DIFICULDADES DO ESPIRITISMO KARDECISTA – VII

 

 

- João Batista e Elias -

 

O Espiritismo  tem usado alguns textos bíblicos sobre João Batista e Elias, como prova de que a reencarnação faz parte das doutrinas cristãs.   Embora o tema  já por diversas vezes tenha sido  abordado, em matérias diversas,  julguei conveniente tratá-lo separadamente.

 

Os principais textos bíblicos em torno do assunto são os seguintes:

 

(a) “Eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor” (Malaquias  4.5).

 

(b) “E, se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que havia de vir” (Mateus 11.14).

 

(c)  “Os discípulos O interrogavam: Por que dizem, pois, os escribas que é mister que Elias venha primeiro?  Jesus lhe respondeu: Certamente Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas. Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim, farão eles também padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que lhes falara a respeito de João Batista”. (Mateus 17.10-13).

 

(d) “Pois [João Batista] será grande diante do Senhor...será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe; e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus. Irá adiante dele no espírito e poder de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos...” (Lc 1.15-17).

 

Em muitos casos a Bíblia se explica a si mesma. Quando algumas passagens se apresentam como de difícil entendimento, devemos buscar auxílio na própria Bíblia. Em primeiro lugar, consideremos que Jesus, na qualidade de Deus Filho, participou da inspiração da Escritura. Vejamos: (a) “Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra” (2 Tm 3.16-17). (b) “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58). Aqui Jesus falou de Sua eternidade, de Sua existência que não teve começo nem terá fim, da Sua condição de Ser não criado, mas Criador. Sua pré-existência absoluta significa igualdade com Deus. Os judeus compreenderam tão bem essa declaração de eternidade, que ficaram enfurecidos e tentaram apedrejar Jesus (Jo 8.59). A mesma expressão lemos em Êxodo 3.14,15, quando Deus fala de Sua eternidade a Moisés.  Essas considerações introdutórias ao exame do caso Elias/João Batista, por si, já criam dificuldades aos kardecistas “cristãos” que rejeitam a divindade de Jesus.  Em razão disso,  precisamos admitir que a Bíblia não pode contradizer-se, por exemplo, dizer em Hebreus 9.27 que o homem morre apenas uma vez, e depois dizer que João Batista é a reencarnação de Elias.  O “Eu Sou”, que existiu antes de Abraão, permeia toda a Escritura, faz parte dela, participou da elaboração de cada doutrina, cada ensino, cada profecia.

 

Primeiro - Comecemos Lucas 1.15-17. Ali, de maneira alguma se lê que João Batista seria uma reencarnação de Elias.  Não se encontra nessa passagem qualquer  confirmação da esdrúxula tese reencarnacionista. Nem direta, nem indiretamente, o anjo Gabriel declara que Elias reencarnaria em João, mas que este teria virtudes idênticas às daquele; desenvolveria um ministério muito semelhante ao de Elias em termos de perseguição, de garra, de ousadia, de consagração, unção e poder.   Comparemos: (a) como iniciaram seus ministérios (1 Rs 17.1 – Mt 3.1); (b) forma ousada de repreender uma autoridade: Elias repreendeu a Acabe (1 Rs 18.17-18); João, a Herodes (Mt 14.3-4); (c) Elias foi perseguido por Jezabel  (1 Rs 19.2-3); João Batista, por Herodias (Mt 14.6-8); os dois  viviam de forma austera e discreta.

 

Segundo – Quando Jesus falou “Elias já veio” (Mt 17.12) e “ele é o Elias que havia de vir” (Mt 11.14), estava em suma dizendo que Elias não ressuscitara como todos esperavam, mas que João Batista desempenhara o papel de precursor do Messias, com a mesma coragem, virtude e espírito de Elias. Com estas palavras, Jesus confirmava Lucas 1.17.    Situação análoga vamos encontrar   em 1 Reis 2.15, assim: “O espírito de Elias repousa sobre Eliseu”.  Esta declaração foi proferida pouco tempo depois de Elias ter sido arrebatado ao céu num redemoinho (v.11). Pode-se interpretar de forma literal essa passagem?  Não. Não se tratava de reencarnação porque  Eliseu já possuía o seu desencarnado nele encarnado, se fosse o caso.  Os dois viveram numa mesma época. Um não podia ser encarnação do outro;  não se trata de possessão mediúnica, ou seja, Eliseu não havia incorporado o espírito de Elias,  por óbvias e irrefutáveis razões.

 

Terceiro -  Ainda em nossos dias usamos esse estilo de expressão: - Nunca mais surgirá um Rui Barbosa.  - O Ronaldinho é um verdadeiro Pelé. São termos comparativos.  – Se  acreditais  na vinda de um Elias, “e, se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que havia de vir” (Mateus 11.14). Por suas mensagens vibrantes e seu corajoso desempenho diante de situações difíceis, Elias tornou-se símbolo dos profetas. Moisés, por exemplo, era símbolo da Lei (Lc 16.31). As profecias sobre a vinda de Elias não se contradizem. Muito pelo contrário. Vejam: Malaquias 4.5: “Eis que eu vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor; e converterei o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha e fira a terra com maldição”.  Lucas 1.15-17: “Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vinho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe. E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus.  E irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos e os rebeldes, à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto”. Logo, as profecias da vinda de Elias se cumpriram em João Batista.  Portanto, Elias veio na pessoa de João Batista. É esta a real interpretação de Mateus 11.14 e 17.10-13.

 

Quarto  -  O francês  Hippolyte Leon Denizart Rivail  soube ser ele a reencarnação dum poeta celta chamado Allan Kardec. Ora, se a crença da reencarnação fosse assim tão difundida e aceita; se Jesus fosse um médium, como diz o kardecismo; se vivessem os apóstolos nesse clima de experiências espirituais, João Batista, como aconteceu com Kardec,  seria o primeiro a saber que ele não era ele mesmo. Mas vejam: “Perguntaram-lhe [a João Batista]: Então quem és? És tu Elias? Ele disse: Não sou. És tu o profeta?  Não”.  E como insistissem para saber quem ele era, respondeu com as palavras do profeta Isaías: “Eu sou a voz do que clama no deserto. Endireitai o caminho do Senhor. Perguntaram-lhe:  Então por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o profeta? João respondeu: Eu batizo com água, mas no meio de vós está alguém que não conheceis. Este é aquele que vem após mim, do qual eu não sou digno de desatar as correias das sandálias” (João 1.21-27). João responde aos kardecistas: EU NÃO SOU ELIAS.  João era bastante sincero e firme em suas declarações. Se ele realmente tivesse dúvidas ou não soubesse, certamente responderia: EU NÃO SEI SE SOU ELIAS.  Ora, um profeta que anuncia a vinda de um  Salvador até então desconhecido (“alguém que não conheceis”); que teve a humildade de sair de cena no momento em que Jesus iniciou seu ministério  (Jo 3.30);  que conhecia a missão que lhe fora confiada, a de preparar os corações para receber as Boas Novas  (Is 40.3),  um profeta assim cheio do Espírito Santo (Lc 1.15) só poderia responder com absoluta convicção. Devemos crer nas suas palavras, ou seja, ele não era nem nunca foi Elias. Poderíamos parar por aqui, mas vamos prosseguir.

 

Quinto – Por ocasião da transfiguração de Jesus, quando apareceram Moisés e Elias  (Mt 17.3) João Batista já havia morrido, pois fora decapitado por ordem de Herodes (Mt 14.10). Ora, João era quem deveria aparecer ali, e não Elias, segundo a tese reencarnacionista. Na questão 150 do Livro dos Espíritos lê-se que a alma “tem um fluído que lhe é próprio, colhido na atmosfera de seu planeta, e que REPRESENTA A APARÊNCIA DE SUA ÚLTIMA REENCARNAÇÃO” (o realce é meu).  Então, a última aparência daquela alma, que em determinado momento recebeu um corpo humano e se chamou Elias, seria a de João Batista.  O que significa dizer que os próprios “espíritos” de Kardec fazem coro com João Batista: ele não era Elias. Eu concordo.

 

Sexto -  A teoria da reencarnação fundamenta-se no ciclo “morrer-renascer-morrer”, ou seja, sucessivas mortes e sucessivos  renascimentos. No monumento sobre o túmulo de Allan Kardec, no cemitério de Pére Lachaise, em Paris, está escrito: “Nascer, morrer, renascer ainda é progredir sempre: esta é a lei”.  Para um espírito retornar à vida corpórea, é preciso que tenha desencarnado, isto é, que o corpo  haja descido ao pó, exceção somente admitida no caso da primeira encarnação, no estado em que a alma é “simples e ignorante” – tudo isso conforme a doutrina kardecista.  Como Elias não morreu, mas foi trasladado ao céu (2 Rs 2.11),  não há como os kardecistas admitirem que ele tenha reencarnado em João Batista. Seria um contra-senso.  Alegar que a história  da trasladação de Elias não merece crédito, não convence, porquanto o kardecismo usa a Bíblia na busca de apoio às suas doutrinas. Seria outro contra-senso.

Pastor Airton Evangelista da Costa (30.11.2000)

 




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