Desta mesma carta que acabamos de analisar surge
outra objeção, qual seja, o evangelho de Mateus traria o nome hebraico do
Salvador, pois Jerônimo afirma que tal evangelho foi escrito em hebraico.
Então sendo Mateus judeu, concluem que ele necessariamente escreveu em
hebraico. Contudo , ledo engano!
Veja porque:
Quem disse que um judeu não poderia escrever em
grego? Apesar de Mateus ser judeu, ele escreveu em grego, simplesmente porque
seus leitores apesar de ser judeus falavam o grego. Até hoje existem exemplos
disso: há muitos grupos, bandas e cantores brasileiros que gravam só em
inglês, simplesmente porque seu público alvo é de fala inglesa.
O caso é que até hoje ninguém teve vestígios deste
tal evangelho em hebraico. Todas as cópias do evangelho de Mateus estão em
grego. Isso é no mínimo estranho se este evangelho de fato tivesse sido
escrito em hebraico.
E quando Jerônimo diz "hebraico", na verdade ele
quis dizer aramaico, e nisso são unânimes todos os grandes estudiosos. Mas
para os adeptos do Nome Yehoshuah, fica mais fácil tentar forçar na mente dos
incautos, que foi escrito em hebraico, pois o hebraico era a língua pátria dos
Judeus, e, portanto ficaria mais fácil usar o nome Yehôshuah nessa língua.
Contudo na época de Cristo era o aramaico o idioma falado na palestina e não o
hebraico. Muitas vezes ele era apelidado de hebraico, mas não era o hebraico
puro falado antes do exílio em Babilônia.
Outro fato a considerar é que Jerônimo chegou a esta
conclusão somente através da obra de Eusébio de Cesárea que por sua vez cita
Papias, antigo escritor cristão do II século. Eis o que diz Eusébio em sua
"Historia Eclesiástica" :
Sobre Mateus ele declara como se segue: 'Mateus
compôs sua historia em dialeto hebraico e cada um traduzia segundo a
capacidade'. (Historia Eclesiástica - livro 3 cap.39 editora CPAD)
Os estudiosos ainda não chegaram a um acordo, sobre
essa declaração de Papias. Estaria ele se referindo a outro evangelho paralelo
ao de Mateus ou ao de Mateus em estilo (não escrita) hebraico?
É interessante notar que quando Jerônimo faz citação
deste tal evangelho em sua carta, ele cita passagens que não existem no
evangelho de Mateus. Por isso muitos estudiosos acham que Jerônimo se
confundiu citando um outro evangelho atribuído também a Mateus pela seita dos
Ebionitas, chamado "Evangelho dos Hebreus", muito popular naquela época.
O QUE DIZEM OS ESTUDIOSOS?
Vejamos o que tem a dizer os eruditos :
"O evangelho de Mateus ocupa o primeiro lugar em
todas as testemunhas existentes do texto dos quatro evangelhos e em todas as
listas antigas dos livros canônicos do Novo Testamento. Isto reflete sem
duvida, não só a importância dada a este evangelho na igreja primitiva, mas
também a crença firmemente estabelecida, embora não possa ser datada como
anterior a Papias, bispo de Hierapolis, na metade do segundo século, de que o
evangelho canônico era uma tradução grega de um documento anterior escrito em
hebraico (ou seja, aramaico) pelo apostolo Mateus..."
(Mateus Introdução e Comentário - R.V.G Tasker
pág.8)
O comentarista deixa bem claro que foi somente a
partir de Papias, que começou a divulgar tal tradição. Prosseguindo ele diz:
"A maioria dos especialistas modernos acha muito
difícil crer que nosso evangelho de Mateus seja uma tradução de um documento
aramaico por trazer marcas de uma composição grega original".(ibidem pág. 11).
O conhecido "Comentário Bíblico Moody", revela:
"Muitos explicaram a declaração de Papias, dizendo
que se referia a uma forma original do aramaico do qual se traduziu o nosso
evangelho grego. Mas o nosso texto grego não tem as marcas de uma tradução, e
a ausência de qualquer traço de um original aramaico lança pesadas duvidas
sobre tal hipótese. Goodspeed argumenta detalhadamente que seria contrario à
prática grega dar uma tradução grega o nome do autor do original aramaico,
pois os gregos apenas se preocupavam com aquele que passava a obra para o
grego.Como exemplos (ele cita o evangelho de Pedro) e o Velho Testamento
grego, que foi denominado Septuaginta (os setenta) {*} segundo seus tradutores,
não segundo seus autores Hebreus (E.J Goodspeed, Matthew Apostle and
Evangelist. pág. 105,106)". (Comentário Bíblico Moody vol.4 pág.1)
Sobre o evangelho de Mateus Robert H. Goundry
argumenta que:
"... não parece ser uma tradução feita de um
original semítico... Por exemplo, por que teria Mateus fornecido tanto o
original semítico como sua tradução grega de alguns poucos vocábulos como
"Emanuel"... se o evangelho inteiro tivesse sido tradução do hebraico ou
aramaico?" Então ele passa a sugerir uma outra alternativa para entender o que
Papias queria dizer.
" Alguns estudiosos tem pensado que Papias se
reportara apenas a uma série de textos de prova messiânicos em hebraico ou
aramaico, coligidos por Mateus e posteriormente incorporados em seu evangelho,
tendo sido traduzidos para o grego; ou ainda que Papias aludira a uma anterior
edição semítica de Mateus, mas não diretamente ligada à nossa edição grega.
Sem embargo, há ainda uma outra maneira de entender a questão, a saber, que
Papias mencionara nosso atual evangelho de Mateus, em grego, embora escrito no
estilo hebraico (e não no idioma propriamente dito)...nesse caso inexiste
qualquer tradução de Mateus feita com base em um original semítico". (Panorama
do Novo Testamento pág. 91)
Ainda um famoso dicionário bíblico acrescenta:
"Qualquer que seja o valor da tradição a este
respeito, isto é, que Mateus escreveu em hebraico, o evangelho em grego que
possuímos, é dele; era muito competente para escrevê-lo, uma vez que as
maiores parte dos discursos de Jesus e de seus milagres foram por ele [Mateus]
testemunhados" . (Dicionário Bíblico John D. Davis pág. 385)
Certa fonte católica é da mesma opinião, e corrobora
ao dizer:
"Contudo há sérias dificuldades em relação à
hipótese de que Mateus tenha sido escrito em aramaico. Ele não tem as
características de uma tradução, e sobre tudo, é difícil retraduzí-lo para o
aramaico. O evangelho apresenta alguns jogos de palavras (6,16; 21,41; 24,30)
que são só possíveis em grego."
(Dicionário Bíblico John L.Mackenzie pág 588)
Junta-se a todos estes testemunhos, a incrível
descoberta do papiro de Magdalen em 1901 pelo reverendo Charles B. Huleat, e
redatado em 1994 pelo Dr. Casten Peter Thiede, uma das maiores autoridades em
manuscritos antigos. Sem duvidas esta descoberta foi a mais importante para o
mundo cristão depois da descoberta dos rolos do mar morto!
Mas o que é o papiro de Magdalen?
São fragmentos do evangelho de Mateus do I século,
datado atualmente para 66 A .D, tudo indica que esse evangelho era uma cópia
em códice do original grego.
Diz o Dr. Casten:
"... o evangelho segundo São Mateus completo também
já circulava e em formato de códice naquela época. Possivelmente, teria sido
lido e manuseado por alguma testemunha ocular da crucificação". (Testemunha
Ocular de Jesus pág. 222)
Essa descoberta mostra que o evangelho de Mateus,
escrito em grego, como é o caso do Papiro de Magdalen, circulava entre os
cristãos primitivos contemporâneos do apóstolo. Certamente que se Mateus
tivesse tão grande apreço pelo nome ou pela pronuncia "Yehôshuah", teria
logicamente, contestado essa copia de seu evangelho, pois segundo consta, esse
papiro não traz o nome hebraico do Messias, mas sim, "KYRIOS". Os fragmentos
deste evangelho trás o que os estudiosos chamam de nomina sacra. São
abreviações para nomes sagrados, por exemplo, Kuryos - KY, Iesus - IS etc.
Fica provada mais uma vez a incoerência dos
argumentos deste grupo que odeia o nome "Jesus".
Paulo Cristiano
Presbítero da Igreja Evangélica Assembleia de Deus,
professor de religiões, vice-presidente do CACP e escritor.
{* Nota de Humberto Hafeiro: Qual a evidência que Lucas era grego por nascimento? ZERO (a questão do nome não cola), veja os artigos em http://www.levitt.com/essays/luke.html e em http://www.gracepoints.com/articles/gpluke.php. Todos os escritores da Bíblia têm que ser judeus Rm 3:1-2)}
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