunta óbvia, por um dos jornalistas: "E ao que se pode atribuir o fato de que a reação foi comparativamente pequena nesta ocasião?' Sem a menor hesitação, o evangelista respondeu que isto era bastante simples, pois infelizmente houvera uma interrupção de meia hora, para o cântico de hinos, entre o fim do seu sermão e a realização do apelo. Isso, declarou ele, era a explicação. Se ao menos lhe houvesse sido permitido que fizesse seu apelo imediatamente no fim de seu sermão, então o resultado teria sido muitíssimo maior.

Não é, realmente, um episódio iluminador e instrutivo? Não comprova ele que algumas vezes, afinal, o que produz os resultados, como ficou claro, não é a Verdade, e nem a atuação do Espírito? Pois eis que aquele pregador, pessoalmente, admitia que os "resultados" não podiam resistir ao teste de meia hora de cântico de hinos, admitia que meia hora de cântico de hinos pode anular os efeitos de um sermão, sem importar quais tenham sido esses efeitos, pelo que os resultados obtidos haviam sido desapontadores. Esse episódio serve de ótima ilustração do fato que a pressão direta sobre a vontade pode produzir "resultados", embora isso não tenha nenhum relacionamento com a Verdade.

O meu terceiro argumento é que a pregação da Palavra e os apelos para que as pessoas se decidam são coisas que não deveriam ser separadas em nossa mente. Isso requer mais algum esclarecimento. Foi um grande princípio, enfatizado dentro do ensino reformado, que teve início no século XVI, que as ordenanças jamais deveriam ser separadas da pregação da Palavra. Os católicos romanos foram os culpados de tal separação, com o resultado que as ordenanças foram divorciadas da Palavra e se tornaram entidades autônomas. De acordo com tal doutrina, o efeito e os resultados nas pessoas seriam produzidos, não por intermédio da pregação da Verdade, e, sim, através da ação das ordenanças, que agiriam ex opere operato. O ensinamento protestante, entretanto, condenou tal doutrina, ressaltando que as ordenanças sob hipótese alguma deveriam ser separadas da pregação, por ser essa a única maneira de evitar noções semi-mágicas e experiências espúrias.

Meu argumento é que o mesmo princípio se aplica a essa questão de convites para que as pessoas se decidam, e também que a tendência crescente vem sendo de pôr-se cada vez mais ênfase sobre o "apelo" e sobre as decisões, considerando isso como algo que subsiste por si mesmo. Lembro-me de ter estado em uma reunião evangelística na qual eu, além de outros, sentimos que o Evangelho não fora pregado, verdadeiramente. O Evangelho fora mencionado, mas certamente não fora comunicado, não fora pregado; para minha admiração, entretanto, grande número de pessoas se dirigiu à frente em resposta ao apelo feito no fim. E a pergunta que imediatamente se levantou foi: o que poderia explicar uma coisa assim? No dia seguinte eu discutia sobre essa questão com um amigo meu. Disse ele: "Nada há de difícil a respeito desse fenômeno: esses resultados nada têm a ver com a pregação". Então insisti: "Bem, nesse caso, o que é que acontece?" Replicou ele: "É Deus quem está respondendo às orações de milhares de pessoas que oram, pedindo tais resultados, ao redor do mundo; não é a pregação". Minha contenção é que não deveria haver tal disjunção entre o "apelo" e a pregação, da mesma maneira que não deve haver separação entre as ordenanças e a pregação.

Meu quarto ponto é que esse método certamente envolve, implicitamente, a idéia de que os pecadores possuem um poder inerente de decisão e de auto-conversão. Entretanto, isso não pode ser conciliado com o ensinamento escriturístico, segundo se vê em 1 Coríntios 2:14: "Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espirito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente". Ou como Efésios 2:1, que assevera: "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados". E ainda existem muitos trechos semelhantes.

 

Continuação ... 

Copiado de http://www.geocities.com/Athens/Delphi/7162




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