Igreja Local


Zeloso e Enganado: Eu Tinha Perdido o Caminho





Nosso Senhor Jesus disse: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. Esse versículo ainda me vem a cabeça quando me lembro de uma experiência que tive há mais de 10 anos.

Tudo começou quando um amigo pregou o evangelho para mim. Eu tinha sido criado numa família que freqüentava a igreja, mas rejeitei o cristianismo aos 18 anos. Quando Jeff me falou sobre o perdão dos pecados, eu disse, “cai fora!” Mas algumas semanas mais tarde eu fui num estudo bíblico e o Espírito Santo colocou a fé no meu coração. Eu me arrependi e cri no evangelho; aos 21 anos de vida, minha vida começou.

O movimento “Jesus People” (Povo de Jesus) estava no seu auge, e eu adorava a atmosfera informal, quando sentávamos no chão, cantávamos e estudávamos a Bíblia. Eu visitei algumas igrejas, mas achei que elas estavam “mortas” e haviam abandonado Jesus. Como muitos outros da minha idade, eu era rebelde e desconfiava de qualquer organização liderada por adultos de classe média. Zeloso por Jesus, eu não podia entender por que outros não eram tão entusiasmados quanto eu. Essa mentalidade, junto com uma falta de fundamento bíblico, me deixaram totalmente vulnerável a doutrinas falsas.

Uma noite eu visitei um amigo cristão que tinha alguns convidados incomuns. Eles eram evangelistas jovens e entusiasmados, pertencentes a um grupo chamado “Meninos de Deus”. Eles acreditavam que cristãos não deviam ter empregos comuns, mas que tinham de deixar seus empregos, casa, família, e bens para pregar nas ruas.

Quando me dei conta, eu já tinha deixado meu emprego e estava pronto para viajar com esses pregadores de rua para cidade de Dallas, no Texas, onde havia uma de suas filiais. Felizmente, outros queridos amigos cristãos que eu tinha visitado não permitiram que eu fosse, e assim impediram que eu me juntasse a uma seita (pelo menos por um tempo). Eu ainda tinha um desejo ardente de servir Jesus com todo o meu coração – mas agora eu já não tinha mais emprego.

Randy, um outro amigo, me convidou para ir com ele à cidade de Akron, Ohio, para me apresentar a uma outra organização. Mais uma vez, eu arrumei minha mochila e fui. Desta vez ninguém me impediu.

Nunca esquecerei minha primeira visita à organização. Na reunião, eles cantavam em altas vozes, clamavam versículos de Bíblia, dançavam, e, um por um, davam testemunho do que Jesus significava para eles. Eu vi jovens e velhos, negros, brancos, e orientais.

Imediatamente me juntei ao cântico e ao clamor. Mentalmente, eu tinha algumas duvidas, mas emocionalmente eu já estava totalmente envolvido. O amor, união, e o volume do culto me impressionaram. Pensei comigo mesmo: eis pessoas que realmente amam Jesus e não têm medo de mostrar isso.

Naquela noite, depois de reunião, Randy me apresentou a muitos deles. Eles logo me deram boas vidas e demonstraram grande interesse em mim. Eu perguntei se poderia ficar uma ou duas semanas, como experiência, e eles me puseram num duplex com outros 10 membros, e disseram que eu poderia ficar até que decidisse se queria me juntar ao grupo.

Ninguém me forçou a me juntar ao grupo. Ninguém precisou me forçar. Eu estava maduro para a colheita.

A organização é conhecida como a “Igreja Local”. Se, por exemplo eles se estabelecem na cidade de St. Louis, então se chamam lá de “A Igreja em St. Louis”. Eles adotam o nome da localidade.

A organização é liderada por um chinês idoso, chamado Witness Lee. Ele trouxe o moviemnto para a América no começo dos anos sessenta. Seu colega, Watchman Nee, tinha começado o grupo na China. Quando o governo comunista se instalou, Lee fugiu para Taiwan. Nee ficou na China, e, após vinte anos na prisão, morreu.

Nas primeiras décadas, o movimento se enquadrava no “fundamentalismo.” Eles criam que a Bíblia era a Palavra de Deus. Criam que o sangue de Jesus expiava pelos pecados do mundo; criam na ressurreição, na volta de Jesus, na necessidade de fé em Cristo para a salvação.



Entretanto, pouco antes de vir para a América, Lee mudou alguns ensinamentos. Ele diz que quando veio de barco para a América, ele jogou suas doutrinas no Oceano Pacifico e achou um novo caminho.

 

O fundamento da doutrina de Lee é seu entendimento da Trindade.

 Ele ensina o “modalismo”, ou seja, a idéia de que há apenas um Deus que se revela em três modos ou estágios. Uma de suas analogias é que antes de ser Cristo, Deus era puro trigo. Na encarnação, ele se tornou “farinha”. Finalmente, quando Cristo retornou aos céus, Deus se tornou o “pedaço de pão”, ou o Espírito Santo. Isso vai de encontro aos pronunciamentos ortodoxos da fé, como o Credo Atanasiano, que ensina que Deus é uma só substância, mas três Pessoas. O ensinamento de Lee acaba com a distinção de Pessoas na Deidade.

 

O ensinamento de Lee sobre a Pessoa de Cristo também é contrário ao cristianismo histórico.

 Lee ensina que a encarnação “misturou” a humanidade e a divindade de Jesus. A Definição de Calcedônia ensina que as duas naturezas de Cristo formam uma só Pessoa, mas são distintas e não se misturam. Lee faz da natureza divina algo menos do que Deus, e mais doe que homem, e da natureza humana algo mais de que homem e menos do que Deus. Lee assim apresenta uma nova criatura, meio homem e meio Deus.

 

Deste modo, Lee ensina que “sermos salvo” significa que nos misturemos a Deus, da mesma maneira que Jesus está misturado com Deus.

Para conseguir isso, temos que “clamar” no nome de Jesus, literalmente. Se alguém disser o nome de Jesus em voz alta, essa pessoa se torna um crente, e pode então começar o processo de mistura com Deus.

 

Lee ensina uma “técnica” simples para que nos misturemos com Deus – clamando o nome Jesus e “Orar-Lendo” a Palavra.

Clamar o nome de Jesus significa cantar o seu nome repetidamente em sessões privadas e reuniões grupais. O uso da mente não é encorajado; a pessoa deve bloquear seus pensamentos. Eu fiz isso por períodos de 15 minutos ou mais. “Orar-Ler” significa ler as Escrituras em voz alta, e repetir os mesmos versículos, mas com ênfases diferentes cada vez, tanto individualmente como em grupo. Assim como no cântico, a pessoa é encorajada a não pensar, somente agir.

 

Lee chama isso de “exercício do espírito”, ou “comendo e bebendo o Senhor”.

 Ele ensina que a pessoa se torna o que ela come, e portanto come-se Cristo e então se é misturado com ele. O objetivo é eliminar a vida própria, e se transformar nessa criatura meio homem e meio Deus.

 

Lee ensina que todo esse processo não é necessário para que se entre no céu.

 Entretanto, ele crê que ir para o céu não significa a salvação completa. Ele diz que um grupo seleto, ou “remanescente”, receberá algo mais. Os que se misturaram completamente com Deus serão “vencedores” e desfrutarão de 1.000 anos com Jesus, enquanto que os crentes que não se misturaram terão que ficar nos seus túmulos até o final do milênio. Lee alega que, ainda que alguém fora de sua organização possa em princípio se tornar um “vencedor”, isso é altamente improvável. Sendo assim, para a pessoa que quiser experimentar a salvação completa de Deus, a organização de Lee é o único caminho.

 

Outro ensinamento central do sistema de Lee é a submissão à autoridade.

 Membros têm de obedecer aos ensinamentos e ordens de Lee sem nenhum questionamento. Disseram-me que mesmo se me mandassem fazer algo que fosse contrário à Palavra de Deus, eu tinha que obedecer. Deus honraria minha submissão aos líderes, e portanto não seria errado, disseram.

 

Lee rotula todas as igrejas que não estão sob sua autoridade de “cristianismo satânico”.

Ele assegura aos seus membros que todos fora do seu movimento estão enganados. Se uma pessoa deixa o movimento, é pouco provável que ela possa levar uma vida cristã, dizem. Contaram-me histórias de pessoas que tinham saído do grupo, e agora suas vidas estavam despedaçadas como conseqüência. Isso criava uma dependência psicológica no grupo ainda maior. Havia medo de pessoas de fora, pois elas poderiam tentar remover um membro do grupo.

Meu zelo pelos ensinamentos de Lee me promoveu a posições de responsabilidade no grupo. Em apenas seis meses, eu era o líder da casa de solteiros. Eu recrutava novos adeptos fervorosamente, e nunca perdi nenhuma das 4 a 6 reuniões semanais mandatórias. Os fins de semana eram para o recrutamento de novos adeptos, e feriados eram para conferências em vários lugares. Tais obrigações, e mais um emprego em tempo integral, me deixaram exaustos.

O estilo de vida é semi-comunal. Os membros não possuem propriedade privada; entretanto, um forte sentimento de comunidade e de divisão de bens materiais é encorajado. Uma vez que a pessoa se junta à organização, há provisão para suas necessidades básicas. Sem preocupações sobre essas necessidades, o membro então obedece à hierarquia mais completamente.

Eu me lembro que umas 100 pessoas foram transferidas da Califórnia para o estado de Virginia para que formassem um novo grupo lá. A organização cuidou desses membros até que eles pudessem se estabelecer em seus novos lares. Esse tipo de transferência era comum. A cada ano, os líderes pediam a um número de membros que se mudassem para uma cidade diferente. Alguns eram ordenados a mudarem, enquanto que outros iam voluntariamente. Era esperado que cada pessoa fosse sempre relocada depois de alguns anos.

No natal de 1972 eu enfrentei um dilema: ou ia para casa, para ver meus pais, ou ia a uma conferência em Detroit. Eu queria ir para casa, mas fui pressionado a ir para Detroit. Uma lei da organização, ainda que implícita, era que a pessoa devia esquecer de sua família e se comprometer com a causa. Eu me lembro da minha mãe chorando ao telefone quando eu disse a ela que não poderia estar com eles no natal, pelo segundo ano seguido. Eu fui a Detroit para mis um fim de semana de cantaria, gritaria, e doutrina.

Pela providência divina, porém, essa escolha aparentemente errada deu uma reviravolta na minha vida e no meu comprometimento. Um homem pregou sobre o rei Davi que teve o coração arrependido perante Deus. Ele nos encorajou a termos o coração arrependido, como Davi. Obviamente, o que o pregador queria dizer era que devíamos ter corações dispostos a serem ensinados pelo movimento e prontos a obedecerem aos líderes. Mas o que ele disse, o Senhor usou para o bem.

Eu voltei daquele fim de semana com uma atitude diferente. Eu ainda tinha um compromisso forte com o movimento, e ainda não pensava em sair. Mas eu estava determinado a permitir que as Escrituras falassem comigo, e estava disposto a me arrepender a qualquer coisa na minha vida que não se alinhasse com as Escrituras. Essa mudança no coração, operada pelo Espírito Santo, foi o que me deu o ímpeto para deixar o grupo.

Nos próximos seis meses, eu continuei a ser ativo no movimento. Eu me tornei um dos líderes do grupo de jovens, ouvindo os ensinamentos de Witness Lee em fitas cassete (que vinham da central em Los Angeles) e repetindo o conteúdo nas reuniões.

Eu ouvia as fitas, mas ao mesmo tempo eu passava mais tempo estudando individualmente a Palavra. Eu acordava cedo para orar, ler e buscar ao Senhor. Comecei então a ter duvidas sobre o que tinha sido ensinado. Percebi que deveria obedecer a Deus a não ao homem, e que, ao contrário do que Lee dizia, minha mente era uma coisa boa que Deus queria renovar e usar. Os cânticos e a prática de “Orar-Ler” a Palavra se tornaram estranhos para mim à luz das Escrituras que ensinam um Deus de ordem e de razão.

O processo havia começado. Numa manhã de abril, quando morava em Cleveland, eu saí do grupo. Nas duas semanas seguintes, quase tive um pane mental. Eu estava paranóico e exausto, não sabendo exatamente o que fazer, mas tinha a promessa de que o Senhor era o meu Pastor, e que ele nunca me abandonaria. Fui a um centro comunitário para pensar. As pessoas lá me levaram para uma igreja grande e antiga onde cristãos davam assistência a jovens universitários. Eu freqüentei alguns dos encontros, que eram informais como outros que havia freqüentado antes.

Numa noite um jovem leu Romanos 5:1, enfatizando que a paz com Deus era possível somente pela graça . Nossos esforços para agradar a Deus não serviam. Aquelas palavras me disseram tudo. Todo o meu zelo e dedicação tinham sido tentativas de agradar a Deus e ganhar sua aprovação. Minhas lágrimas escorreram. Finalmente eu estava em paz com a Sua graça.


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Artur Casci é o pastor da Resurrection Lutheran Church (Igreja Luterana da Ressurreição) em Detroit, Michigan. Este artigo foi publicado na edição da revista Lutheran Witness (Testemunho Luterano) de agosto de 1982. O autor concedeu permissão escrita para a reprodução eletrônica do artigo. Nota especial: o autor é da opinião de que o movimento da Igreja Local não deve ser considerado uma seita. Ele está aberto a discussões sobre a sua experiência pessoal com a Igreja Local. Ele pode ser contactado no seguinte endereço:

Arthur M. Casci
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