Batalha Espiritual

Augustus Nicodemus Gomes Lopes*

Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do Diabo; porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis. Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito, e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos, e também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra para com intrepidez fazer conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador em cadeias, para que em Cristo eu seja ousado para falar, como me cumpre fazê-lo. (Ef 6:10 - 20)

Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, o conhecido John Stott era bem jovem, com idade de alistar-se no Exército. Contudo, ele se recusou a entrar no Exército Britânico e a participar da guerra. O pai de Stott, um médico que havia se alistado para combater ao lado dos aliados, ficou extremamente revoltado com o filho e cortou as relações com ele. Só depois que Stott tornou-se pastor conhecido, e começou a pregar na capela de All Souls, na Inglaterra, é que um dia, finalmente, seu pai, comovido, o procurou. Seu pai não aceitava que, naquele momento de crise para o país, as convicções pacifistas de Stott o impedissem de lutar pela sua Pátria.

Pacifismo ou guerra espiritual? - Sem entrar no mérito da questão do pacifismo, queremos apenas usar essa ilustração para dizer que não há lugar para pacifistas na guerra espiritual em que a Igreja está envolvida. A Bíblia diz que estamos num combate, estamos no meio de uma escaramuça. Não é de estranhar que no Novo Testamento a Igreja quase sempre é descrita com uma linguagem oriunda do campo militar. Muita gente hoje fala em Igreja, inclusive há essa idéia muito popular de que a Igreja é um grande hospital onde as pessoas vêm para que sejam curadas. Não queremos descartar esse lado, cremos que o Novo Testamento nos dá base para afirmar que há espaço entre o povo de Deus para a cura interior. Aliás, muita gente vê a Igreja desta maneira, como um grande sanatório, onde nossas esquizofrenias espirituais são tratadas pelo pastor ou por uma equipe.

O problema com essa visão é que ela não leva em consideração que, no Novo Testamento, a Igreja é vista como um exército que marcha, um exército que está em plena campanha, um exército que está em batalha. Há muitos que estão na Igreja há tantos anos esperando para que sejam curados de suas feridas. Talvez o que esteja faltando seja uma palavra como: “Irmão, toma a tua armadura e vai para o campo de combate”. Há irmãos que são doentes profissionais na Igreja. Estão ali e vão ficar ali a vida toda. Na realidade, o quadro de Igreja que vemos no Novo Testamento é o de uma Igreja militante. Não é por acaso que os nossos teólogos entendem a Igreja como sendo a Igreja militante e a Igreja triunfante. Militante porque está em luta, está em combate, está em conflito, contra as hostes do mal, contra o pecado, e contra o mundo.

Entendendo o contexto de Efésios 6 - O texto lido é o mais detalhado do Novo Testamento sobre a militância da Igreja, sobre o seu conflito com as hostes das trevas. Antes de analisar esse texto propriamente dito, para aprender dele o conceito do apóstolo Paulo quanto ao conflito cristão e à guerra em que estamos envolvidos, é importante entender a situação em que o apóstolo escreveu estas palavras. Seguindo regras simples de interpretação, observamos que quando vamos pregar sobre um texto, ou quando vamos estudar uma passagem, é sempre bom levar em conta o quadro maior. E aqui, no caso desse texto em particular, isso é extremamente importante. Essa passagem tem sido mal usada por pessoas que defendem as mais loucas idéias que você possa imaginar na área de conflito ou batalha espiritual. Contudo, quando nos colocamos dentro do contexto e da perspectiva da carta, temos uma visão privilegiada do ponto de vista do autor.

Não é mistério para ninguém que quando Paulo escreveu a carta aos Efésios estava preso em Roma, mas, mesmo assim, desejava confortar os que sabiam da sua prisão. Não sabemos exatamente todos os detalhes. A carta aos Efésios é uma das que mais se revestem de mistérios, especialmente no que respeita ao propósito de Paulo ao escrevê-la. Pessoalmente, cremos que ele a escreveu para explicar à Igreja de Éfeso, e talvez a outras Igrejas da região, o fato de que Deus havia permitido que ele, mesmo sendo o apóstolo designado para pregar aos gentios, tivesse sido lançado na prisão de Roma, ficando impedido, assim, de realizar o seu ministério. É isso que ele diz no capítulo 3, no verso 13: “Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória” O propósito de Paulo era mostrar que aquilo que para os efésios, e possivelmente para as Igrejas daquela região, era motivo de dúvida, questionamento ou perturbação, na realidade representava a glória deles. E ele faz isso expondo a doutrina da Igreja, mostrando o propósito de Deus para a Igreja.

No capítulo primeiro, mostra como Deus, em Cristo, reuniu todas as coisas, apresentando a Igreja como representação disso; ele mostra como, em Cristo Jesus, a Igreja foi abençoada com toda a sorte de bênção espiritual e foi selada pelo Espírito Santo (vs. 3). No segundo capítulo, ele mostra que Deus fez isso em termos práticos, chamando-nos pela graça quando estávamos mortos em ofensas e pecados. Depois, ainda no segundo capítulo, ele mostra a união de judeus e gentios formando um único povo, a Igreja, desfazendo a diferença ou barreira entre judeus e gentios. Deus não tem dois povos. Deus tem um único povo: a Igreja, que é composta de judeus e gentios convertidos. No terceiro capítulo, Paulo fala da sua função, como apóstolo, no propósito eterno de Deus de revelar o mistério de Cristo que outrora havia estado oculto, mas que tinha sido revelado através dos apóstolos e da pregação da Palavra, na vinda do Senhor Jesus. Paulo mostra que estava sofrendo exatamente por causa disso, e que o sofrimento dele fazia parte desse eterno propósito de Deus; e nisso estava a glória dos efésios e de tantos quantos lessem a carta que, possivelmente, era uma carta circular. E, a partir daí, ele fala, no quarto capítulo, sobre a unidade da fé através do ministério dos apóstolos, dos profetas, dos evangelistas e dos pastores e mestres. Ainda no quarto capítulo, ele começa a traçar as implicações práticas de tudo que ele havia feito, mostrando, a partir da metade do capítulo, como os efésios deveriam andar, à luz desse contexto. Então ele trata da santificação, uma vida pura diante de Deus. No quinto capítulo, trabalhando na mesma direção, Paulo trata da vida conjugal. No sexto capítulo, ele fala sobre a criação de filhos, sobre a vida na sociedade, e, por fim, conclui exortando a Igreja a se preparar contra as astutas ciladas do inimigo. Os efésios ouviram tantas coisas maravilhosas a respeito do que eles eram em Cristo Jesus, do que Deus providenciou para eles, do plano eterno; e certamente devem ter ficado tão cheios de alegria e de gozo que Paulo sentiu a necessidade de dizer: “irmãos, nós ainda não chegamos lá, vocês vão encontrar oposição no mundo para viver como Igreja de Deus, para experimentar em termos práticos, definidos, completos tudo isso que Deus tem para vocês”. Ele disse então: “irmãos, vocês vão encontrar oposição, não de homens de carne e sangue como nós, mas dos principados e potestades que estão nos lugares celestiais que querem nos destruir. Portanto, vocês têm que tomar toda a armadura de Deus para poder resistir às tentativas dessas forças que hão de tentar impedi-los na carreira cristã”. Então, quando olhamos para o capítulo 6 de Efésios, particularmente os versos 10 a 20, com a perspectiva da carta como um todo, à luz da eclesiologia de Paulo nessa Carta, algumas lições se tornam evidentes para nós no que respeita à questão da batalha espiritual. Em primeiro lugar, devemos ver que o propósito de Paulo no capítulo seis é ensinar a Igreja a resistir. Esse é o seu ponto principal. Não é difícil provar isso. Se vocês derem uma olhadinha no texto que lemos, a ordem principal é: “ficai firmes”. O imperativo aparece três vezes, no versos 1, 13 e 14 “Ficai firmes” é a exortação de Paulo.

Combate ou resistência? - Essa passagem tem sido descrita por alguns como sendo uma convocação ao combate. Contudo, ela seria melhor descrita como uma exortação a que a Igreja resista. Outra coisa que a gente observa é que o soldado cristão, aqui descrito, está numa posição de defesa. O soldado que é descrito aqui, a partir inclusive da descrição das armas que lhe são dadas, não está partindo para o combate, para conquistar novos campos ou para assaltar o inimigo, ou para derrubar uma trincheira. Na realidade, ele já conquistou, já venceu, já colocou o pé em território inimigo. O que ele tem que fazer é resistir firme, esse é o peso da passagem que se coaduna com tudo que nós vimos até agora. A Igreja, na Carta aos Efésios, já é vitoriosa, já está assentada com Cristo nos lugares celestiais, como Igreja invencível e imbatível. Cristo já venceu todas as batalhas por ela. Paulo começa a tratar dessa batalha (Ef 6:10) dizendo: “Sede fortalecidos no Senhor e na força do Seu poder”. Essa expressão aparece no capítulo primeiro, quando Paulo ora, no verso 18, para que fossem iluminados os olhos do entendimento daquela Igreja e o coração para que soubessem qual era a esperança da vocação deles, qual era a riqueza da glória da herança dos santos e qual era a suprema grandeza do seu poder para com os que crêem, segundo a eficácia da força do Seu poder.

Assim, Paulo exorta a Igreja a que se apodere da vitória de Cristo, daquele poder que ressuscitou Cristo dentre os mortos e O colocou à direita de Deus nos lugares celestiais. Portanto, o guerreiro que está descrito aqui já é vencedor, já conquistou, já colocou o pé no solo inimigo. O que Paulo manda é que esse guerreiro resista às tentativas do inimigo de recuperar aquilo que ele já perdeu e que foi tomado pelo nosso Capitão, o Senhor Jesus. Estamos destacando esse ponto porque uma das ênfases do movimento de “Batalha Espiritual”, que vamos considerar mais detalhadamente, é que a Igreja deve entrar em conflito direto com os principados e potestades. Eles mudaram as coisas. Para eles, não somos nós que somos caçados pelo Diabo; antes, nós é que temos que sair caçando o Diabo. Mas vejam que o que Paulo está dizendo nesse texto não é isso. Ele está dizendo é que nós já somos vencedores. Mas ainda assim, o movimento de “Batalha Espiritual” insiste em que os crentes saiam caçando o Diabo para tomar o território dele, para derrubá-lo, para conquistá-lo e implantar a doutrina de Cristo nesses locais todos. Como se tudo já não fosse de nosso Senhor e como se o Diabo já não fosse um inimigo derrotado. Voltaremos a esse ponto porque ele requer mais detalhes. Mas esse é o ponto principal que gostaríamos de enfatizar e que fica claro quando se vê essa passagem à luz do seu contexto. Paulo não está mandando a Igreja partir para tomar qualquer ofensiva contra demônios. Pelo contrário, a Igreja, segundo ele, já é vencedora. Sua recomendação, portanto, é para que ela resista aos ataques que lhe são feitos. Esse é um ponto de grande importância que devemos guardar em mente.

Origens do movimento - Agora, a grande pergunta, naturalmente, é: Como podemos resistir? Vamos considerar, em primeiro lugar, a resposta do movimento de “Batalha Espiritual”, como é conhecido em nossos dias. Vamos dizer, brevemente, o que eles pensam sobre o assunto, depois ofereceremos uma análise de tudo e, finalmente, apresentaremos uma alternativa bíblica quanto ao tema. Vamos começar, então, entendendo o que é esse movimento de “Batalha Espiritual” e a que ele se propõe. Em nossas pesquisas, não encontramos, com muita segurança, a origem do movimento, a não ser uma informação de um dos seus defensores que diz que o movimento teve as suas origens em um missionário americano chamado J.O. Fraser, na década de 30. Fraser foi missionário na China, pela “Missão para o Interior da China”, fundada por Hudson Taylor. Seu trabalho se restringia a uma tribo no interior da China envolvida com ocultismo, práticas de feitiçaria, e magia negra. Fraser, no início do seu ministério, fracassou redondamente. Ele não conseguia libertar aqueles chineses incultos e bárbaros das suas superstições mágicas e das suas tradições de feitiçaria e ocultismo. Notava que os seus convertidos não conseguiam realmente se libertar da influência dos espíritos dos demônios. Então ele começou a tentar na forma empírica, isto é, na base da tentativa de erro e acerto, achar uma maneira de combater esses demônios. Ele entendia que a sua luta não era mais com os convertidos; então, queria ir direto à causa. Assim, achou que seu negócio era com os demônios, e começou a desenvolver uma técnica, uma estratégia para anular, para eliminar, ou para impedir a atuação dos demônios nos convertidos; impedir a ação dos demônios que emperravam o trabalho da Igreja. Depois de várias tentativas, Fraser deixou de lado as Escrituras e desenvolveu um método na base do pragmatismo, ou seja: se funciona, está certo. Foi assim que ele entendeu ter encontrado o caminho do sucesso, em termos de invadir os territórios dos demônios e amarrá-los.

Fraser era um missionário, uma pessoa desconhecida, portanto as técnicas e o trabalho dele ficaram desapercebidos até que a irmã dele publicou, trouxe à luz, as cartas que ele havia escrito, e as anotações dele sobre o assunto. A partir daí, a coisa passou para o domínio público. Isso teria acontecido no começo da década de 30.

Divulgadores atuais - Um nome bem mais conhecido, Frank Perreti, popularizou essas idéias no mundo todo. Peretti, com dois romances intitulados: “Este Mundo Tenebroso”, descreve a luta espiritual de uma pequena comunidade de uma cidade dos Estados Unidos para impedir que os espíritos malignos daquela região se apoderassem da cidade. Ele narra, então, de forma muito bem escrita, uma estória que se passa em um local fictício e com personagens fictícios. Esse livro foi um best seller nos Estados Unidos e já foi traduzido para quase todas as línguas ocidentais. Peter Wagner, o maior nome do movimento de “Batalha Espiritual”, agradece publicamente a Peretti dizendo que nós devemos mais a Peretti do que a qualquer outro autor a difusão da idéia do movimento de “Batalha Espiritual” no mundo todo.

Peter Wagner foi professor e missionário na América Latina durante alguns anos. Então, ele voltou aos Estados Unidos para ensinar no Centro de Missões no Seminário Fuller e voltou com convicções pentecostais. A princípio ele era bastante conservador e contra todas as manifestações pentecostais e carismáticas. Mas ele viu alguma coisa na América Latina que virou a cabeça dele. Assim, ao voltar para o Fuller, estava absolutamente comprometido com essas manifestações. Depois de algum tempo, tomou o lugar de Donald McGavran, que é o fundador do movimento de “Crescimento de Igreja”. Peter Wagner tomou o lugar de McGavran, que era mais moderado, e difundiu não somente a idéia do movimento de “Crescimento de Igreja”, mas associou a idéia de fazer a Igreja crescer com sinais e prodígios. Ou seja, ele acha que no mundo de hoje não tem jeito de fazer a Igreja crescer se não houver sinais e prodígios. Nós vivemos numa época pós-moderna onde ninguém valoriza o conceito de certo ou errado. O que vale hoje é a experiência, o que você sente; e, portanto, a única coisa que a Igreja tem para oferecer como principal chamariz, diz Wagner, é exatamente a produção de sinais e prodígios.

Riso, urro e vômito “santos - O Seminário de Fuller comprou a idéia e abriu um curso chamado: “Crescimento de Igreja, Sinais e Prodígios” onde quem dava aula eram Peter Wagner e John Wimber, o fundador do movimento “A Videira”, uma das denominações carismáticas que mais cresce nos Estados Unidos hoje e de onde saiu a Igreja da “Bênção de Toronto”. Já ouviu falar da “bênção de Toronto”? A “bênção de Toronto” é a “gargalhada santa”, o “riso santo”. Quando a Igreja de Toronto começou com a “gargalhada santa”, John Wimber foi lá, não sabemos se Peter Wagner foi também, mas eles trabalhavam juntos. John Wimber foi lá e disse: “Isso é uma obra do Espírito Santo”. Ele deu todo apoio à “bênção de Toronto”. No Natal do ano passado, acrescentou-se alguma coisa ao “riso santo” - o “urro santo”. Aqueles irmãos começaram não somente a rir, mas a berrar, a urrar, a grunhir e a latir. A justificativa dada, no caso dos que urravam como leão, é que o berro é o urro de indignação de Deus contra o pecado da Igreja, porque no livro de Amós, Deus se apresenta como um leão e, portanto, quando o Espírito vem sobre alguém ele urra em indignação contra o pecado da Igreja. Tudo bem! Mas e o cachorro? A coisa ficou tão feia que John Wimber voltou lá, disse que o movimento não era mais do Espírito Santo e cortou a Igreja de Toronto da comunhão. Ele fez isso no Natal do ano passado. O último desdobramento do movimento é o “vômito santo”:  quando a pessoa está vomitando no Espírito quer dizer que ela está expelindo, na linguagem deles, todos aqueles espíritos malignos, todos aqueles pecados e coisas que estavam neles.

Queremos fazer apenas um parêntese para dizer o seguinte: Se não houver o freio da Escritura, se não houver limite, ninguém sabe onde isso vai parar. Até o próprio John Wimber disse: “Tem hora que tenho que dizer basta”. Tem muita gente entusiasmada com esse tipo de movimento, mas nós já podemos ver o fim deles, o que vai acontecer. Porque o movimento que não se baseia exclusivamente na Palavra de Deus, que não parte da suficiência da Escritura, e não se submete ao crivo da Bíblia, não tem cerca.

O movimento no Brasil - O que está acontecendo em Toronto e em outros lugares nos Estados Unidos, infelizmente, é o que irá acontecer, segundo cremos, no Brasil. Com o rumo que o movimento de “Batalha Espiritual” está tomando hoje, no mundo todo, precisamos ficar apostos quanto à nossa Igreja.

Peter Wagner que defendeu o crescimento de Igreja com sinais e prodígios, abraçou logo em seguida a idéia de batalha espiritual como sendo necessária para fazer sua Igreja crescer. Não estamos dizendo que todo mundo que defende o movimento de crescimento de Igreja também é do movimento de “Batalha Espiritual”. Mas é preciso ficar claro que existe essa relação entre as duas coisas e você tem que ficar de olho aberto para entender bem o que está acontecendo no movimento de crescimento de Igreja, junto com batalha espiritual. Não estamos dizendo que são todos, mas na pessoa de Wagner e de muitos outros você vai encontrar esta fusão. Assim, Wagner pode ser visto como o teólogo do movimento. No Brasil, ele ganhou muitos adeptos; o mais conhecido é a Drª. Neusa Itioka, que é membro da equipe da SEPAL e que se tornou conhecida pela publicação do seu livro: “Deuses da Umbanda”, que na realidade foi sua tese de doutorado em Missiologia no Seminário de Fuller. No livro “Deuses da Umbanda”, Neusa Itioka coloca nomes nos demônios que controlam o Brasil, e a grande crítica que se faz contra ela é quanto à fonte de informação que usou para descobrir os nomes dos demônios, porque a Bíblia não dá nome a nenhum demônio. À exceção daquela legião, que simplesmente quer dizer “muitos”, e de Satanás, a Bíblia não dá nome a demônio nenhum. Como, então, Neusa Itioka sabe os nomes dos demônios que estão no Brasil? A resposta dela é que soube disso através de informação de pessoas endemoninhadas em tratamento no seu gabinete. Mas, desde quando o testemunho de pessoa endemoninhada ou o testemunho de demônios pode servir de base para formulação doutrinária? Outra pessoa também que tem difundido muito essa idéia, embora menos teologicamente, é a conhecida Valnice Milhomens, através dos seus escritos e especialmente através dos seus simpósios e programas de televisão. Além disso, centenas de simpósios sobre batalha espiritual, conferências sobre o assunto e uma grande quantidade de literatura, a maior parte traduzida do inglês para o português, têm divulgado o movimento no Brasil

Em primeiro lugar, gostaríamos de dizer, antes de fazer uma análise seguida de uma crítica do pensamento deles, que não estamos negando nem a sinceridade, nem a honestidade, nem o desejo de servir a Deus e nem mesmo a conversão de quem quer que seja. Estamos tratando as coisas no campo das idéias. Não estamos dizendo que porque alguém abraçou o movimento de “Batalha Espiritual” não é crente. Não estamos dizendo que Neusa Itioka não é crente, que Valnice e Peter Wagner não são crentes. Ao tratar desse assunto, que Deus nos dê humildade e também dor no coração para com a situação.

Demônios especialistas - Fica difícil dizer o que eles crêem por causa das divergências existentes entre si. Mas há uma base na qual todos eles se firmam. Em um livro que está para ser publicado pela Cultura Cristã, o autor faz uma distinção que nos ajuda muito. Ele colocou o dedo no ponto crucial da “Batalha Espiritual”: O conceito de que todo mal que existe no mundo, qualquer que seja sua natureza, quer seja mal moral, pecado, desastre, etc. é causado pela ação direta de um ou mais demônios que são especialistas em causar aquilo. Portanto, a única solução apresentada por eles é um ministério ekbalístico. (que quer dizer “lançar fora”, “expelir”). Para o pessoal do movimento de “Batalha Espiritual”, o único modo possível de ministério é o ministério ekbalístico, já que tudo que aflige o indivíduo, a Igreja, e a sociedade é produzido pela interferência, pela atuação e pela influência de demônios. Assim, a solução só pode ser uma: amarrá-los, controlá-los, proibi-los, repreendê-los, etc. Então, se você compreende isso, você já conhece a porta de entrada para o movimento de "Batalha Espiritual".

Com essa base, será possível entender tudo o que eles fazem. O ministério ekbalístico refere-se, então, àquele tipo de ministério crido e exercido por muitos pastores no Brasil: a expulsão de demônios. Isso é visto por eles como a arma principal da Igreja, talvez a única arma para resolver todos os problemas da Igreja e da sociedade. Vamos supor: alguém está sofrendo de pensamentos sensuais, é crente, não consegue se livrar de pensamentos lascivos, devaneios eróticos, imagens contra as quais venha lutando, etc. Se essa suposta pessoa for a um conselheiro ekbalístico ele vai dizer o seguinte: “Isso está acontecendo porque tem um demônio entrincheirado na sua vida e que está produzindo esse tipo de coisa e você não vai resolver o problema enquanto você não expelir esse demônio da sua vida”. Então, possivelmente, o que vai acontecer é que vai haver uma sessão de exorcismo onde o conselheiro vai repreender o demônio e mandar que saia e o cidadão vai embora sentindo-se bastante aliviado. Possivelmente os pensamentos vão voltar, a pessoa vai regressar e repetir o mesmo processo por umas duas ou três vezes. Finalmente, o conselheiro ekbalístico vai dizer: “Você tem que aprender você mesmo a expulsar o demônio”. Eles ensinam, então, uma técnica para localizar o demônio fisicamente na parte do corpo em que ele se encontra, colocar a mão ali e ordenar que o demônio saia em nome de Jesus. Assim a pessoa passa a se automedicar, expelindo os demônios todas as vezes que eles voltam. Essa é a abordagem deles. Contudo, se o mesmo suposto personagem for a um conselheiro bíblico, a interpretação será outra. O conselheiro dirá: “Meu filho, comece a queimar as revistas ‘Playboy’ do seu quarto, depois pára de ver esses filmes com figuras e pensamentos eróticos, pára de andar com certas companhias que provocam a sua sensualidade, começa a lutar sério com isso, aprenda a orar, pedir a Deus que lhe guarde, tenha uma vida reta... aprenda que o caminho para se libertar disso é chamado pela Bíblia de ´santificação`, um processo árduo que exige a mortificação da natureza humana” O fato de “amarrar” um ou mais demônios não vai resolver isso. Como se vê, o ponto principal do movimento de “Batalha Espiritual” é o conceito de que todos os problemas do indivíduo, da Igreja, e da sociedade são causados por demônios que estão instalados em posições estratégicas e geográficas cabendo à Igreja a responsabilidade, segundo o movimento, de ir a esses demônios e anular a atuação deles. Essa é a base do pensamento, é a porta de entrada para a teologia de batalha espiritual deles.

Espíritos territoriais - Como já mencionamos, temos que compreender esse conceito de espíritos territoriais. Há um livro que foi editado por Peter Wagner, recentemente publicado, onde ele fala sobre esses espíritos. Para eles, os espíritos ocupam determinados territórios geográficos, regiões que podem abranger países, estados, cidades, bairros, e até casas e ruas. A idéia é que para cada região geográfica existem um, dois ou três demônios responsáveis pelo pessoal que mora ali. O trabalho deles é cegar as pessoas, levá-las à perdição e impedir que a Igreja penetre ali. Esse seria o trabalho dos espíritos territoriais. O alvo deles é cegar as pessoas daquelas regiões, pelas quais eles são responsáveis, através do ocultismo, Nova Era, astrologia, satanismo, uso de pirâmides, cristais, bruxaria, macumba, etc. O segundo objetivo desses demônios seria oferecer total resistência aos esforços da Igreja para entrar naquela área, impedir a abertura da área para a entrada da Igreja. Para isso eles cegam e oprimem os crentes. No caso mais extremo, alguns defensores de “Batalha Espiritual” crêem na possessão demoníaca dos crentes. O crente poderia ficar possesso, segundo eles. Neusa Itioka, partindo de um estudo de Gilberto Piker, procura fazer distinção entre possessão e demonização. Ela não aceita que o crente possa ser possuído, mas acredita que pode ficar demonizado. Neusa está trabalhando em cima de uma distinção que foi feita por Gilberto Piker, no seu livro sobre guerra espiritual. Parece-nos bastante infeliz essa idéia e sem qualquer apoio na língua grega. Ele acha que temos traduzido daimonitzo, que é o verbo para indicar possessão, de uma forma errada. Segundo ele, a tradução correta seria “ficar demonizado”. Assim, Piker entende que possessão significa estar totalmente sob o controle do Diabo e demonização significa que um demônio entrou na vida de alguém e ocupa uma área. Então, enquanto alguns diriam que o crente pode ficar totalmente possesso, como Neuza Itioka, Gilberto Piker, fala em demonização de áreas da vida em que o demônio pode chegar e se entrincheirar e de onde só sairá através do ministério ekbalístico. Os demônios fariam isso na Igreja para impedir o seu avanço, atacando pregadores, promovendo pecados de divisão e semeando confusão.

Outro ponto interessante é que, segundo eles, o quartel general dos demônios, o território que eles chamam de “trono de Satanás” está localizado em um ponto geográfico. Quando Peter Wagner esteve aqui no Brasil, convidado pela Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana naquela época, ele defendeu abertamente em Campinas a idéia de que estas regiões têm um local geográfico, que é conhecido como “trono de Satanás”, onde o líder dos demônios daquela região tem o seu quartel general e de onde controla os seus subordinados que cegam as pessoas e oferecem resistência à Igreja. Por conseguinte, a Igreja não pode progredir, crescer e evangelizar enquanto não neutralizar estas forças espirituais cósmicas. Seria inútil a Igreja começar uma campanha de evangelização numa nova área sem primeiro neutralizar esses espíritos territoriais que estariam ali entrincheirados. Primeiro temos que amarrar o valente e depois é que podemos saquear a casa. Essa é a estratégia missionária do movimento de “Batalha Espiritual” associada com o crescimento da Igreja. Primeiro tem que neutralizar os demônios, neutralizar suas fortalezas, tirar-lhes o domínio daquela região, e só assim a Igreja vai poder entrar, evangelizar e conquistar as pessoas para Cristo. A Igreja não deve ficar na defensiva. A reflexão inicial que fizemos sobre Efésios 6, mostrando que a Igreja já é vitoriosa e está na defensiva, essa nossa posição é totalmente inaceitável para eles. Segundo o movimento, temos que sair caçando Satanás, derrubando esses territórios, neutralizando a ação dos demônios e travando uma batalha cósmica nas regiões celestes.

 

Técnicas contra os espíritos - Segundo Wagner, nem todo mundo pode ser um guerreiro de oração, se não estiver preparado. Satanás vai devorá-lo no café da manhã. Como ninguém quer ser devorado por Satanás no café da manhã, os crentes vão em massa para o simpósio de “Batalha Espiritual” aprender com os “peritos” as estratégias e as táticas para enfrentar o inimigo e conquistar seus territórios. Esses “peritos” ensinam aos crentes os segredos de como atacar, nas regiões celestiais, essas forças espirituais. J.O. Fraser, na década de 30, não tinha idéia do que o seu pensamento iria produzir no século XX.

O que a Igreja deve fazer, segundo o movimento? Em primeiro lugar, fala-se muito em mapeamento espiritual. A idéia é que assim como se pode ir para uma cidade e mapear as suas diversas localidades e os seus acidentes geográficos, pode-se, também, fazer um mapa das regiões celestiais. Chamam isso de “mapeamento espiritual”. Dizem que há uma superposição do que está acontecendo nas regiões celestes com o que está acontecendo na terra. O mapeamento espiritual consistiria em descobrir basicamente duas coisas: a) onde estão localizados os demônios que controlam uma determinada região; b) quais os nomes deles. A idéia é que o conhecimento do nome do demônio dá poder sobre ele. Por isso dão tanta ênfase à necessidade de conhecer o nome dos demônios. Essa idéia veio, possivelmente, do gnosticismo antigo que o Dr. Horton chamou de “tecnologia espiritual”. Os gnósticos acreditavam que quando você tinha determinado conhecimento, você tinha controle de Deus e podia ter acesso a ele quando quisesse. Isso, portanto, é um reavivamento de certos aspectos do gnosticismo antigo, quando se conhece o nome de um demônio tem-se autoridade sobre ele.

Quanto à questão do trono de Satanás, Wagner ensinou um método para localizá-lo e derrubá-lo. Primeiro, toma-se o mapa da região, divide-o em quadros e anda-se por eles orando em cada um deles. Na área em que a maior opressão se manifestar, onde se torna quase impossível orar, é que está a maior concentração de demônios e ali, possivelmente, estará o trono de Satanás. O que deve ser feito é a promoção de uma corrente de oração trazendo guerreiros de oração para que derrubem o trono de Satanás. Uma vez feito isso, a região estará livre e poderá ser evangelizada com sucesso. No livro “Espíritos Territoriais” há uma ilustração interessante: Havia um cidadão na fronteira do Brasil com o Uruguai. No Uruguai, ele recebeu um folheto, mas ao lê-lo, nada aconteceu. Quando o cidadão cruzou a fronteira e entrou no Brasil, ele se converteu. Explicação dada: “Os demônios do lado do Uruguai não estavam amarrados, ao passo que, no lado brasileiro, eles estavam amarrados”. Segundo eles, ninguém se converte enquanto essas entidades não forem anuladas. Essa é a implicação do conceito do movimento de que todo mal existente no mundo é causado pela ação direta de um demônio. Portanto, a solução sempre seria a de atacar os demônios com um ministério ekbalístico. Então, esses simpósios ensinam fazer mapas espirituais; localizar e derrubar o trono de Satanás; orar intercessoriamente, em voz alta, determinando a queda das fortalezas; amarrar demônios pela palavra, especialmente os demônios ligados a certas atividades como embriaguez, vícios em geral, uso de drogas, etc.; dar ordens diretas aos demônios, repreendê-los e mandá-los para o abismo.

Quebrando maldições - Um desenvolvimento recente encontra-se na questão da maldição hereditária. Essa ênfase tem sido dada por Valnice Milhomens, Neusa Itioka, Jorge Linhares e Robson Rodovalho; este, da Comunidade de Goiânia. Eles entendem que os demônios passam a ter autoridade na vida de uma pessoa quando alguém lança uma praga. Por exemplo, quando um pai diz a um filho: “menino, que o Diabo te carregue!”. Por causa disso, o demônio vai controlar a vida desse menino e mesmo que ele se converta, se não se quebrar essa maldição, ele não conseguirá ser feliz porque ela o acompanhará pelo resto da vida. Assim, palavras descaridosas dos pais, xingamento, coisas más que são ditas, dariam autoridade aos demônios sobre as pessoas. Jorge Linhares conta que comprou um carro novo e, viajando, atropelou um coelho; na semana seguinte, atropelou um cachorro; na terceira semana, um passarinho bateu no parabrisa e morreu. Então ele orou: “Senhor, eu quero saber o que está acontecendo, tem alguma coisa errada com esse carro”. Ele diz em seu livro que o Espírito Santo revelou-lhe que aquele carro estava amaldiçoado e que ele devia quebrar todas as maldições; então ele foi e anulou todas as maldições que havia naquele carro. Qual é a conclusão lógica? Quando chegou em casa ele saiu de quarto em quarto anulando a maldição do refrigerador, da televisão, da mesa, etc. Isso porque ele cria que o Espírito tinha lhe revelado que o carro estava amaldiçoado porque foi produzido numa fábrica de ímpios. Há pessoas que crêem seriamente nisso e estão fazendo isso mesmo.

Robson Rodovalho ensina que para anular maldições hereditárias deve-se traçar uma árvore genealógica com todos os ascendentes e investigar a vida de todos os antepassados para saber se eles fizeram algum pacto com o Diabo, se há algum pecado que se repete na família o tempo todo, como separação, ou outra característica da família; e então, ensina o que fazer para quebrar essas maldições.

Pontos positivos - Gostaríamos de fazer uma breve avaliação do ensino do movimento de “Batalha Espiritual” e oferecer uma alternativa bíblica para a questão. Tentaremos cobrir os pontos básicos: Primeiramente, vamos fazer uma avaliação positiva do movimento. Há pelo menos três coisas boas em tudo isso:

a) a conscientização que esse movimento vem trazer à Igreja da realidade do poder e da atuação das hostes espirituais da maldade. A tendência e a tentação das igrejas reformadas calvinistas têm sido a de esquecer-se de que a luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades. Às vezes, a ênfase na igreja reformada calvinista é muito forte na questão do conhecimento, do treinamento doutrinário, e da precisão teológica na mente. Por vezes pensamos que qualquer coisa no reino de Deus sempre se processa no campo das idéias. Sem, naturalmente, querer desmerecer esta verdade, precisamos destacar que o verdadeiro calvinismo ensina a importância de uma mente preparada, sem se esquecer do valor de um coração aquecido, um coração em chamas pelo Evangelho, por amor a Deus, amor à Igreja, amor à glória de Cristo, que deseja ver essa glória espalhada pelo mundo. Não podemos dissociar essas duas coisas. Se ficarmos só na questão intelectual seremos reformados frios; e o que tem acontecido é que esta frieza tem entrado nas igrejas. Em outros países, onde estudamos, professores de seminários não acreditam em possessão demoníaca. Eles não têm nenhuma preocupação com o que a Escritura diz com respeito às astutas ciladas do Diabo. O fato de que Satanás anda ao nosso redor como leão que ruge, procurando a quem possa devorar, não desperta neles a menor preocupação. Tudo isso é considerado como sendo coisa do período apostólico e que cessou. Há, portanto, esse perigo e certamente esse movimento vem nos conscientizar dele.

Quando Paulo escreveu a carta aos Efésios, ele estava preso e, portanto, impedido de prosseguir na evangelização. Entretanto, Paulo não via a coisa apenas do ponto de vista meramente humano. Ele estava preso porque o imperador o havia abrigado como preso político e porque os judeus o entregaram ao imperador. Mas Paulo, ao analisar a situação, vê além disso. Ele sabia que por detrás do imperador e dos judeus que o colocaram ali, estavam forças espirituais da maldade nos lugares celestiais. Às vezes a Igreja esquece esse aspecto. É claro que o extremo oposto é de gente que vê o Diabo em tudo, em qualquer coisa, mas o outro extremo é esquecer da existência da atuação, da realidade dessas forças malignas ao nosso redor. Cremos que esse movimento, mesmo sendo definitivamente estranho aos ensinos bíblicos, pode nos ajudar a corrigir a nossa tendência de ir aos extremos.

b) O segundo ponto positivo é o zelo evangelístico. Como vimos, esse movimento nasceu no campo missionário, numa tentativa de ganhar pessoas para Cristo, libertá-las e levar o Evangelho a elas. É verdade que hoje o moderno movimento de crescimento de Igreja já perdeu muito desse zelo missionário de ir a outros povos e praticamente se tornou uma metodologia urbana de igrejas grandes; mas as raízes do movimento são missionárias e esse pessoal, muitos deles, têm um zelo muito grande no trabalho de ganhar as pessoas para Cristo e levá-las ao conhecimento de Deus. Isso vem fustigar, às vezes, a mornidão e indiferença das igrejas reformadas; a acomodação que vem às igrejas calvinistas que não têm visão missionária. Esse pessoal tem essa preocupação, alguns com motivos errados, mas pelo menos a preocupação existe.

c) Uma terceira coisa é a ênfase que eles dão à oração. Eles estão orando pela coisa errada, mas pelo menos acreditam que pela oração podem fazer alguma coisa. Sabemos que é Deus quem faz todas as coisas, mas também sabemos que Deus manda, em Sua Palavra, que oremos e que a Igreja ore e que interceda. Paulo mostra isso no final do capítulo seis de sua carta aos Efésios, ao pedir que a Igreja estivesse orando em todo o tempo no Espírito por todos os santos e também por ele para que lhe fosse dada a Palavra. Assim, embora o movimento de “Batalha Espiritual” tenha a ênfase errada, a vida de oração que ensina serve de chicote de Deus para nós.

Talvez um lugar onde seja mais fácil negligenciar uma vida de oração seja no seminário. Quando o seminarista chega ao seminário, calouro, feliz, ele ajoelha toda noite e sabe de cor o nome de todos os membros da sua Igreja, dos seus amigos e a favor de cada um ora de joelhos durante o seu primeiro ano. No segundo, ele já não conhece os nomes de cor e prepara, então, uma lista. Então, à noite, ele se ajoelha, pega a lista e diante de Deus lê o nome daquelas pessoas e pede que Deus as abençoe. No terceiro ano, ele já pregou a lista na parede. À noite, ele se ajoelha e diz: “Senhor, abençoa os nomes que estão nessa lista”. Esse movimento vem nos lembrar que sem oração, sem buscar a Deus, sem obedecer a ordem das Escrituras de que temos que orar Deus não nos abençoará.

Erros do movimento - Agora, ao mesmo tempo em que destacamos esses pontos positivos, temos também alguns questionamentos sinceros, algumas preocupações verdadeiras; mas, antes de apresentá-las, queremos dizer duas coisas: Primeiro, cremos na realidade e na atuação dos demônios conforme o ensino bíblico. Não entendemos que toda atividade demoníaca foi restrita ao período apostólico, não há base para dizer isso. Segundo, cremos no poder da oração e cremos que o crente fortalecido no Senhor, na força do seu poder, é capaz de enfrentar e vencer as tentações do Diabo.

Agora vamos ver algumas críticas. São seis ou sete observações. A ordem que vamos seguir não tem que ver com a ordem de importância, mas a primeira merece destaque:

1. Apesar do tom de autoridade desses “peritos”, o que eles falam, a grande maioria das estratégias propostas, não tem base bíblica. Suas técnicas parecem mais com um misticismo exagerado. Por exemplo, onde, na Bíblia, vamos encontrar uma orientação, uma ordem do Senhor Jesus, para que os apóstolos e a Igreja localizassem e derrubassem o trono de Satanás? Por que Jesus nunca ensinou isso aos apóstolos e os apóstolos nunca ensinaram isso às Igrejas? Onde vamos encontrar, no Novo Testamento, o Senhor Jesus ensinando aos apóstolos que eles deveriam amarrar Satanás por meio de palavras? E onde vamos encontrar os apóstolos ensinando as Igrejas que na batalha contra o Diabo elas poderiam amarrar Satanás com a autoridade que Jesus deu? Onde vamos encontrar que a Igreja deve se organizar para, através da oração, fazer guerra contra o trânsito, como o pessoal de “Batalha Espiritual” em Los Angeles amarrou os demônios no engarrafamento, durante as Olimpíadas? Amarraram os demônios da maldição do triângulo das Bermudas. Na revista Newsweek saiu a notícia de que não houve engarrafamento no trânsito em Los Angeles durante as Olimpíadas porque eles decretaram a prisão do demônio do engarrafamento. Onde está na Escritura que a Igreja deve se unir em oração para fazer isso? É claro que não tinha engarrafamento na época de Paulo.

Segundo o pensamento de alguns deles, os demônios não só atuam em pessoas mas, também, em estruturas. Neusa Itioka afirma que o problema do funcionalismo público no Brasil é que existe um demônio do funcionalismo público. Ela afirma isso! No seu livro: “Você Está em Guerra”, publicado agora pela SEPAL, ela fala que o problema do funcionalismo público no Brasil é um demônio que está entrincheirado nas estruturas econômicas, e o problema do racismo no Brasil é que quando foi assinada a Lei Áurea, resolveu-se o problema externo, mas ninguém passou uma canetada amarrando o demônio do escravagismo; por isso a raça negra continua sendo desprezada, ridicularizada e menosprezada. Certamente não vamos encontrar esse ensino na Escritura. Por que o apóstolo Paulo não promoveu uma campanha entre as suas Igrejas para amarrar o imperador ou destronar o poder do Império Romano que estava matando cristãos? Por que Paulo não fez uma campanha para acabar com a escravidão, amarrar o demônio da escravidão que havia no Império Romano? Por que Paulo não fez nada disso? Onde encontramos na Escritura que para o homem ser feliz ele tem que quebrar as maldições hereditárias?

A interpretação que o movimento de “Batalha Espiritual” tem dado à passagem de Êxodo 20 consiste num crasso erro de hermenêutica. Nunca se deve pegar um texto isoladamente, para elaborar uma doutrina. Êxodo 20 tem que ser interpretado à luz de Ezequiel 18, onde o profeta repreende a nação porque o povo estava dizendo: “os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que embotaram”. O profeta disse: “de forma nenhuma. A alma que pecar essa morrerá”. Se um homem justo gerar um ladrão, as bênçãos do justo, os méritos do justo não vão passar para o filho ladrão; ele vai morrer debaixo da ira de Deus; e se o filho ladrão gerar um filho justo nada do que o pai fez de errado vai cair sobre esse filho justo. Assim, devemos interpretar Êxodo 20 à luz dos profetas, do Novo Testamento, onde está escrito que em Cristo Jesus todas as nossas cadeias, toda a nossa dívida foi desfeita. Essa é a nossa primeira preocupação, a falta de base bíblica para essas ousadas afirmações.

Outra coisa: Por que Paulo sofreu durante catorze anos com um espinho que ele expressamente diz que era um mensageiro de Satanás? Não sabemos a natureza do mensageiro, mas sabemos sua procedência, era de Satanás. Por que durante catorze anos Paulo sofreu com aquele enviado de Satanás? O que ele fez foi pedir a Deus, três vezes, humildemente, que tirasse aquele espinho. E nem assim ele foi atendido. Como se explica isso? Como se explica que Paulo, querendo voltar a Tessalônica, tenha sido barrado por Satanás (I Ts 2:18; 3:1)? Qual foi a estratégia de Paulo? Aqui está um caso típico de guerra espiritual, ele queria voltar a Tessalônica, onde tinha deixado uma Igreja de novos convertidos, mas não pôde porque Satanás lhe barrou o caminho. Não sabemos a natureza da barreira. A palavra “barrar” significa: “cavar uma trincheira”, vem da linguagem militar, cavar uma trincheira para que o inimigo não passe. Está claramente caracterizado um caso em que o missionário quer entrar no campo mas o Diabo coloca obstáculo. O que fez o apóstolo Paulo? Ele não amarrou, não determinou queda, não repreendeu, não mandou de volta para o abismo. Não podendo ir pessoalmente a Tessalônica, ele simplesmente enviou Timóteo. Mais duas coisas: Ele orou, escreveu uma carta e mandou Timóteo driblar a barreira e ir em seu lugar. Segundo os padrões de “Batalha Espiritual” moderno, Paulo era um verdadeiro crente frio.

De onde vêm essas técnicas, de onde elas se desenvolveram? Há duas fontes: primeiro, do pragmatismo; - “se funciona, então está certo”. Neusa Itioka, nesse livro que saiu agora, diz que os demônios ganham autoridade para sentar no pescoço de alguns crentes. Ai você pergunta: “Neusa, de onde você tirou essa idéia?” Certamente a resposta não será: “das Escrituras”, pois isso não está na Bíblia. A resposta dela será: “eu tenho observado no meu gabinete que muitos crentes que vêm se queixando de determinados pecados, também vêm sofrendo com dores no pescoço.” A conclusão dela é que o demônio monta no pescoço. É uma questão tragicômica. A base da maioria das práticas desenvolvidas por esse movimento vem dessa forma. Uma vez, um defensor do movimento, conhecido aqui no Brasil, foi fazer uma palestra numa igreja em Minas; quando acabou de falar, ele perguntou aos presentes: “Quem ficou com sono durante a palestra”? As pessoas levantaram a mão e ele chamou-as para a frente e disse: “Vou orar, agora, repreendendo o demônio do sono da vida de vocês”. Orou, expulsou o demônio do sono, e na saída o pessoal foi falar com ele. Disseram: “onde é que você tem base para dizer que se uma pessoa está cochilando durante a sua palestra, aquilo é um demônio que está causando sono”? Porque, na realidade, se olhar na Bíblia, o sono é uma bênção de Deus. Tem gente que daria qualquer coisa no mundo para passar uma noite de sono profundo. Em nenhum momento da Escritura isso está ligado a uma ação demoníaca, “como é que você sabe disso”? Ele respondeu: “Eu sei que não está na Escritura, mas Deus me revelou”. São essas as fontes básicas do movimento: Revelações especiais diretas de Deus e experiências práticas. Em outras palavras: Isso é uma mistura de pragmatismo e misticismo.

2. Outra coisa que tem nos preocupado é a influência doutrinária da “Confissão Positiva”, nas práticas do movimento. O movimento de “Confissão Positiva” começou com o pastor Essek William Kenyon, dos Estados Unidos. Ele pegou a idéia de filósofos sobre o poder da palavra; - “a palavra cria” - e trouxe isso para dentro da Igreja, criando a idéia de que pela palavra o crente consegue criar realidades ao seu redor. Um dos discípulos de Kenyon é Paul Young Cho, com aquele famoso livro, que fez muito mal ao Brasil, chamado “A Quarta Dimensão”, onde se lê que você visualiza, mentaliza e pela palavra você cria resposta à sua oração, exatamente do jeito que você queria. Outro discípulo é Benny Hinn, cuja literatura está espalhada pelo Brasil. Sua idéia é basicamente esta: Assim como Deus no começo criou todas as coisas pela palavra do seu poder, nós, porque somos deuses, podemos igualmente criar, podemos criar circunstâncias através da palavra.

Há pouco tempo recebemos um livro escrito por um pastor chamado Hank Hanegraaff, dos Estados Unidos, e ele mandou, acompanhando o livro, duas fitas onde colecionou as próprias palavras e expressões usadas por Benny Hinn e outros, tiradas da televisão e de revistas. Ele fez uma coletânea para que os evangélicos ouvissem, nas próprias palavras desse pessoal, o ensino deles. Benny Hinn diz: “Você não tem um deus dentro de você, você é deus”. O que está por detrás disso é a idéia de que podemos criar como Deus criou, porque nós também somos deuses. Um outro evangelista dessa linha diz o seguinte: “Não diga que você está doente, você simplesmente bata em seu corpo e diga: ´Ah! esse corpo saudável!` Porque na hora em que você disser: ´eu estou doente` você vai ficar doente, porque a palavra tem poder. Mas diga: ´eu estou curado`. Não diga também que você está pobre, bata no seu bolso e diga: ´Ah! carteirinha cheia de dinheiro`” Esse pensamento da palavra criadora está por detrás de muitas das estratégias do movimento de “Batalha Espiritual”. Ou seja, a voz de autoridade e comando dos crentes vai criar aquilo que eles estão dizendo e aquela vocalização vai derrubar fortalezas, vai amarrar o Diabo, vai repreender os demônios, e vai criar realidades favoráveis ao crescimento da Igreja. Então há a influência do movimento. Essa idéia de confissão positiva, não é só idéia da "Teologia da Prosperidade", mas também do movimento de “Batalha Espiritual”.

3. As ênfases do movimento comprometem o conceito da suficiência de Cristo no Evangelho. Todos precisam saber que essa teologia de “Batalha Espiritual” nasceu em solo arminiano; Peter Wagner é arminiano, Neusa Itioka é arminiana e Valnice é arminiana. Uma teologia dessa jamais poderia florescer em solo Reformado. Isso porque a Teologia Reformada coloca a sua ênfase na soberania de Deus, no senhorio de Jesus Cristo, e na suficiência de Cristo e sua Palavra. Assim, esse movimento acaba atacando a suficiência de Cristo. Não é suficiente o que o nosso Salvador fez por nós na cruz e na ressurreição, temos que completar isso quebrando as maldições hereditárias, dizem eles. As afirmações da Escritura sobre a vitória de Cristo na cruz do calvário e a sua ação de anular as obras do maligno não são suficientes, temos que completar isso amarrando o que Ele deixou de amarrar, dizem eles.

4. O movimento tende a isentar os crentes da sua responsabilidade moral, e de todo o processo de santificação, como demonstramos naquele exemplo da pessoa que procura o conselheiro, porque tem pensamentos impuros. O que acontece é que pessoas que abraçam esse movimento e que começam a ver os demônios como responsáveis, inclusive pelos seus próprios pecados individuais, acabam finalmente a se sentir isentos de qualquer responsabilidade. Não é difícil encontrar pessoas que dizem: “Meu casamento deu errado, o Diabo entrou ali, fez a maior bagunça; o Diabo tomou conta de mim, eu não sabia o que estava fazendo, bati na minha esposa, mandei meus filhos embora, etc.” O Diabo acaba sempre sendo o responsável e os homens ficam isentos de culpa, pois agiram debaixo da influência do Diabo. Isso pode ser visto nos grandes tele-evangelistas dos Estados Unidos. Um deles, depois de um grande e comprovado escândalo moral, foi à televisão e disse: “Irmãos, eu sei o que fiz, mas foi o Diabo que me levou a fazer, eu não sabia o que estava fazendo, o Diabo fez isso”. Esse é o resultado, quanto à responsabilidade individual. O caminho do quebrantamento, do arrependimento, da mortificação fica cada vez mais distante à medida que a ênfase recai nesse tipo de coisa. Alguns meses atrás recebemos um convite que dizia o seguinte: “Achamos que o Brasil está vivendo um momento de grande avivamento espiritual, e há uma mudança na liturgia e um retorno dos dons espirituais, mas notamos que está faltando uma coisa essencial e queremos convidar o irmão a participar como preletor de uma série de conferências sobre santidade”. É a primeira conferência sobre santidade, por achar que está faltando santidade no avivamento. Há o avivamento, mas está faltando santidade, então vamos promover um simpósio sobre santidade.

5. O movimento tende a criar uma obsessão doentia por Satanás, demônios e as coisas do ocultismo. A cosmovisão da Escritura é a seguinte: a Bíblia não nos manda olhar o mundo pela ótica da atuação dos demônios, embora nos ensine a reconhecer a presença deles. O problema do pessoal que abraçou o movimento de “Batalha Espiritual” é que eles olham o mundo dessa perspectiva, filtrada pela atuação dos demônios. Portanto, eles vêem demônios atuando em todas as coisas. Essa não é a cosmovisão da Bíblia. Essa é a maneira do mundo ver as coisas, dos povos pagãos do passado e das religiões gregas do passado, em que para cada árvore, cada casa, cada pedra, havia uma fada, um duende ou coisa dessa natureza; era uma visão pagã do mundo e não uma visão bíblica. A Bíblia reconhece a presença e atuação do inimigo, mas não nos ensina a viver como se em cada esquina houvesse um demônio esperando para nos devorar.

Estivemos, há alguns dias, em uma certa cidade. Ficamos hospedados na casa de um pastor que abraçou o movimento de “Batalha Espiritual”. Ele nos contou que o menino dele, de seis anos de idade, não conseguia dormir mais sozinho no quarto e vinha sempre para o quarto dele. Perguntamos como isso aconteceu, e ele contou que quando chegaram à cidade, a Igreja alugou um apartamento para a sua família; depois, com o crescimento da Igreja, o Conselho resolveu comprar uma casa que havia na região. Ele e sua família mudaram-se para a nova casa. Na primeira e também na segunda noite que passaram na casa, eles foram acordados pelos gritos da empregada “urrando” e se batendo pelos corredores; e o menino presenciou tudo. O pessoal da região dizia que a razão estava no fato da casa ser mal assombrada. A Igreja a havia comprado porque era uma casa barata, que ninguém quis comprar. Então, uma senhora da Igreja, que tem o ministério de quebrar maldições, foi levada à casa para exorcizá-la, e o menino presenciou tudo. A mulher foi de quarto em quarto amarrando e desfazendo toda a obra maligna, etc. Daquele dia em diante o problema não se repetiu mais. Depois de ouvir o pastor, fizemos com que ele visse que estava enganado, o problema continuava. O filho dele não estava conseguindo dormir. O problema era que o menino viu tudo o que fizeram e ficou com a convicção de que mesmo no recinto de um lar, debaixo da graça e proteção do Cordeiro, a qualquer momento ele poderia ser atacado por entidades malignas. Mas o fato não é apenas que esse menino vai crescer traumatizado; o pai dele já estava obcecado e centenas de crentes no Brasil, em nossas Igrejas, vivem obcecados e com medo disso. Essa não é a maneira bíblica de ver o mundo. Essa é a visão pagã do mundo. Satanás, e não Cristo, tem se tornado o centro do ministério de muitos. Cristo deixou de ser o centro do ministério de muita gente, e o seu lugar de primazia foi ocupado pelo Diabo e sua atuação.

6. O movimento trouxe de volta uma heresia que a Igreja já havia descartado há muito tempo, o dualismo. O maniqueísmo, para ser mais exato. Como todos sabem, essa corrente de pensamento ensina que o mundo é controlado por duas forças iguais, o bem e o mal. A Igreja já condenou isso como heresia. O que acontece no mundo não é determinado pelo conflito de duas forças opostas, uma boa e outra má, como se Deus e o Diabo fossem iguais e estivessem lutando pelo controle do mundo. Pelo contrário, o ensino das Escrituras é que Deus é o Senhor; Ele tem todas as coisas debaixo do Seu controle e o Diabo não mexe um dedo sem a permissão de Deus. Ele só vai aonde Deus permite. O Diabo é apenas uma criatura, mas do jeito que ele é pintado nesse movimento parece que ele é um poder, senão igual, mas pelo menos independente de Deus. Ele faz o que quer e Deus é que tem que vir atrás para consertar. O Diabo não é um poder independente de Deus; ele só faz o que Deus permite, e Deus o usa inclusive nos Seus propósitos; é por isso que dissemos que essa teologia não brotaria no solo calvinista, reformado. Isso só poderia brotar na teologia arminiana, segundo a qual praticamente Deus não tem controle nenhum; o Diabo faz o que lhe apraz e os homens também.

7. O movimento faz uma confusão entre mal moral e mal situacional. Mal moral é o pecado, nossa atividade pecaminosa, nossa culpa, nossos erros, nossa quebra da lei; o mal situacional é a miséria do homem, o fato dele adoecer, sofrer desastres, acidentes, opressão econômica; enfim, tudo aquilo que oprime o ser humano. Quando Jesus estava aqui nesse mundo, Ele agiu de duas maneiras diante do mal: quando Ele encontrava o mal moral, ele não expulsava. Ele dizia à pessoa: arrependa-se e me siga; quando Ele encontrou uma prostituta, um Zaqueu, não expeliu nenhum demônio da ganância de Zaqueu, nem expeliu nenhum demônio de prostituição; quando se diz lá que Maria Madalena tinha sete demônios, não quer dizer que algum deles era de prostituição ou que causava prostituição. Prostituição, nas Escrituras, sempre em última análise é responsabilidade do ser humano e é por isso que Deus vem tratar com o ser humano. De nada valeu a desculpa de Eva e nem a de Adão, colocando a culpa no Diabo. Deus não Se deixou enganar, eles foram considerados responsáveis e estavam debaixo da ira de Deus. Quando Jesus encontra o mal moral, a atitude dele é de repreender, exortar ao arrependimento e mandar que as pessoas O sigam; Jesus só usa o modo ekbalístico de ministério quando encontrava pessoas aprisionadas pelo Diabo em termos de doença, pessoas epilépticas, pessoas possuídas pelo maligno. Mas quando via um mal moral Ele nunca expulsava demônios. O problema do movimento de “Batalha Espiritual” é que eles misturam as duas coisas e dizem que o ministério de expelir demônios se aplica a todas as circunstâncias. Isso não pode ser sustentado biblicamente, pois pecado não se resolve amarrando demônio; pecado não se resolve expulsando demônio. É verdade que a Bíblia diz que o Diabo nos tenta, não estamos negando esse fato; isso seria negar o que a Bíblia diz com clareza. Mas se pecamos, em última análise, a responsabilidade é nossa, somos nós que pecamos e o Diabo não vai levar a culpa disso.

Que fazer, então? - Essas são algumas críticas e preocupações. Como então a Igreja deve resistir e enfrentar esse problema? Como deve estar pronta para a batalha? Qual o ensino bíblico sobre o assunto? Começaremos dizendo que as Escrituras verdadeiramente afirmam a existência e a realidade das forças espirituais do mal. No texto que lemos, Efésios 6, Paulo fala sobre essas forças espirituais numerosas, organizadas e lideradas por Satanás. Elas são poderosas, perversas, más, astutas, inteligentes e estão em franca oposição a Deus, a Cristo e à Sua Igreja. Esse quadro é muito claro nas Escrituras e não podemos negar e nem mesmo questionar essa realidade. Nós estamos num combate, e essas forças espirituais estão presentes, continuamente nos atacando. Mas cremos que o movimento “Batalha Espiritual” deixa de ensinar o que é mais importante: Essas forças malignas já estão derrotadas. O modo como o movimento leva seus adeptos a brigar com o Diabo, a confrontar essas forças malignas, sugere que Satanás é o senhor do mundo. Assim, o ensino bíblico da vitória de Cristo tem sido colocado de lado. A Bíblia nos fala sobre isso usando uma linguagem bastante diferente, usando figura de campo semântico diferente. O ponto central é que, na cruz, Cristo ganhou a batalha contra as hostes espirituais do mal, contra Satanás. Como é que as Escrituras nos descrevem isso? Em Gênesis 3:15, está dito que viria um descendente da mulher, semente da mulher, que esmagaria a cabeça da serpente; e a Escritura não deixa dúvida que isso aconteceu na cruz do calvário. A figura de “esmagar a cabeça” não poderia ser mais apropriada ou seja: foi dado um golpe final, não há retorno, foi dado um golpe mortal. Falando uma vez sobre esse assunto, um gaúcho chegou a mim e disse: “Pastor, se o senhor quiser enriquecer esse ponto, o senhor pode acrescentar a minha experiência. Eu sou gaúcho lá dos pampas e lido com gado e a nossa experiência lá é que quando a gente esmaga a cabeça da cobra de manhã ou à tarde, ela vai ficar tremendo, se retorcendo até à noite. Mas passa o dia todo se mexendo, apesar da cabeça já ter sido definitivamente esmagada.” Essa figura ilustra bem o ensino da Escritura de que Cristo já desfechou o golpe final, não há retorno para Satanás. Em Colossenses 2: 14-15 Paulo diz: “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”. Essa linguagem vem do campo militar, essa idéia de despojar, de expor ao desprezo, triunfar é uma linguagem que vem das batalhas do mundo antigo. Quando um adversário era vencido ele sabia que ia ser despojado, o vencedor lhe tirava os bens, as mulheres, os filhos, o gado e ainda levava as armas do guerreiro vencido; ele era completamente despojado, ao ponto de algumas traduções modernas, em vez de dizer “despojando” dizem “desarmando”, porque esse era o sentido de despojamento. Todas as armas da cidade vencida eram levadas. A cidade era desarmada para que não houvesse outra rebelião. Várias traduções modernas dão preferência a “desarmar”, transmitindo a idéia de que Cristo desarmou, na cruz, os principados e potestades, expondo-os publicamente ao desprezo e triunfando deles na cruz. Essa figura é bastante conhecida - “o triunfo romano”; um general, voltando vitorioso para sua cidade, entrava em triunfo com os prisioneiros amarrados atrás dele. E aí as mulheres, as crianças e os velhos jogavam terra, tomate, nos derrotados. Eles eram expostos ao desprezo. O apóstolo Paulo deliberadamente está dizendo que, na cruz, Cristo desarmou os principados e potestades; é a mesma expressão de “principados e potestades” que aparece em Efésios 6. Desarmou, despojou, tirou tudo em que eles confiavam. O inimigo foi deixado despido, nu, sem nada e exposto ao desprezo. Na cruz do Calvário Cristo triunfou deles. A Escritura afirma isso de forma indiscutível. Em João 12: 31-33 Jesus diz aos discípulos: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer”. Nessa passagem, o Senhor Jesus Cristo está dizendo que na Sua morte o príncipe desse mundo seria expulso. Em resumo, Ele está dizendo a mesma coisa que Paulo, em Colossenses 2:14,15; e que Moisés escreveu em Gênesis 3:15. As expressões “esmagar a cabeça”, “desarmar”, e “expulsar o príncipe desse mundo” referem-se, todas elas, a Satanás. Não há qualquer referência no Evangelho de João à expulsão de demônios que Jesus tenha feito. Os relatos de expulsão de demônios estão apenas nos Evangelhos sinópticos: Mateus, Marcos e Lucas. Por que João não narra nenhuma expulsão de demônios? A resposta é a seguinte: João estava preocupado com a maior de todas as expulsões, a expulsão central. Na Sua morte, Jesus expulsou definitivamente a Satanás, o príncipe desse mundo. João, assim, não narra outras expulsões de demônios.

Voltando a Efésios 6, considerando as peças da armadura, veremos que cada uma delas nada mais é do que tudo aquilo que pertence, naturalmente, ao crente, a qualquer um: “verdade de Deus”, “justiça de Cristo”, “fé”, “evangelho” e “palavra de oração”. Não há na passagem nenhuma arma secreta. Todos os crentes em Cristo Jesus possuem essas armas. Para muitos, a armadura é o próprio Cristo. Revestir-se da armadura de Deus é a mesma coisa que revestir de Cristo, em quem estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência. Não há nada no texto que dê margem às técnicas especiais de caça ao Diabo ensinadas pelo movimento de “Batalha Espiritual”.

A título de uma aplicação final, devemos dizer que a Igreja deve tomar duas linhas: Em primeiro lugar, precisamos estar conscientes de que estamos envolvidos numa guerra espiritual. Na realidade, conscientes da atuação dos demônios. As pessoas que estão lá fora, no mundo, estão debaixo do poder deles e a Igreja tem que ter consciência disso. Em segundo lugar, mais do que em qualquer outro momento da sua história, a Igreja deve fincar os pés na Escritura e fazer da Escritura o seu manual prático. Aquilo que não puder ser provado pela Escritura, ou deduzido de uma forma legítima da Escritura, deve ser rejeitado e colocado fora da nossa vida, da nossa Igreja e da nossa prática de ministério. A chamada da Igreja, a essa altura, é para a suficiência da Escritura, e todas as nossas práticas devem passar por esse crivo. A nossa oração a Deus, o nosso desejo é que nos Seminários, na Igreja evangélica brasileira, tomemos uma posição de firmeza sem negar a realidade dessas coisas, combatendo-as biblicamente, tomando toda a armadura de Deus que nos é concedida em Cristo. Que Ele nos abençoe!

*O Rev. Augustus é pastor presbiteriano, tem mestrado em Novo Testamento pela Potschefstroom University for Christian Higher Education, na África do Sul, e doutorado em Hermenêutica e Estudos Bíblicos pelo Westminster Theological Seminary, Filadélfia, USA. Atualmente é coordenador do Departamento de Novo Testamento do Centro de Pós-Graduação Andrew A. Jumper, em São Paulo



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