Está Amarrado Em Nome de Jesus!
Autor: Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Tenho ouvido e lido muito a frase "Está amarrado em nome
de Jesus!". E me indago: "De onde saiu esta idéia?".
Cada vez mais as pessoas ouvem conceitos e os
repetem sem análise. Um grupo de pastores não batistas me
convidou para lhes falar sobre pregação, numa manhã. Lá fui.
Discutiram depois sobre o aniversário da sua
cidade e decidiram pedir ao Prefeito uma oportunidade para os
evangélicos na ocasião. Solicitariam que todo o trânsito fosse
parado, cessada toda a movimentação, e fariam uma oração,
amarrando Satanás naquela cidade e declarando-a possessão do
Senhor Jesus. Afinal, a palavra tem poder e a vitória devia ser
declarada. Foi um alarido de concordância geral. Como visitante,
timidamente, fiz uma pergunta a um deles: "Depois que vocês
declararem Satanás amarrado nesta cidade e a declararem como
sendo do Senhor Jesus, isso acontecerá realmente?". "Sim!",
respondeu-me ele, titubeando. "Não haverá mais crimes, nem
roubos, nem prostituição, nem drogas na cidade? Vocês podem
afirmar isso?", retornei. Foi constrangedor. Como não podia
afirmar, o colega preferiu me achar incrédulo e pensar que
tinham feito um mau negócio convidando um preletor batista
tradicional. Foi uma saída melhor do que pensar. Aliás, pensar é
problemático. Repetir chavão da moda é bem melhor.
Amarra-se Satanás com uma frase? Quem disse
isto? Qual a base bíblica para esta declaração tão
revolucionária? Porque, se verdadeira for esta interpretação,
podemos amarrá-lo para sempre! Adeus, penitenciárias, crimes,
pecados! Traremos o céu para a terra com uma simples declaração!
Nem o próprio Jesus fez isso!
Tal idéia deve vir de
Mateus 12.29 e
Marcos 3.27 (deixo de lado
Apocalipse 20.2 cuja análise não comporta aqui). Os dois
textos tratam do mesmo evento.
Lucas 11.17-23 também narra o episódio, mas omite a
declaração de Mateus e Marcos: "amarrar o valente". Convenhamos:
a base é muito precária para estabelecer uma doutrina e uma
prática tão revolucionárias.
Jesus havia feito uma série de curas, conforme
Marcos. A que mais impressiona Mateus é a do endemoninhado cego
e mudo. Era o cúmulo da desgraça: não ver e não falar, além de
ter demônios. Jesus o curou. Atônitos, sem ter o que dizer, os
fariseus o acusaram de agir por Belzebu, divindade cananéia,
cujo nome significa "Baal, o príncipe". Esta definição do nome
Belzebu fica bem clara em
Marcos 3.22. Para os fariseus, Jesus não estava agindo nem
mesmo por um demônio conhecido, mas por divindades estrangeiras.
A resposta de Jesus, como sempre, é admirável.
Se ele estivesse mancomunado com Satanás ou Belzebu (uma
"divindade" pagã, para ele, é demoníaca) seria um caso de guerra
civil. Satanás estaria contra Satanás. Seria uma casa dividida e
uma casa dividida não subsiste. Mas ele veio pelo Espírito de
Deus e com ele irrompeu o reino de Deus (Mateus
12.28). Jesus entrou num mundo dominado pelo maligno (1
João 5.19) e estabeleceu seu reino. Ele veio para libertar
os oprimidos do Diabo (Atos
10.38) e destruir as obras de Satanás (1
João 3.8). Veio ao terreno dominado pelo inimigo, adentrou
seus domínios e abalou seu poder. Isso é como entrar na casa do
valente, amarrá-lo e tomar seus bens.
Para alguns comentaristas, os bens são as
pessoas dominadas por ele. Broadus pensa que se refira aos
demônios dirigidos por ele e sobre quem Jesus mostrava poder.
Talvez os contornos da declaração de Jesus não sejam relevantes.
Parece-me haver aqui uma metáfora de um só sentido, em que as
particularidades não contam. O que importa é isto: há um homem
forte que tem bens. É Satanás. Um mais forte que ele, Jesus,
invade seus domínios e o vence. A vitória de Jesus no deserto (Mateus
4.1-10) mostra sua superioridade sobre Satanás.
É aqui que surge a expressão "amarrar o valente"
(Mateus
12.29 e
Marcos 3.27). Jesus fez isso. Ele limitou o poder de
Satanás. Mas atenção: em lugar algum a Bíblia diz que os crentes
amarram Satanás. Isso foi obra de Jesus ao irromper na história
com seu reino, abalando o poder do inimigo. Crentes não amarram
Satanás. A Bíblia não traz um versículo sequer dizendo que com
uma simples declaração conseguimos esta proeza. É muito
simplismo e pretensão de algumas pessoas presumirem que suas
palavras amarram Satanás.
Levanto algumas considerações para pensarem:
1a) Por que o amarram em cada culto? Ou fica
amarrado para sempre ou alguém o solta! Quem o solta depois que
ele é amarrado?
2a) Se ele está amarrado, quem está agindo? É
impossível deixar de reconhecer que ele está solto, agindo neste
mundo.
3a) Jesus estava sendo literal? Devemos tomar a
expressão como algo literal e dar-lhe um sentido universal,
aplicável a todos os crentes, num sentido que Jesus não deu? Ou
estava usando uma linguagem em figura para dizer que não tinha
ligação alguma com Satanás, que eram adversários e que ele tinha
vindo para destruir o Maligno? O próprio Jesus, que veio para
amarrá-lo, foi tentado por ele (Mateus
4.1-10 e
16.23). Paulo nos adverte que é contra ele e seus asseclas
que temos que lutar (Efésios
6.12). E nos aconselha a nos aparelharmos para a luta (Efésios
6.13-18). O quadro é de luta e não deste simplismo de deixar
o inimigo amarrado com uma palavra.
4a) Qual a base bíblica para esta afirmação? É
isto que não consigo entender: como práticas que resvalam para
doutrina são estabelecidas em nosso meio, apenas com tintura
bíblica, mas sem embasamento? Afinal, Paulo nos aconselha a
lutarmos contra ele, em vez de amarrá-lo.
Tiago 4.8 e
1 Pedro 5.9 nos aconselham a resistirmos ao Diabo, em vez de
amarrá-lo. Por que a Bíblia não deixa bem claro, se é possível
isso, que o amarremos com uma frase de efeito?
5a) Não será uma estratégia do próprio inimigo
disseminar em nosso meio a idéia de sua fraqueza e que é fácil
vencê-lo? Não será seu interesse que os crentes pensem que uma
frase feita o impeça de agir e assim nos descuidemos de nossa
vigilância?
Sugeri certa vez, numa comissão doutrinária, que
um semestre de Doutrina do Espírito Santo fosse incluído no
currículo teológico. A terceira pessoa da Trindade ainda é pouco
estudada em nosso meio, por isso tantos desvios doutrinários
envolvendo-a. Creio que precisamos estudar também sobre o Diabo.
Na realidade, precisamos estudar mais séria e criteriosamente a
Bíblia. Fugir das novidades e "grifes" evangélicas que pululam
aqui e acolá, das "descobertas" de cada dia, obra de pessoas que
diariamente "redescobrem" o evangelho que jamais alguém viu em
dois mil anos de cristianismo, e firmar-nos na doutrina
equilibrada da Palavra de Deus. Amarremos o espírito
novidadeiro, o espírito ateniense
(Atos
17.21) que há em alguns (por favor, "espírito", aqui, é
linguagem figurada). Isso será bom. Haverá um pouco mais de paz
doutrinária no meio das igrejas. Em outras palavras: dá pra
parar de inventar?
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