O ESPIRITISMO
E O
SOFRIMENTO DE
JESUS
Pr
Airton Evangelista da Costa
O Espiritismo ensina que a encarnação é necessária aos
Espíritos como imposição de Deus “para fazê-los chegar à
perfeição”. Mas, para isso, “devem eles passar por todas as
vicissitudes da existência corpórea”. “Os sofrimentos da vida
são, por vezes, conseqüência da imperfeição do Espírito: quanto
menos imperfeições, tanto menos tormentos”. (Questões 132 e 133
do Livro dos Espíritos, de Allan Kardec).
Esse caminhar por vidas corpóreas seria necessário porque
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem
ciência. A cada um deu uma missão, com o fim de esclarecê-los e
fazê-los chegar, progressivamente, à perfeição pelo conhecimento
da verdade e para aproximá-los de si. Os Espíritos adquirem
esses conhecimentos passando por provas que Deus lhes impõe”
(Livro dos Espíritos, questão 115).
Os Puros Espíritos fazem parte da classe mais elevada, da
primeira classe, e atingiram essa posição porque “percorreram
todos os degraus da escala e se despojaram de todas as impurezas
da matéria, e, tendo atingido a soma de perfeição de que é
suscetível a criatura, NÃO TÊM MAIS QUE PASSAR POR PROVAS OU
EXPIAÇÕES. Não mais sujeitos a reencarnação em corpos
perecíveis, vivem a vida eterna, que realizam no seio de Deus”
(Livro dos Espíritos, questão 113 – o realce é meu).
Kardec disse que a autoridade de Jesus originou-se da
“natureza excepcional do seu Espírito e da sua missão divina”, e
que a “lei do Novo Testamento teve sua personificação em
Cristo”, na qualidade de segunda revelação de Deus (O Evangelho
Segundo o Espiritismo, cap. I-4,6). Jesus “foi o iniciador da
mais pura, da mais sublime moral, da moral evangélico-cristã,
que há de renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los
irmãos... foi o iniciador “de uma perfeita moral” (Ibidem, cap.
I-9).
Conforme a visão kardecista de sofrimento e purificação,
teria sido dura a caminhada de Jesus até chegar ao seu ponto
máximo de perfeição. Até ser considerado um Espírito Puro, teria
passado por inúmeras vidas corpóreas. Foi, quem sabe, escravo
de um senhor rude e cruel; trabalhador braçal na construção de
castelos reais; uma mulher desamparada ou uma viúva pobre em
algum lugar da África. Vencidas essas provas indispensáveis ao
seu aperfeiçoamento – e já na condição de Espírito Puro - achou
graça diante de Deus, que o escolheu para uma missão divina da
mais elevada importância. Então, Jesus não teria vindo para
mais uma prova, eis que não havia nele imperfeições a serem
removidas, como bem disseram os desencarnados: “A autoridade lhe
vinha da natureza excepcional do seu Espírito e da sua MISSÃO
DIVINA” (Ibidem, cap. I-4, Kardec, realce meu). A pureza de
Jesus seria de tal forma que Deus o escolhera dentre muitos
outros Espíritos Puros, eis que estaria Ele no ponto mais
elevado da hierarquia espiritual, tudo segundo a visão
kardecista.
Ora, depois de tanto sofrimento, ou melhor, depois de sofrer
tantas encarnações para aperfeiçoar-se, nada mais justo da parte
de Deus do que premiar esse Espírito, que em determinada etapa
chamou-se Jesus, com a sublime missão de dar início à “mais pura
e mais sublime moral, da moral evangélico-cristã” (Ibidem, cap.
I-9).
Refutação
Há alguns tropeços no percurso desse raciocínio. Primeiro
tropeço é quanto à missão de Jesus, que não veio só para ensinar
uma elevada moral. Vejam o que Ele diz no começo do Seu
ministério: “O Espírito do Senhor é sobre
mim, pois me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar
os quebrantados de coração; a pregar liberdade aos cativos; e
restauração da vista aos cegos; pôr em liberdade os oprimidos; e
anunciar o ano aceitável do Senhor... hoje se cumpriu esta
escritura em vossos ouvidos” (Lucas 4.18,19, 21; Isaías
61.1).
O segundo tropeço é que as Boas Novas trazidas pelo Senhor
Jesus não se resumiram a questões de ordem moral, como foi
soprado pelos desencarnados. O Senhor Jesus operou milagres sem
conta; ressuscitou mortos, curou leprosos, cegos, surdos e
paralíticos; perdoou pecados; expulsou demônios; acalmou
tempestade; andou sobre o mar; multiplicou pães e peixes para
alimentar milhares de pessoas. Nenhum desses milagres pôde ou
pode ser explicado pela Ciência. “E, onde
quer que entrava, ou em cidade, ou em aldeias, ou no campo,
apresentavam os enfermos nas praças e rogavam-lhe que os
deixasse tocar ao menos na orla da sua veste, e todos os que lhe
tocavam saravam” (Marcos 6.56). “Há,
porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e, se cada uma
das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo
poderia conter os livros que se escrevessem” (João
21.25).
Os ensinos de Jesus
Ao dizer “Eu sou o
caminho, e a verdade e a vida, e ninguém vem ao Pai senão por
mim” (João 14.6), o Senhor Jesus coloca por terra a
intenção do Espiritismo de ser a “Terceira Revelação de Deus,
não tendo a personificá-la nenhuma individualidade, porque é
fruto do ensino dado, não por um homem, sim pelos Espíritos, que
são as vozes do Céu” (E.S.E. cap. I-6). O Cristianismo
rejeita os ensinos dos “Espíritos” e reconhece que “toda
Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para
repreender, para corrigir, para instruir em justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para
toda boa obra” (2 Timóteo 3.16-17).
Jesus ensinou que há dois tipos de homens: os salvos (Mateus
25.31-34) e os perdidos (Mateus 7.13-14; 25.46). Este ensino
nocauteia a afirmação kardecista de que “todos os Espíritos
tornar-se-ão perfeitos” (Quesito 116 do Livro dos Espíritos).
Jesus ensinou que o perdão de Deus é necessário à salvação do
homem (Mateus 6.12; Lucas 23.34). Os “mensageiros do Céu”,
todavia, ensinam que basta ao Espírito aceitar as provas de
múltiplas encarnações, porque somente “submetendo-se à prova de
uma nova existência” a alma pode depurar-se (Livro dos
Espíritos, questão 166). E as vozes do além arrematam: “Em cada
nova existência o Espírito dá um passo na via do progresso. E
quando se houver despojado de todas as impurezas,
não mais
necessitará das provas da vida
corpórea”
(L.E. questão 168). E dizem ainda que somente depois da última
encarnação o Espírito se torna feliz e puro (L.E. questão 170).
Com essas afirmações, Kardec anulou a natureza do perdão de
Cristo, e desprezou, também, a eficácia do Seu sacrifício.
Segundo esse raciocínio, o ladrão da cruz, perdoado por Jesus,
teria ido para o paraíso levando impureza e infelicidade (Lucas
23.43).
Jesus ensinou que retornará não mais para trazer Boas Novas,
mas para JULGAR. Como resultado desse julgamento muitos irão
para o “fogo eterno, preparado para o
diabo e seus anjos” (Mateus 25.31,32, 41,46). Estas
declarações são um xeque-mate em algumas teses kardecistas. Ele
afirma que voltará. O que virá aqui fazer a “Segunda Revelação”
já devidamente substituída pela “Terceira”? Jesus diz que virá
para julgar, e que esse julgamento dar-se-á em determinado
momento, esclarecendo que haverá um Juízo Final. Ora, tal
ensino não faz parte da literatura kardecista, onde se lê que
“todos os Espíritos tendem à perfeição e Deus lhes fornece os
meios pelas provas da vida corpórea, mas na sua justiça
reserva-lhes, em novas existências, a tarefa de realizar aquilo
que não puderam fazer ou acabar numa primeira prova” (L.E.,
quesito 171). Se admitida a tese defendida pelos “espíritos”, o
Senhor Jesus adiaria o Juízo para uma data indefinida, e ficaria
aguardando o momento em que todos alcançassem a perfeição – o
que os espíritas chamam de “uma nova chance”. Se fosse assim,
não haveria necessidade de Juízo Final, porque com Jesus ou sem
Jesus todos caminhariam para um mundo ditoso.
O Senhor Jesus também falou em “fogo
eterno”, ou seja, em castigo eterno num lugar previamente
preparado. Ora, o kardecismo, como se sabe, não admite a
existência de castigos eternos, pois a justiça da reencarnação
estaria no fato de que todos terão oportunidades iguais de
limpar suas imperfeições. Seguindo o raciocínio kardecista,
quando o Senhor Jesus retornar para julgamento muitos espíritos
estarão no meio do caminho rumo à perfeição, fazendo parte da
classe dos “levianos”, “perturbadores” e “impuros” (L.E.
quesitos 102-106). Como ficarão estes? Seriam salvos assim
mesmo? Não mais precisariam reencarnar para serem puros? Seria
uma exceção à regra da reencarnação? Ou admitem que o Senhor
Jesus mentiu ao dizer que retornaria (João 14.3)? Pode mentir
Aquele que veio “ensinar aos homens uma elevada moral”, como
afirmou Kardec? Além do mais o Senhor Jesus falou que o “fogo
eterno está preparado para o diabo e seus anjos”. Seriam estes
os Espíritos imperfeitos, impuros e levianos que ainda não se
aperfeiçoaram, conforme declarou Kardec? O Senhor Jesus
arremata: “Quem nele crê não é condenado,
mas quem não crê já está condenado, porque não crê no unigênito
Filho de Deus” (João 3.18). Disse mais: “Serpentes,
raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno”
(Mateus 23.33). Como se vê, a Palavra fala em CONDENAÇÃO,
sinônimo de castigo eterno, inferno e Juízo Final. Vejam o que
diz o Espiritismo: “Os Espíritos não ficam perpetuamente nas
camadas inferiores; todos eles tornar-se-ão perfeitos. Mudam de
classe embora devagar” (L.E., questão 116). Pelo visto o Senhor
Jesus, quando vier, vai ter que ficar esperando muito tempo.
Quem está mentindo: Jesus ou os “desencarnados”?
O Perdão dos Pecados
O Senhor Jesus declarou que tem poder sobre o pecado. “Jesus,
vendo a fé deles, disse ao paralítico: Filho, perdoados estão os
teus pecados”. E pensaram os escribas: “Quem
pode perdoar pecados, senão Deus?” Então disse Jesus: “Ora,
para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder para
perdoar pecados [disse ao paralítico]: A ti te digo, levanta-te
toma o teu leito, e vai para tua casa” (Marcos 2.5-12).
Ficou claro que o Senhor Jesus pode perdoar e, desculpem-me pelo
óbvio, quem recebe o Seu perdão fica realmente perdoado. Mas em
qual etapa da tese reencarnacionista entraria a necessidade de
perdão? Para que serviria o perdão se a perfeição será
alcançada de qualquer modo via novas encarnações, mediante as
provas de novas vidas aqui na terra? Com seus pecados perdoados
ou não aquele paralítico não iria ser aperfeiçoado? A expressão
“Espiritismo Cristão” não estaria, portanto, mal colocada?
O Sofrimento de Jesus
Outra dificuldade de conciliar Cristianismo e Espiritismo diz
respeito ao sofrimento de Jesus. Como vimos, a “natureza
excepcional do seu Espírito” e a sua divina missão de ensinar
uma elevada moral à humanidade, como definiu Kardec,
garantir-lhe-iam, pelo menos, uma vida terrena livre de qualquer
sofrimento. Não foi o que aconteceu. Ainda criança, Herodes
tentou matá-lo (Mateus 2.13); viveu uma vida sem descanso e sem
bens materiais (Mateus 8.20); seus irmãos não criam nEle (João
7.5); foi duramente criticado e perseguido pelos fariseus, que
desejavam tirar Sua vida (João 11.53); foi traído por um de seus
apóstolos (Mateus 26.16); angustiou-se no Getsêmani, “e
o seu suor tornou-se grandes gotas de sangue que corriam até ao
chão” (Lucas 22.44); sem justa causa, foi preso e
condenado à morte (Lucas 22.54; 23.25); não recebeu o apoio de
seus discípulos quando foi preso (Mateus 26.56, 70, 72, 74); foi
escarnecido, humilhado, açoitado, cuspido, e recebeu na cabeça
uma coroa de espinhos (Mateus 27.26-30); finalmente, foi
crucificado. Seu sofrimento na cruz é indescritível (Mateus
27.32-56).
Ora, levando em conta a crença espírita, Jesus teria passado
por todos os estágios da escala espiritual até chegar à plena
perfeição. Inicialmente “alma simples e sem ciência”, Ele teria
experimentado muitas lutas e vicissitudes em muitas vidas
corpóreas, havendo subido de degrau em degrau na hierarquia
espiritual. Já no topo da escada, recebe não mais uma prova, mas
uma MISSÃO. Tal dissertação da vida espiritual de Jesus está
acorde com a afirmação de um espírita cristão. Quando lhe
perguntei se, no entender do kardecismo, Jesus teria sido um
homem como outro qualquer, que mediante muitas vidas corpóreas
atingiu o mais alto grau de perfeição, ele me respondeu
afirmativamente.
Os “espíritos” disseram a Kardec que “para chegar a essa
perfeição devem eles passar por todas as vicissitudes da
existência corpórea”; que “todos são criados simples e
ignorantes...”; que “os sofrimentos da vida são, por vezes,
conseqüência da imperfeição do Espírito” porque “QUANTO MENOS
IMPERFEIÇÕES, TANTO MENOS TORMENTOS” (realce meu – L.E. quesitos
132 e 133). Disseram também que os Espíritos Puros, da primeira
classe, já “percorreram todos os degraus da escala e se
despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo atingido a
soma de perfeição de que é suscetível a criatura, NÃO TÊM MAIS
QUE PASSAR POR PROVAS OU EXPIAÇÕES” (realce é meu – L.E.,
quesito 113).
Se correta essa tese, Jesus não mais precisaria passar por
provas. Aliás, certo “Espírito”, a quem Jesus chamou de Satanás,
tentou interromper Seus sofrimentos e até ofereceu-Lhe riquezas
(Mateus 4.8-11).
Algumas indagações são necessárias: (a) O carma de Jesus não
estaria completamente limpo, o que exigiu mais sofrimento? Tal
hipótese não se harmoniza com a “natureza excepcional de seu
Espírito”, nem com a missão divina a Ele confiada (E.S.E., cap.
I-4). (b) Jesus era realmente um “Espírito Puro”, mas por sua
livre vontade aceitou e buscou o sofrimento para purificar-se
mais ainda? Tal hipótese colide com a declaração kardecista de
que os puros estão no último degrau da escala e não mais
necessitam de provas.
A Verdade
A verdade é que Jesus não sofreu e não morreu crucificado
para “expungir” suas próprias imperfeições. Perfeito como era,
não precisou de sacrifícios para limpar Seu carma ou para
elevar-se na escala espiritual. “Verdadeiramente,
Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores
levou sobre si; foi ferido pelas nossas transgressões e moído
pelas nossas iniqüidades” (Isaías 53.4-5). Ele veio para “salvar
o seu povo dos seus pecados” (Mateus 1.21). Ele é “o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29),
“para que todo aquele que nEle crê não
pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). Ele “morreu
por nossos pecados”; não morreu na cruz para seu próprio
progresso (1 Coríntios 15.3). Ele “se deu
a si mesmo por nossos pecados...” (Gálatas 1.4). “Porque
para isto sois chamados, pois também Cristo padeceu por nós... o
qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano...
levando ele mesmo seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro...”
(1 Pedro 2.21-24).
A encarnação do Verbo, seu sofrimento e morte, fizeram parte
do plano divino para a salvação dos homens. Esse plano começou a
ser revelado a partir da queda de Adão, conforme predito em
Gênesis 3.15, onde a “semente da mulher”
ferirá a cabeça da serpente. Na revelação progressiva, o Messias
se apresenta como homem de dores, servo sofredor, traspassado
por nossas transgressões, até chegar à Pessoa de Jesus, o Filho,
que se entregou à morte expiatória da cruz, “para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João
3.16). Jesus não precisava, nem precisa, de infindas
reencarnações para atingir plena perfeição, visto que “no
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus, e se fez carne, e habitou entre nós” (João 1.1,14).
Quanto à glorificação de Cristo, escreveu o apóstolo Paulo em
sua carta aos Filipenses:
“... pois ele, subsistindo em forma de
Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si
mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, fazendo-se
semelhante aos homens; e, reconhecido em figura humana, a si
mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de
cruz. Pelo que Deus também o exaltou sobremaneira e lhe deu o
nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus
Pai” (Filipenses 2.6-11).
Estabelecido está mais um conflito entre o Cristianismo e o
Espiritismo. E não citei a ressurreição corporal do Senhor
Jesus, cujo corpo físico, se encontrado, seria um troféu nas
mãos dos incrédulos que negam a Sua divindade. São dificuldades
que colocaram em seu caminho ao tentar estabelecer uma estreita
vinculação entre cristãos e espíritas.
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