CAPÍTULO XXX de Schaff - "Nossa Crença e a dos Nossos Pais"
PELA lei católica romana, a educação, o casamento e os privilégios clericais
são assunto de jurisdição mista, em parte pertencendo a esfera da igreja.
e em parte a esfera do Estado. O motivo da classificação e possuírem tais
matérias conseqüências espirituais ou religiosas, assim como alcance civil
e social. A lista e arbitraria, porque e difícil mencionar uma questão que
se não reflita no bem-estar moral e espiritual do individuo. Se a pratica
da Idade Media fosse restabelecida, ter-se-ia de incluir entre as "questões
mistas" a posse e tributação da propriedade. Os protestantes americanos
concordam com a declaração feita por Leão XIII em sua immortale dei,
de que, nas chamadas questões de jurisdição mista, e do agrado de Deus que
a igreja e o Estado mantenham perfeita harmonia. Discordam quanto a idéia
que nutria o papa, qual a de que a igreja deva tomar a seu cargo o legislar
sobre assuntos que propriamente pertencem a jurisdição civil, ou compelir
os católicos romanos a resistirem ao Estado, quando este se recuse a condescender
com as exigências eclesiásticas. Em relação as questões mistas, Pio X, em
sua bula pascendi, de 1907, afirmou que a igreja, como rainha e soberana,
possui supremo direito de controle. E'aquilo se pode inferir da presunção
do papa de ser o vice-gerente de Deus na terra.
Nos Estados Unidos, a administração das escolas tem sido motivo de ativa controvérsia, desde os meados do século XIX. O propósito dos católicos romanos, de estabelecerem escolas separadas, sob a regência do clero, tem sido encarado como ameaça ao sistema de ensino público do país. Nos casos em que os protestantes tem, nos Estados Unidos, concordado com o estabelecimento de tais escolas, eles o tem feito em atenção sos direitos das minorias e para evitar mais serias expressões de discórdia do que as que se traduzem em discussões pela pena e pela tribuna. A mesma questão se tem agitado na França, Áustria, Alemanha e outros paises europeus.
- O Protestantismo insistiu, desde o começo, na educação
universal. Durante a Idade Média a educação inferior era confiada as escolas
catedralícias e abaciais, que eram especialmente destinadas ao preparo do
clero. O princípio enunciado por Jerônimo foi a norma do mosteiro medieval,
isto é, que a função mosterial não é a de ensinar, mas a de rezar - monachus
non docentis sed plangentis habet officium. Aqui e ali apareceram bispos
a proibirem expressamente que conventos de mulheres admitissem moças para
se instruírem; e onde os conventos ensinavam moças, parece que o faziam para
auferir auxílio a manutenção do estabelecimento. O movimento da Renascença
alcançou, na Itália, limitada classe. Foi sob oposição que Colet, Lily e outros,
no começo do século XVI, introduziram na Inglaterra escolas de Gramática.
A idéia democrática de educação foi pela primeira vez tentada, ou pelo menos
ensaiada, pelos místicos alemães ao longo do Reno, em escolas de Deventer,
Zwolle, Marburg e outros lugares.
Os Reformadores protestantes criaram a escola aldeã, exigiram que a educação
fosse proporcionada a todos e reclamaram dos Estados medidas tendentes a realização
desse objetivo. Em três diferentes escritos, Lutero lembrou aos magistrados
das cidades alemãs que abrissem escolas. em cada comunidade. No programa sugerido
por ele, antecipou nosso expediente moderno, prescrevendo que não só o Latim
e a Matemática fossem ensinados, mas também musica vocal e instrumental. Seu
esquema incluía escolas para meninas e para meninos e se baseava no princípio
de que as crianças devem ser educadas como seres espirituais e habilitadas
a se tornarem cidadãos "capazes, educados, prudentes, úteis e cultos",
Dando expressão a uma tendência liberal do espírito, disse também Lutero que
as vantagens de ordem secular justificariam a educação popular, ainda que
não houvesse alma nem céu. mas somente o Estado e a sociedade.
Em Zurich, os conventos foram transformados em escolas. Em Genebra, leis
severas inculcaram um programa de educação geral e toda criança era compelida
a freqüentar a escola. Foram tomadas medidas para que os filhos dos pobres
freqüentassem, e os cidadãos que se recusassem a cumprir a lei eram despojados
de direitos políticos. Na Escócia igual rigor havia. 0 Primeiro Livro de Disciplina,
1560, reclamava um esquema geral de educação, segundo o qual escolas elementares
deviam estabelecer-se em todas as paróquias e uma escola de Gramática em cada
cidade importante; todos os meninos eram obrigados a freqüência, tendo sido
tomadas providencias no tocante aos filhos dos pobres.
No solo américano os Puritanos se deram pressa em implantar a prática
da educação universal. A observação de Bancroft - Miscelâne de Literatura
e História, p. 405 - de que "Calvino foi o pai da educação popular,
o inventor do sistema da escola pública", e verdadeira, se a observação
se aplicar aos descendentes espirituais de, Calvino, na América e nos paises
calvinistas da Europa Ocidental; mas a Lutero pertence a gl6ria de ter sido
0 primeiro a advogar o princípio. As leis do Massachusetts, 1647; de Connecticut,
1650; e de New Haven, 1657, determinaram a abertura de escolas elementares
em comunidades de cinqüenta famílias e uma escola de Gramática em comunidades
de cem famílias. A principal razão dada para a existência de escolas, segundo
aqueles Códigos, era a de que as crianças pudessem aprender a ler as Escrituras,
burlando "o desígnio do velho enganador, Satanás, de conservar o homem
longe do conhecimento das Escrituras". Mr. Fiske justamente observou
que "um dos princípios cardeais do Calvinismo democrático tem sido sempre
a educação elementar". Também colégios, como os de Harvard, Yale, William
and Mary e Princeton, floresceram em comunidades protestantes.
Seria difícil, senão impossível, encontrar uma encíclica papal,
publicada antes do período da Reforma ou durante ele, que defendesse a educação
geral, ou uma encíclica endereçada, em qualquer tempo, a países caracteristicamente
católicos romanos, chamando a atenção para ela. Em paises católicos romanos,
a ignorância assinala notável contraste com a porcentagem dos alfabetizados
em terras reconhecidamente protestantes, ou em paises como a França, onde,
pelas leis de 1882-1905, as escolas eram leigas, sendo excluídos o
ensino e os mestres religiosas. O contraste se estabelece pela comparação
entre Espanha e Itália, de uma lado, e Prússia e escócia de outro; ou entre
os Estados Unidos e o Canadá, de uma lado e, de outro, os demais países do
continente ocidental. Na Itália há na população 37% de analfabetos; na Espanha
45%; enquanto que na Prússia todos, à exceção de 0,3%, sabem ler e escrever;
e na Escócia sabem-no todos, exceto 1,6%. Nos estados Unidos, onde a imigração
de católicos romanos da Europa introduziu, em anos recentes, grande multidão
de pessoas incapazes de ler e escrever, há 8% de analfabetos, enquanto que
no México e nos países da América,do Sul a porcentagem de analfabetos varia
entre 49 e 70%. Quem é responsável por essas condições? 1
- Nenhuma cláusula referente a educação foi incluída
na Constituição dos Estados Unidos. Sem dúvida que os autores daquele documento
deixaram subentendido que as escolas continuariam a ser dirigidas pela forma
por que o eram antes que fosse escrito aquele diploma. O assunto tem sido
encarado como claramente incluído nos poderes conferidos ao governo, de "promover
o bem-estar geral e assegurar as bênçãos da liberdade a nós mesmos e à posteridade".
Dois anos antes que fosse adotada a Constituição, já se dava apoio nacional
à causa da educação, na ordenança de Northwest, a qual prescrevia "que
a religião; a moralidade e o conhecimento, sendo necessários ao bom governo
e à felicidade da humanidade, as escolas e os meios de educação seriam sempre
estimulados". Durante o período colonial, sendo pequena a população católica
romana, não se levantou a questão religiosa das escolas.
A primeira tentativa de conseguir apoio municipal, feita por uma
escola católica romana local, verificou-se em Detroit, em 1808, mas abortou.
Tentativa semelhante, feita em Lowell, Massachusetts, onde era ponderável
a população católica, triunfou em 1830. Desde 1840 foram apresentadas petições
de católicos de Nova York, reclamando uma parte dos fundos educacionais do
Estado - e o arcebispo Hughes defendeu o ponto de vista, segundo o qual a
população católica "tinha direito a uma proporção certa e justa dos fundos
escolares".
A partir do ano de 1850, duas propostas tem sido formuladas pelos
católicos américanos: uma reclamando o estabelecimento de uma escola romana
separada em cada paróquia dessa religião, e outra reclamando uma verba destacada
dos fundos escolares, garantida por impostos. A primeira pretensão encontrou
apoio tão geral, que presentemente há escolas separadas para metade das crianças
católicas romanas dos Estados Unidos. A segunda proposição não encontrou acolhimento
favorável em nenhum dos Estados. Uma terceira proposta, emanada de diferentes
fontes, pretendendo uma lei que proíba que a Bíblia seja lida nas escolas
públicas, foi acolhida favoravelmente nos Estados de Nebrasca, Illinois e
Wisconsin,
e repelida por outros, como Texas, que declarou que a proibição da leitura
da Bíblia, de orações e cânticos de caráter religioso "em edifícios públicos,
produziria condições que se avizinhariam da anarquia moral". A sugestão
feita pelos protestantes, no sentido de que a Versão de Rheims fosse lida
onde os católicos se encontram em maioria, foi posta à margem pelos líderes
católicos, com fundamento em que a impressão que causa a leitura da Bíblia
depende, em certa medida, do leitor. A escola paroquial foi assunto de debate
no Concílio Plenário de Baltimore, em 1852. O Segundo Concílio Plenário, 1866,
aludiu aos sérios males que cercam a mocidade católica romana que freqüenta
as escolas públicas do país. O Terceiro Concílio, 1884, foi mais longe, predizendo
que "a educação meramente secular da escola americana gradativamente
se degeneraria numa educação infiel e ímpia". O Concílio ordenou que
uma escola fosse erigida pr6ximo a cada igreja, ameaçou de disciplina os sacerdotes
negligentes no observar se tais escolas se encontravam em funcionamento e
instruiu os pais católicos sobre o dever de enviarem os filhos a escola paroquial,
sob pena de censuras eclesiásticas. O sistema de escolas separadas tem contado
entre seus mais vigorosos apologistas, na tribuna e na imprensa, o arcebispo
Spalding e o bispo McQuaid, de Rochester.
Desde a abertura desse período de agitação, vieram de Roma instruções,
versando sobre a educação mantida pelo Estado ,e sobre a obrigação de os católicos
romanos da América organizarem um programa escolar sob a direção do clero.
Em 1864, Pio IX denunciou como "doutrina perniciosa" a educação
religiosa dirigida pelo Estado, independentemente das autoridades eclesiásticas.
Desde aquele tempo vem a se romana alongando ansiosamente o braço através
do Atlântico, para dirigir a política dos católicos romanos neste país (Estados
Unidos), em matéria de educação. Em 1875, vieram aos bispos americanos "Instruções
concernentes as Escolas públicas dos Estados Unidos", expedidas pela
Congregação da Propaganda, de que a igreja americana então dependia. O documento
pretende basear-se em investigações de nosso sistema escolar, conduzidas de
Roma, e sentenciava que, se a religião e a piedade não se haviam já excluído
da "mais florescente nação americana", estavam em perigo de ser
suprimidas; e ainda mais: "os maiores males estavam ameaçando fortemente
a mocidade católica, através das escolas públicas, as quais não devem ser
freqüentadas, com tranqüila consciência, pelos católicos romanos", salvo
quando for concedida licença pelo guia espiritual. Pronunciamentos de tal
natureza foram especificamente aprovados por Leão XIII, em sua encíclica -
sobre Canisius - Obras 7:46-55 - ao se colocar contra as escolas mistas
- scholas mixtas - e quando ordenou que por toda a parte estabelecessem
os católicos suas próprias escolas servidas por mestres católicos. Em sua
encíclica Barromeo, 1910, Pio X denunciou, ao cogitar do estabelecimento de
escolas genuinamente católicas romanas, "a conduta de nossas escolas
públicas, destituídas inteiramente de instrução religiosa e onde o povo se
diverte em zombar das mais sagradas verdades" - e condenou todas as escolas
neutras ou leigas como coisas que estão sob a orientação de grupos tenebrosos
- tenebricosae sectae domanatus - empenhados em "impor um jugo
de liberdade hipócrita".
A atitude assumida por Leão era a de que a igreja romana tem: 1)-o
direito exclusivo de ensinar religião a seus filhos; 2)-que ela não pode aprovar
escolas em que se não ensine religião; 3)-que ao Estado cumpre velar pela
observância das leis de higiene e no sentido de que coisa alguma de subversivo
se ensine contra sua autoridade; 4)-que o monopólio da educação, feita pelo
Estado, pouco se afasta do despotismo. A lei, conforme vem definida no Código
Beneditino, 1393-83, inculca que a religião seja ensinada em toda escola;
que os mestres e livros de classe estejam sujeitos a aprovação do bispo; e
que, nas escolas secundárias, os mestres sejam sacerdotes de reconhecida ilustração
doutrinária. Proíbe que as crianças católicas freqüentem escolas não católicas,
neutras ou mistas, e, nos casos em que o Estado mantenha Universidade não
submetida a controle católico romano, recomenda que uma Universidade católica
se estabeleça nas vizinhanças da instituição do Estado. 2
Alguns dos mais ardorosos advogados do sistema educativa católico
romano, como o arcebispo Spalding e o bispo McQuaid, têm condenado a oposição
ao sistema escolar sob direção pública. Escreveu o Dr. Spalding: "Somos
irrestritamente pelas escolas livres. Se estivesse em minhas mãos, eu não
somente conservaria o sistema de escola pública, mas coisa alguma deixaria
por fazer, para o desenvolver e aperfeiçoar". Simultaneamente, faz-se
a ameaça de tremenda oposição, caso o Estado venha a interferir nas escolas
católicas romanas. O cardeal Gibbons, por exemplo, em seu Retrospecto de Cinqüenta
Anos - p . 232 - declarou que, "se o Estado nos proibisse, a nós, católicos,
de continuarmos com nossas escolas paroquiais, resistiríamos até ao extremo.
O Estado não tem direito de privar os católicos da influencia religiosa diária,
que sentimos ser útil à felicidade espiritual e eterna".
- Os protestantes concordam com os católicos romanos,
em que a religião seja parte essencial da educação e que seja impossível a
educação moral segura, à parte da instrução religiosa; mas insistem em que
a educação religiosa é dever primário do lar; que e desejável que, no limite
do possível, sejam abertamente religiosos os professores de nossas escolas
públicas; e que os elementos de religião, comuns a todas as frações do povo,
ou pelo menos comuns a grande maioria, sejam ensinados: mas; em vista da variedade
da população dos Estados Unidos, não se tolere nenhum ensino ou influencia
denominacional.
Inculcando sua política, os escritores católicos romanos, e especialmente
os membros da Ordem dos Jesuítas, têm feito asserções destinadas a impressionar
a um auditório popular, mas não justificadas pelos fatos. Tem propagado a
idéia de que a escola pública "não é instituição americana e, subvertendo
o sistema, o cidadão não combate às instituições americanas"; que o sistema
procede de "antiga fonte pagã"; que nenhum dos signatários da Declaração
viu uma escola pública. A argumentação perverte a verdade por abuso de palavras.
Os fatos essenciais são que as escolas do período colonial eram mantidas pelos
fundos públicos, como em parte o eram os colégios, e que a moderna escola
pública não é novidade. Também tem sido costume, mesmo das mais altas rodas,
denunciar nossas escolas públicas como "ímpias" e tratar os pais
católicos romanos, que enviam as escolas seus filhos, sem licença eclesiástica;
como "filhos recalcitrantes da fé", visto que nelas'"a "ruína
das almas é inevitável". A acusação de serem ímpias essas escolas é um
insulto aos milhares de protestantes que nelas ensinam e as dirigem. De 150.000
professores de nessas escolas públicas; em 1921, 130.000 estavam filiados
à uma igreja.
Para o não-católico, a escola paroquial compulsória parece constituir
ameaça à unidade da nação e à harmonia religiosa do país. Em primeiro lugar;
ela obedece a um mandato que, se originariamente não procede de fora, tem
sido inculcado pelo Vaticano: Suas ordens parecem hostis à liberdade individual,
ditando a política que uma parte do povo americano deva seguir. As crianças,
desde que não estejam protegidas por especial isenção dada pelo sacerdote,
são obrigadas a assistir a escola paroquial ou sofrer penalidades eclesiásticas;
e a freqüência a universidades ou colégios do Estado, não colocados originariamente
sob direção católica, é apenas "tolerada" e encarada como ameaça
à fé dos estudantes católicos. Quando os escritores afirmam que "os sistemas
de ensino católico e não-católico são absolutamente irreconciliáveis",
eles veiculam o juízo do Vaticano. Veja-se, por exemplo, América, de
3 de outubro de 1925.
Em segundo lugar, a escola paroquial, como instituição compulsória,
ameaça dividir a coletividade americana e realçar ou exacerbar as diferenças
que separam as populações católicas romanas e protestantes. Desde a primeira
idade as crianças católicas romanas são separadas das outras crianças, nos
recreios e nas salas de aula; assentam-se dia após dia aos pés de mestres
que ostentam roupagem religiosa característica, os quais, pelo seu medo de
ensino e suas aparências, acentuam o sistema doutrinário e a superioridade
da igreja romana na preparação para os deveres cívicos. Uma das vantagens
da sistema da escola pública tem tido, justamente, a de se presumir que ela
ponha em contacto crianças de todas as classes e credos, educando-as nas mesmas
tradições nacionais e no sentimento de igualdade de privilégios.
Em terceiro lugar, a escola paroquial compulsória põe em perigo
o próprio princípio sobre que foi fundada a República a separação entre a
Igreja e o Estado. Além disso, é de molde a criar na mente do estudante a
idéia de que toda educação, para que seja normal, deve processar-se sob controle
da igreja romana; que a religião Católica Romana é exclusivamente a que Deus
ensinou a este mundo; e que os únicos mestres idôneos para o magistério são
os sacerdotes e os "religiosos". Os católicos romanos que freqüentam
a escola pública são tratados não só como desobedientes à igreja, mas ao próprio
Decálogo, a eterna lei de Deus. Os manuais populares, tais como o Manual
de Orações, publicado sob a direção do Concílio de Baltimore, p. 279,
coloca entre as violações do quinto mandamento "mandar os filhos às escolas
protestantes e a outras escolas perigosas".
Ademais, não contentes com possuírem suas próprias escolas, os católicos
romanos têm, em alguns casos, revelado abertamente a determinação de romanizarem
as escolas públicas e queixarem-se de injustiça, se não receberem uma parte
dos fundos públicos. Têm introduzido nas escolas públicas professores católicos
Romanos, envergando sua roupeta distintiva e o rosário. Em 1894, quando semelhante
prática foi levada ao conhecimento da Corte Suprema de Pensilvânia, a Corte
sustentou a prática, mas, em atenção ao sentimento do público, a legislatura
estadual de 1895 aprovou uma resolução, proibindo o uso de vestuário religioso
característico nas salas de ensino público, tendo sido a resolução legislativa
sustentada pela Corte Suprema do Estado. Em 1905, a mesma questão se levantou
no Estado de Nova York, onde a Corte de Apelação manteve uma decisão do superintendente
das escolas estaduais, proibindo que as freiras católicas usassem vestuário
distintivo nas salas de ensino público. A razão dada pela Corte foi a de que
tais vestuários se destinam a inspirar respeito em razão da comunidade religiosa
especial a que o professor possa pertencer e, assim sendo, a pratica viola
a Constituição. Se a exigência católica romana houvesse prevalecido, o membro
da Ordem Maçônica teria direito de se apresentar com as insígnias maçônicas.
- Entre os remédios propostos para remover a divisão
de sentimentos e para preservar a prática tradicional da educação americana,
figuram os seguintes:
1. Uma lei compulsória, exigindo que todas as crianças freqüentem
a escola pública, até que atinjam certo grau. Tal lei, adotada pelo Estado
de Oregon em 1922, foi declarada inconstitucional pela Corte, sob o fundamento
de que ela interferiria no direito dos pais, de escolherem a maneira pela,
qual seus filhos devam ser educados. A oposição se expressou nas palavras:
a criança não é "mera criatura do Estado".
2. O reconhecimento, por parte do Estado, da escola paroquial romana,
mediante a compra dos edifícios escolares e a atribuição de uma porcentagem
certa de taxas escolares a tais escolas. Com a população americana constituída
como se acha, tal solução exigiria que o mesmo privilégio fosse concedido,
a custa do Estado, às escolas particulares mantidas por protestantes, judeus,
católicos gregos, mórmons e livre-pensadores. Uma objeção irrespondível seria
a de que o Estado estaria sustentando instituições em que se ensinam os dogmas
de uma religião particular. Poderia parecer que os católicos romanos, uma
vez que reclamam a partilha dos fundos escolares como ato de justiça, fossem
favoráveis à plena superintendência do Estado sobre suas escolas. Citando
o bispo McQuaid, eles são favoráveis apenas a "certa dose de inspeção
as escolas paroquiais católicas".
3. O terceiro remédio que se propõe é uma lei que obrigue todas
as crianças a freqüentarem as escolas dirigidas pelo Estado, com a faculdade
de, em certa parte do período escolar, terem liberdade para assistir a instrução
religiosa que seus pais venham a escolher. Esse plano é substancialmente o
que foi preconizado pelo arcebispo Ireland, de S . Paulo, e posto em prática
em Stillwater e Faribault, Wisconsin, em 1891. As vantagens que o plano apresenta
são: resguardar o princípio americano de constituir dever do Estado educar
seus cidadãos; dar aos católicos romanos oportunidade de contrabalançar a
chamada impiedade das, escolas públicas e colocar lado a lado crianças de
todas as classes e de todos os tipos de religião, no estudo dos ramos seculares
da educação. O esquema tem sido posto em prática em certo numero de cidades
e muitos protestantes acolhem bem semelhante solução. Eminentes prelados romanos,
como o cardeal Hayes, de Nova York, e o arcebispo Messmar, de Milwaukee, publicamente
o tem elogiado, na parte em que concorre para a educação religiosa.3 Em 1927
o plano recebeu aprovação por parte da Corte de Apelação de Nova York, que
declarou que ele não envolve "a mínima quebra do direito constitucional,
nem viola exigências legais". A decisão torna a freqüência das crianças
a cursos de religião dependente dos pais e permite a concessão de credito
para as horas gastas em instrução religiosa.
Os protestantes discordam da opinião do cardeal Satolli, antigo
delegado apostólico junto às igrejas romanas dos Estados Unidos, quando, em
discurso pronunciado perante o Colégio Gonzaga, em 1883, dizia que "quanto
mais a opinião pública e o governo dos Estados Unidos favorecessem as escolas
católicas, maior seria o avanço no bem-estar da comunidade. A educação católica
é a mais segura salvaguarda da permanência, através dos séculos, da Constituição
Americana, e o melhor guia da República no progresso cívico". Por três
quartos de século, antes que uma escola paroquial se estabelecesse no país,
já a felicidade da República se mantinha, na medida em que a educação da escola
possa concorrer para tal.
Não ha divergência entre os católicos romanos e os protestantes,
em referência ao direito que tem qualquer comunidade eclesiástica, de estabelecer
exigências no tocante ao casamento de seus próprios membros. Pertencem, porém,
a uma classe ofensiva as exigências que difamam as leis do Estado, à força
de desacreditarem os casamentos celebrados de acordo com elas ou de anularem
tais leis. Durante gerações, as leis matrimoniais católicas romanas têm estado
em conflito com as leis matrimoniais não só dos países predominantemente protestantes,
mas de países católicos romanos, que tenham adotado o casamento civil. 0 Direito
Canônico foi modificado por Espanha, Portugal, Itália, Áustria e Baviera e
pelas Repúblicas da América do Sul. A última das nações sul-americanas a legalizar
o casamento por meio de legislação civil foi o Equador, seguido pela Bolívia.
As modificações legais, que removem barreiras à validade de casamentos não
contraídos perante o sacerdote, têm invariavelmente encontrado pela frente
o protesto do Vaticano. O Estado trata o casamento como direito natural e,
através de suas leis; visa o bem-estar temporal de seus cidadãos.
Como já se disse, a linguagem dos pontífices recentes está muito
próxima de colocar os casamentos não realizados perante o sacerdote no mesmo
nível do concubinato. Segundo D. Hay Fleming, o bispo romano de Galloway recentemente
afirmou: "de acordo com a mais alta autoridade, nenhum católico pode
contrair um matrimônio válido fora da igreja católica; e uma tal ofensa sacrílega
é tida como ato de asqueroso concubinato". No Syllabus de 1864,
Pio IX declarou que o contrato civil entre os cristãos não constitui verdadeiro
matrimônio.- veri nominis matrimonium - e condenou a opinião de que
o matrimônio seja, por sua própria natureza, matéria de direito civil. Doze
anos antes - 1852 - Pio havia caracterizado, em acerbissium, os casamentos
civis como nada menos que torpe e abominável concubinato - turpem et exitialem
concubinatum - condição amaldiçoada pela igreja. Leão XIII, em Arcanum,
afirmou que a união de homem e mulher, que não seja sacramental - citra
sacramentum - ressente-se de falta de força e essência do matrimônio legítimo;
e, numa encíclica de abril de 1878 - Obras, 1:12 - virtualmente tratou
o casamento civil de concubinato legal. Em sua carta ao cardeal de Canossa,
de 8 de fevereiro de 1893 - Obras, 5:144-152 - após insistir na elevação,
feita por Cristo, do casamento à dignidade de sacramento, o pontífice passou
a definir sua atitude, de que o Estado usurpa os direitos da igreja, quando
faz leis sobre o assunto independente da mesma igreja, ou lhe nega o direito
de impor censuras aos contraentes. Para os cristãos, diz o Catecismo de Pio
X, "não é bastante que eles se casem perante o funcionário civil, porque
o casamento é um sacramento e somente o que é sacramento à vista de Deus e
matrimônio". A encíclica provida, publicada por Pio X em 1906,
desabonando os casamentos mistos, levantou tal indisposição na Europa Central,
que o pontífice foi obrigado a definir melhor sua atitude, em encíclica à
parte. Em sua Teologia Moral, diz Slater que "a autoridade civil
tem possivelmente jurisdição sobre os cidadãos não batizados, podendo estabelecer
impedimentos a tais casamentos", dai se inferindo que ela não tem ação
para estabelecer impedimentos em relação ao matrimônio de pessoas batizadas.
Segundo o Direito Canônico, a jurisdição civil se limita aos chamados efeitos
civis, como os direitos de propriedade. Essa é a posição tomada pelo Catecismo
de Baltimore, ao dizer que "só a igreja tem direito de legislar no tocante
ao sacramento do matrimônio. O Estado também tem o direito de o fazer, no
que se refere aos efeitos civis do contrato matrimonial".
Um dos primeiros atos sobre o matrimônio romano, divulgado em solo
americano, partiu do bispo Carroll, em 1792 - Guilday, Vida de Carroll,
II:775, 780. Ele negava absolvição a todos os que se não casassem perante
o sacerdote, enquanto não confessassem sua desobediência. O Sexto Concílio
Provincial de Baltimore, 1849, proibiu que o sacerdote fosse presente a um
casamento já celebrado por ministro protestante, ou no caso de as partes pretenderem,
após a cerimônia católica, comparecer perante ministro protestante. Por decreto
do Primeiro Concílio Plenário de 1852, os sacerdotes foram proibidos de dar
a bênção aos que estivessem perto de se casar perante um ministro. Por decreto
do Terceiro Concílio, 1866, os católicos casados perante um ministro sectário
eram considerados sob excomunhão. Tais injunções poderiam ser tomadas como
assunto de família, visando somente os membros da igreja romana, e também
podem ser aplicadas a todas as pessoas batizadas, porque o papa pretende ter
certa jurisdição sobre todas elas. Quando, porém, os casamentos mistos são
reputados "detestáveis", como o foram por Bento XIV, uma nova lei
se levanta, porque a sentença recai sobre decretos e costumes das Nações.
Quando foi compelido a suspender a lei Tridentina, concernente a casamentos
mistos, na Holanda e na Bélgica, assim como haviam as leis romanas sofrido
descontinuidade de vigência na Áustria, em Breslau, em Colônia e em outras
dioceses alemãs, tendo sido concedida validade a casamentos mistos - Bento,
como veio a fazer Pio X dois séculos depois, exercia o direito papal de suspender
leis da igreja ou validar lei hostil a decretos da igreja romana. Através
de todo o antigo Império Alemão, o casamento celebrado perante o magistrado
civil era obrigatório e devia preceder a cerimônia celebrada por ministro
protestante ou sacerdote católico; e, se estes violassem a lei, seriam punidos
com multa de trezentos marcos-ouro, ou três meses de prisão. A Áustria, bem
como a Alemanha, inclusive a Baviera, determinam aos meninos e meninas, que
resultem de casamentos mistos, ora o pai, ora a mãe, como a pessoa responsável
por sua condição religiosa e educação, salvo quando um contrato definido sobre
o assunto tenha sido firmado antes da união. Na França, pela lei de 1802,
que foi antecipada pela lei de 1792, a cerimônia civil devia preceder a qualquer
cerimônia religiosa. Em face de tal legislação, em 1923 os bispos e arcebispos
alemães declararam que a igreja romana estava perdendo anualmente maior numero
de almas, graças aos casamentos mistos, do que estava ganhando no mundo inteiro,
através das missões - e proibiram a absolvição da parte contraente católica
que se recusasse a subscrever a legislação católica sobre o matrimônio. Em
1921, a hierarquia bávara prescreveu um juramento a ser subscrito por ambas
as partes e pelo sacerdote, antes da cerimônia, estipulando que todos os filhos
fossem batizados e criados "na religião romana". Uma declaração
assinada, de igual conteúdo, se requer na Inglaterra de cada uma das partes
contraentes de casamento misto. A declaração inglesa inclui o juramento deste
teor: "Meu casamento na igreja católica não será precedido nem seguido
de nenhuma outra cerimônia religiosa".
Os protestantes sustentam que a sociedade e o Estado tem pleno direito
de legislar no tocante ao casamento e que suas leis são tão sagradas como
as eclesiásticas, desde que não sejam imorais. Sustentam também que todas
as pessoas, batizadas ou não, estão em igualdade, quando consentem no matrimônio,
de acordo com a lei natural primária da natureza, estabelecida por Deus. A
prática protestante não vai além de recomendar o casamento perante um clérigo,
como o faz o Manual de Culto de Westminster, de 1645, ao dizer que, "embora
o casamento não seja um sacramento, nem prática peculiar à igreja de Deus,
mas seja comum a humanidade e de interesse público de todas as comunidades,
e conveniente que o matrimônio seja solenizado pela presença de um ministro
legal da Palavra, para que ele aconselhe as partes e invoque a bênção sobre
elas". Em 1653, o Longo Parlamento ordenou que os casamentos fossem solenizados
perante o juiz de paz. Os Peregrinos encontraram o costume da cerimônia civil
em voga na Holanda e com os Puritanos o transportaram para a Nova Inglaterra.
Até a última parte do século XVII, os casamentos realizados na Nova Inglaterra
não o eram perante um ministro.
Os casos em ,que a Lei Canônica dos católicos possa colidir com
o Estado, de modo a desabonar o casamento realizado de acordo com a lei civil,
são os seguintes: a excomunhão pode recair sobre o católico romano que se
uma um não-católico, ou pode a igreja recorrer a outras medidas destinadas
a atrair ódio sobre as partes, resultando dai prejuízo em seu bem-estar na
comunidade ou em seus haveres. Poderia a parte prejudicada recorrer à corte
civil e obter reparação? Ou, se, no caso de matrimônio de não-católicos, um
deles ingressa na igreja católica e consegue divórcio, com a faculdade de
se casar de novo, pode o Estado anular
o segundo casamento, se realizado perante o sacerdote? Porque, pelo Direito
Canônico - 1120-1126 - tal casamento, legitimado pelo Código Civil, pode ser
dissolvido em favor da parte católica, consoante o Privilegium Paulinum.
Ademais, as muitas proibições e impedimentos, que a lei romana opõe, chocam-se,
como tem acontecido, com os costumes da sociedade moderna e colocam um estigma
sobre os que os desconhecem, como nos casos de proibição do casamento com
irmã da esposa falecida, o casamento entre primos no terceiro grau, ou o casamento
dentro da esfera dos chamados limites da afinidade espiritual - como do padrinho
com a afilhada ou do tutor com a tutelada.
A atitude da igreja romana para com o casamento civil, segundo as
explanações de Sullivan e outros, e a de que o Estado "não tem direito
de anular casamentos, embora tenha direito de os regular, requerendo, por
exemplo, que seja obtida licença e seja o contrato registrado". Esta
regra, embora a explanação, nos termos em que e feita, não admita exceção,
deve ser tida como referente aos casamentos católicos romanos, porque alguns
escritores romanos proclamam que a igreja não tem jurisdição sobre o casamento
de pessoas não batizadas.
Em vários casos recentes, que se tornaram not6rios em razão da posição
elevada dos protagonistas, o Tribunal Romano da Rota, anulando casamentos
e permitindo às partes novo casamento e continuação em boas relações com a
igreja romana, tem afirmado não só o direito de agir independentemente do
Estado, mas o de desprezar uma relação sancionada pela natureza. Marconi e
Miss O'Brien, filha do barão Inchiquin, casaram-se em 1903, separaram-se em
1925 e divorciaram-se por sentença judicial em 1927. A despeito de sua convivência
por certo numero de anos, como marido e mulher, o Vaticano lhes concedeu divórcio
em 1927, com o fundamento de que, em se casando, tinham feito um arranjo para
se separarem em qualquer tempo em que lhes aprouvesse faze-lo. O ex-marido
se casou imediatamente e foi imediatamente recebido em audiência, segundo
se divulgou, por Pio XI. Logicamente poderia parecer que as partes tivessem
vivido em estado de concubinato por muitos anos, porque, se sua relação não
era a de matrimônio, era de concubinato.
No segundo caso o Tribunal Romano não só se colocou acima da ratificação
que a natureza concede a um casamento que tenha durado por aproximadamente
um quarto de século e pelo nascimento de filhos, por todos reconhecidos como
legítimos, mas anulou ato de clérigos protestantes, valido por lei do Estado.
O duque de Marlborough e Consuelo Vanderbilt se casaram em 1895, na igreja
de S. Tomaz, Nova York, segundo a lei do Estado daquele nome, perante dois
bispos da Igreja Episcopal e o pastor da igreja, na presença de muitas testemunhas.
Dois filhos nasceram da união. Depois de terem vivido juntos por certo número
de anos, as partes concordaram em uma separação de fato, mais tarde revogada.
0 duque era culpado de conduta irregular e em 1920 se divorciaram, de acordo
com a lei inglesa e com fundamento na infidelidade do marido, após ter a esposa
expressado em vão seu desejo de com ele conviver. A esposa se casou de novo.
Em 1926, o marido, nominalmente protestante, encaminhou, por intermédio de
uma corte eclesiástica inglesa, um pedido de divórcio, endereçado à Rota Romana,
e o casamento foi anulado, sob o pretexto de que, ao tempo em que foi celebrado
o matrimônio, estava Miss Vanderbilt sob pressão de outros para o contrair.
Afirma-se que entre os testemunhos se incluiu o de que, ao tempo do casamento,
a noiva estava de amores com outro cavalheiro, o qual, entretanto, se casara
em 1890, cinco anos antes que ela o fizesse e em época em que ela ainda não
contava 13 anos! A lei civil, nos casos em que haja emprego de violência,
admite que o consentimento posterior torna válido o matrimônio. " O Tribunal
Romano afronta esse princípio e despreza a solicitação da esposa, no sentido
de que o marido lhe respeitasse os direitos conjugais. Desde 1927 o duque
de Marlborough entrou para a igreja romana, casou-se outra vez com pessoa
a quem, segundo se diz, já se havia ligado durante seu casamento anterior,
e foi recebido por Pio XI. Qual era, logo, pode-se perguntar, a relação entre
os dois, durante o tempo em que viveram juntos? Se o decreto romano tiver
algum valor, a relação não seria a de obstinada e continua incontinência pecaminosa
e, diante da lei romana, não seriam ilegítimos os filhos nascidos de semelhante
união?
O defensor católico romano cita o Direito Canônico - cânon 1087
- que diz: "Um casamento não e válido quando contraído em razão de violência
grave ou temor infundido injustamente por um agente externo, para se livrar
do qual o contraente se vê constrangido a preferir o matrimônio". Que
valor possui, entretanto, um artigo de lei canônica, que anula as leis da
natureza, pelas quais se tornam reconhecidos os laços do matrimônio? E em
que vai dar a superior santidade, que a igreja romana pretende atribuir ao
matrimônio, se a prática do matrimônio pode ser tratada como se não tivesse
existido e a matrimônio subseqüente se concede bênção canônica?
Dois outros casos se podem citar. O primeiro, um caso hipotético,
inventado pelo jesuíta Gobat-Hoensbroech: Papstthum, II:287 - e o que
se segue: um homem viola uma moça, que da a luz um filho. O Estado promove
ação penal. O homem se une a uma ordem religiosa, que proíbe o casamento de
seus membros. Tem o Estado direito de impor pena em razão do crime? A resposta
é provavelmente negativa. Certamente que não, se o ofensor fosse clérigo ao
tempo em que a moça foi ofendida. Em outro caso, ocorrido em importante subúrbio
de grande cidade americana, o sacerdote fora encontrado a coabitar com mulher
solteira pelos irmãos desta. Os culpados foram conduzidos a uma cidade da
vizinhança e se casaram perante o magistrado civil, como a imprensa noticiou
com abundância. Um ou dois dias depois, o sacerdote desapareceu. Que poderia
fazer a lei civil, no caso em que a mulher reclamasse seus direitos? Explicita
é a lei romana, de que é nulo e inoperante o casamento contraído por um sacerdote,
e mulher alguma, que tenha sido prejudicada, tem qualquer direito líquido
a reparações. Ajustará o Estado seus costumes matrimoniais aos regulamentos
da igreja romana, ou deve a igreja romana ajustar seus regulamentos a legislação
do Estado? Qual a esfera soberana em matéria de casamento? Note-se que o juiz,
se for católico romano, não merece censura pela lei canônica, se proferir
sentença de divórcio, considerando-se a responsabilidade da separação lançada
sobre os cônjuges.
Se outra vez nos voltarmos para as paginas da história, relendo
a vida de Henrique VIII, sua separação de Catarina de Aragão e seu novo casamento
com Ana Boleyn, é evidente que
Clemente VII não teve escrúpulo em conceder dispensa ao rei, fundado em subtilezas
canônicas - subtilezas que tinham sido postas à margem, com bastante freqüência,
na geração de Henrique. A separação conjugal e o novo casamento tinham sido
permitidos pelo papa, na própria família de Henrique. Enquanto o pedido de
divórcio, feito por Henrique, estava sendo processado em Roma, sua irmã mais
moça, Margarida, esposa de Tiago IV da Escócia; recebia dispensa, com fundamento
na afinidade de sangue dos contraentes, em quarto grau. À morte de Tiago,
Margarida se casou com o conde de Angus, e depois obteve do papa Clemente
VII dispensa para abandonar Angus e desposar Henrique Stewart, que por sua
vez se divorciara da esposa para desposar Margarida. Esta conseguiu mais tarde
um decreto de anulação de seu casamento com Henrique, ainda que seu filho,
Tiago V, evitasse que a decisão fosse publicada. Pouco tempo antes do caso
de Henrique VIII, fora concedida dispensa, pelo papa Júlio II, ao rei de Castela,
para deixar a esposa, em razão de sua esterilidade, e se casar com outra.
No caso de Maria, rainha da Escócia, seu segundo marido escocês, Bothwell,
havia conseguido dispensa para desposar Lady Jean Gordon, estando os dois
dentro dos graus de proibição canônica; e mais tarde, oito dias antes do casamento
de Bothwell com Maria, o casamento daquele com Lady Jean foi declarado nulo,
desde o começo, pelo arcebispo da corte, Hamilton. É claro que, para Clemente
VII, a questão não estava na infidelidade conjugal ou na moral doméstica.
Henrique VIII havia corrompido a irmã mais velha de Ana. Por meio de concubinas,
o rei tinha filhos, dos quais fez duques. Nenhum papa o condenou por essas
irregularidades. Em época posterior, Clemente foi acusado por Sixto V de favorecer
o casamento de Henrique com Catarina, por motivo sórdido. Sixto declarou pecaminosa
a união, de tal sorte que a igreja não a podia tolerar. Em matéria de validades
de casamento, parece ser verdade que o pontífice romano, quando resolve uma
coisa, se sobrepõe a todos os tribunais, quer civis, quer eclesiásticos.
O benefício do clero, assim chamado, eximindo sacerdotes
e religiosos de certos deveres cívicos, remonta aos tempos de Constantino
e dos imperadores romanos. Constantino dispensou o clero do serviço militar
compulsório. Teodósio o isentou do dever de prestar depoimento perante os
tribunais civis e Heráclito, 628, reservou o processo de todos os crimes cometidos
por sacerdotes a tribunais clericais. O principio foi desenvolvido minuciosamente
nas Decretais pseudo-Isidorianas e se tornou lei na Idade Média. A história
medieval inglesa não conhece luta mais amarga do que o conflito sobre a jurisdição
exclusiva do tribunal eclesiástico, em questões de propriedades e crimes clericais,
mesmo de crimes graves. A luta teve seu ponto culminante quando Tomaz a Becket
resistiu a Henrique II e as Constituições de Clarendon. A arrogância de Tomaz
se expressou na exclamação: - "Quem ignora que os sacerdotes são pais
e mães de reis!" O benefício do clero se estendeu a todas as classes
de clérigos, membros das ordens menores como das maiores, e um estatuto houve
que o tornou extensivo a quem quer que pudesse "ler como um clérigo".
Refere Wyclif que em seu tempo todo o corpo de leigos tota ecclesia
laycalis - desejava saber porque os clérigos não eram excomungados por
ofensas físicas, assim como acontecia aos leigos. Ele pedia que os prelados
fossem privados do direito de impor castigos corporais - de eccl. 154-156.
Referindo-se aos males dos "benefícios do clero", Lutero comentou:
"se um sacerdote for assassinado, todo o país será posto sob interdição.
Por que, então, não seria adotado o mesmo expediente, no caso do assassínio
de um camponês? De onde procede tão grande diferença entre cristãos, que são
iguais? Lei humana e invenções - e nada mais!"
O conceito medieval de imunidade da pessoa do clérigo foi abolido
pelos protestantes. Sua posição oficial não lhe dá santidade que o habilite
à isenção do cumprimento de quaisquer deveres reclamados pelo Estado dos demais
cidadãos. Só em matéria de natureza caracteristicamente eclesiástica pode
o clérigo reclamar independência. A posição católica romana é esta: o crime
cometido contra a pessoa de um sacerdote e sacrilégio. O cardeal Belarmino
- de cler. I :28-30 - ensina que e repugnante ao ofício clerical ser
o sacerdote submetido a um juiz secular em matéria civil. Seria, disse ele,
abominável para o funcionário civil punir um bispo, estando ele próprio, o
juiz, sujeito a punição por parte do bispo. Ao mesmo tempo declarou, todavia,
que essa teoria não provinha de revelação divina, mas da analogia oferecida
pela superioridade da alma sobre o corpo e da superioridade dos pais sobre
os filhos.
No Syllabus de 1864, Pio IX pediu imunidades para o sacerdócio
ou proteção especial nos tribunais, em todos os casos "temporais, civis
e criminais". A bula in coena domini condena a todos os magistrados
que citem os sacerdotes a comparecerem nos tribunais civis ou que publiquem
sentenças contra eles. Em outubro de 1911, Pio X lançou anátema contra qualquer
que, sem aprovação do superior eclesiástico, obriga o sacerdote a comparecer
em tribunal civil, para, como testemunha, prestar depoimento. Pela lei canônica,
o clero esta "isento do serviço militar e do exercício de função civil".
Os tribunais civis dos Estados Unidos procedem segundo o princípio
de que as leis das corporações eclesiásticas, em matéria de administração,
são finais e que o dever do Estado consiste em investigar o que sejam tais
leis e se elas tem sido cumpridas. Na igreja católica romana os fundos levantados
por meio de coletas são administrados pelo corpo clerical e estão comumente
à inteira disposição do bispo. Algumas igrejas americanas insistiram, desde
o século XIX, no "trustee system", mas a prática não logrou aceitação.
Em casos como o que recentemente ocorreu em Rhode Island, em 1927, em que
a questão da disposição dos fundos da igreja foi levada ao tribunal civil,
a decisão tem sido contra os contribuintes, sendo respeitada a prática da
lei canônica.5 Das causas de possível desentendimento, talvez que a posse,
a administração das propriedades da igreja e sua taxação sejam as principais.
Um dos males clamorosos da Idade Média foi a isenção dos arrendamentos de
conventos e dignitários eclesiásticos, que se defendiam com fundamento nas
caridades distribuídas pelos estabelecimentos da igreja e pelas disposições
dos testadores. Em tempos recentes, países como a Áustria, Piemonte, Itália
e França foram obrigados, em atenção a coletividade dos cidadãos, a abolir
e seqüestrar patrimônios eclesiásticos. Em vista da história passada, de possessões
territoriais mantidas pela "mão morta" da igreja, cabe ao Estado
Americano estar de sobreaviso para prevenir abusos por parte de corporações
eclesiásticas, alargando os limites da propriedade isenta de impostos.
Se o medievalismo fosse entronizado nestes tempos modernos e suas
práticas revivessem,isso resultaria na perda dos fatores característicos das
instituições americanas. O clericalismo, que Gambetta apontava como o inimigo
da República Francesa, outra vez reinaria. O arcebispo O'Connell, segundo
foi referido, exigiu, em seu regresso de Roma, em março de 1912, onde recebera
o chapéu vermelho, que, como "príncipe da igreja", tinha o direito
de ser saudado por nossos navios e bandeira, a sua entrada em águas americanas.
Se a pretensão a tal tratamento fosse reconhecida, os cardeais que visitassem
Washington teriam a suas ordens oficiais de gabinete. Os prelados romanos
pretendem, como direito seu, precedência sobre qualquer eclesiástico protestante,
nada importando quão eminente possa ele ser, do ponto de vista de caráter,
preparo e utilidade para o público. Tal precedência subverteria o princípio
tradicional americano da igualdade dos cidadãos. Quando um cardeal presta
juramento, promete defender "os direitos temporais, assim como a liberdade,
honra e autoridade de nosso senhor, o papa, e seus sucessores".
A seguinte explanação se encontra na alta autoridade que e a Enciclopédia
Católica - XIV: 250-254: "Os que vivem em cismas, heréticos e excomungados,
embora não sejam membros da igreja, ainda são, em matéria de direito objetivo
e dever, seus súditos. Num Estado cristão, mas não-católico, onde os habitantes,
embora sujeitos pelo batismo, não sejam membros da igreja per se, a
jurisdição permaneceria, mesmo que per accidens seja impossível o exercício".
Na França e em Portugal - continua o escritor "a separação entre a Igreja
e o Estado se tem conduzido com violação de direitos e contratos, tanto naturais
como positivos". Declarações desse teor parece serem suscetíveis da interpretação
de que os direitos populares são substituídos pelas pretensões eclesiásticas
e que, se algum dia a maioria dos cidadãos americanos vier a ser católica
romana, a igreja romana poderá legislar em seu próprio benefício vantagens
superiores. Entretanto, se o slogan oriundo da Irlanda, em suas recentes
querelas com a Inglaterra: "tanta religião quanto quiseres, vinda de
Roma, menos sua política" - for a senha dos católicos americanos, haverá
escassa probabilidade de que a cláusula da Constituição, que prescreve a separação
entre a Igreja e o Estado, seja abalada, ou que seja negada a igualdade que
pertence aos homens como direito natural.
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.