Dr.
W. C. Taylor
O livre
arbítrio do homem é axioma cristão. Toda moral, quer sob a Lei, quer sob o
Evangelho, o responsabiliza e o considera capaz de considerar motivos, pesar
alternativas, calcular necessários para os atingir. Esta verdade elementar é
fato fundamental em nossa experiência e assim agimos a cada momento.
Entre as verdades reveladas, freqüentemente aparecem gêmeas. Andam em pares. Assim a liberdade de Deus é verdade tão axiomática como o livre arbítrio dos homens, é
infinitamente maior em alcance, santidade e valor, e no horizonte de seu
panorama são vistas, em suas verdadeiras proporções e forças divinas, humanas,
angélicas, demoníacas, e cósmicas. A liberdade de Deus não pode ser elemento
latem, suprimido ou nulo no pensamento cristão. Sem este fato, nossas mentes
ficam sem a luz e a força da eternidade, do invisível, criação, da providência,
da redenção, do juízo, da revelação, e dos atributos de Pai, Filho e Espírito
Santo, como fatores na vida e no pensamento. Nosso Deus não é Deus de palanque,
mero espectador do curso do universo. Sua imanência em tudo, e sua
transcendência a parte de tudo e sobre tudo, como o “Todo-Poderoso”, são da
essência da fé, uma vez entregue aos santos, revelada em toda a Escritura.
Deus, pois, goza de liberdade em seu universo. Os nomes bíblicos desta verdade
são as doutrinas de predestinação, eleição, chamada eficaz, graça, providência,
soberania divina, e doutrinas congêneres em toda a esfera de revelação. Todos
esses atos correspondem, em Deus, a decisões tomadas por nós, no exercício de
nossa liberdade, todos os dias de nossa vida, não neguemos, pois, a Deus a
liberdade que gozamos e usamos e consideramos indispensável ao gozo de
personalidade. Porquanto a personalidade é a natureza que é comem a nós e Deus,
a liberdade de escolha é da sua essência vital.
Nem a nossa liberdade nem a de Deus existe em absoluto. Quando Deus criou o universo, encheu de bilhões de seres responsáveis, tolerou sua
queda em pecado e rebelião numa vasta escala, ainda empenhou os recursos
divinos da Trindade na redenção, e entregou a empresa de evangelizar os
pecadores aos esforços vagarosos e imperfeitos de outros pecadores, salvos pela
graça, Ele inevitavelmente pôs pesados limites á liberdade divina. Há, pois,
vários sentidos em que a liberdade divina é limitada. Deus não pode fazer
aquilo que esteja contrário ao seu caráter, nem o inerentemente contraditório
ou impossível. Também havendo cedido a responsabilidade por um prazo, ou pela
imortalidade de seres criados a sua imagem, ele não pode agir senão dentro de
suas próprias alianças ou pactos ou concertos que definem seus planos,
promessas, e maneiras garantidas de agir. Tudo quanto seja condicional, nas
relações entre Deus e outras personalidades responsáveis e dotadas de livre
arbítrio, constitui limite à liberdade divina. Outrossim, enquanto existe o
estado atual da matéria, Deus se conforma com suas próprias “leis da natureza”,
por Ele estabelecidas, as quais são apenas seus “hábitos de ação” providencial
nessa esfera. Mas Ele não está preso numa gaiola de leis da sua confecção.
Antes possui sempre os recursos infinitos da personalidade divina para
introduzir, á sua vontade, fatores por nós desconhecidos que também podem agir
no regime dessas leis, por exemplo, em responder ás orações do seu povo, em
salvar, guardar e orientar o crente em Cristo Jesus, em toda aquela esfera da providência divinas que faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles
que são chamados segundo o seu propósito, e em manter o universo em sua quilha,
seguro no seu rumo dos séculos, a despeito das maquinações de demônios e homens
maus, em marcha rítmica ao dia do juízo final e à ordem eterna das coisas. Em
todo o seu domínio sobre essa complexa unidade de seres responsáveis, Deus é
incapaz de uma só injustiça, falta de amor positivo e agressivo, ou
arbitrariedade, em todo o exercício multi-secular desta liberdade divina, assim
voluntariamente limitada, mas soberana e eficaz.
É igualmente importante, para reter e manter em simetria e
coerência a verdade evangélica, que reconheçamos os vastos limites da liberdade
humana. É limitada pela existência de Deus, pela queda da raça pela atividade
hostil de outra raça decaída, os demônios que agem sob Satanás, o deus deste
mundo, e pelos direitos de milhões de nossos semelhantes humanos, que existem
como sardinhas em lata na terra, na vasta confusão que o pecado operou e
desenvolve a cada passo. Forçosamente, nossa liberdade existe nessa complexa
responsabilidade multiforme, ajuntando-se a cada instante com outros seres do
mundo visível e invisível. Em todas estas relações sem conta, ela respeita os
direitos alheios ou sofre as conseqüências. E as conseqüências ou aumentam as
barreiras em nosso caminho de vontade própria ou salientam amargamente para nós
que tais barreiras às vezes têm por cima arame farpado para ferir o
transgressor, no sentido de conseqüências das próprias leis da natureza, física
e mentais e sociais, que nossa própria consciência ajuizadamente apoia.
A moral, pois, a salvação, a religião, o fruto do Espírito, a
ética, a sociologia, a vida econômica, a política, a autoridade do Estado em
lei municipais, estaduais, nacionais e internacionais, e nas emergências de
guerra ou calamidade, e todas as organizações voluntárias e domésticas impõem
restrições em nossa liberdade pessoal. E quando mais adiantada a civilização,
tanto mais complexa a responsabilidade limitada, e mais exigente ainda é o
exercício do livre arbítrio.
Ora, a cada passo o nosso próximo nos lembra das restrições da
nossa liberdade, dizendo-nos em solene advertência: “A tua liberdade termina no
ponto onde começa o meu nariz!” E às vezes seu nariz está tão perto, e
diretamente no rumo aonde queremos seguir. E nós nos sentimos nervosos,
medrosos, muito prudentes ao chegarmos bem perto desse término. Só com muita
cortesia, prévia aviso, e inegável necessidade é que fica de mútuo acordo que
alguém toque no nariz alheio, como por exemplo, quando o dentista é solicitado
a arrancar um dente que nos dói, embora seja necessário tomar liberdades com o
nosso nariz e boca. Todavia, podemos recusar os bons serviços do dentista a
ainda manter a inviolabilidade da ponta do nosso nariz. Contudo, sempre achei
bom sacrificar um pouco a liberdade e o respeito próprio e me escravizar na
cadeira do dentista, a fim de gozar aquela liberdade maior que é o alívio da
dor de dente. Assim, no pleno exercício do meu livre arbítrio, caminhei
submissa, tristonho, mas reluto, para o gabinete da tortura. Há sacrifícios
voluntários da liberdade que o próprio arbítrio livre impõem e exige, e paga o
preço para obter. Contudo somos nós que decidimos a questão. Fica intacta nossa
escolha de motivos e meios.
Muito mais séria barreira e limitação da liberdade humana é feita
pelo pecado, em todos os seus aspectos pessoais, coletivos, raciais, cósmicos e
superhumanos. “Em verdade, em verdade, vos digo que todo aquele que comete
pecado é servo (escravo) do pecado” (João 8.34). Assim Jesus afirmou. Um
escravo, porém tem livre arbítrio, embora a sua liberdade seja pouca. Há
regiões íntimas da personalidade onde ele pode ser livre e superior. A vítima
do alcoolismo, por exemplo, tem toda a liberdade de não beber. Não há lei
divina ou humana que exija que ele beba. Nem Deus nem os homens de bem apoiam
essa crescente escravatura a que o bêbado voluntariamente se entregou, e até
seus tentadores chegam ao ponto em que já não têm prazer na sua companhia no
bar ou clube. É livre, pois, para não beber, não é? É livre, sim, mas
impotente, incapaz de exercer seu livre arbítrio. Já não existe nele a força para
resistir ao poder da tentação. Quem se cobre de grilhões não é livre. Há, de
fato, tantas limitações liberdade humana quantos aspectos há ao pecado na vida
do homem, pessoal, coletiva, racial e cosmicamente. A suposição popular ou
filosófica de existir um ser criado e decaído que seja absolutamente livre e
totalmente capaz, é hipótese admissível somente num asilo de doidos. Nunca
houve um pecado que não acrescentasse mais grilhões ao escravo do mal e da
depravação. A impotência moral e espiritual do pecador, pois, embora não seja
total, no sentido de paralisar por completo todos os poderes da vontade humana,
é fato racial e universalmente individual, com a única exceção de Jesus Cristo,
e é total no sentido de afetar todo o nosso ser nas suas influências. Assim a
depravação humana é total, mas não máxima; e este fato diminui a capacidade
humana sem lhe diminuir a responsabilidade, no exercício do livre árbitro.
Nosso meio ambiente filosófico e religioso é quase totalmente
hostil a qualquer doutrina real de Deus, e especialmente da liberdade de deus.
O Deus vivo e verdadeiro ainda é um deus desconhecido aos nossos soberbos
atenienses do Areópago dos intelectuais. O positivismo renascente não admite
admitir verdade, portanto quer desviar até os crentes para um estéril humanismo
anti-teológico, feroz contra toda a doutrina, sem entre a verdadeira e a falsa
ou entre as tradições dos homens e a revelação divina nas Escrituras e em
Jesus Cristo. As várias “ideologias” prevalecentes ambicionam limitar nosso horizonte
a esta vida. O unionismo “ecumênico” quer reduzir todas as doutrinas
nominalmente cristão ao mesmo nível, por mais contraditórias que sejam. Num
meio tão hostil, é preciso ser crente de coragem moral, decisão de caráter,
fibra, intelectual resistente e real independência de juízo para crer, apoiar e
testemunhar as verdades que Deus tenha revelado na sua Palavra, mormente a
verdade do Deus livre e sempre ativo na vida. Neste terreno, porém vale mais um
Paulo do que dez mil Gamaliéis, e um Spurgeon significa mais para o mundo
contemporâneo religioso do que um milhões de Darwins. Teremos ensejo de
examinar e decidir se realmente cremos num Deus de palanque, nulo,
irresponsável, mera fábula de velhas, ou se o Deus da Bíblia é o nosso Deus,
adorado, acatado, amado, obedecido e proclamado no seu evangelho para todos.
Três doutrinas que nos falam da liberdade de deus são sua
predestinação, sua eleição e sua chamada eficaz. Há pouco no Novo Testamento
sobre a doutrina da predestinação, pois a palavra só se emprega em Atos 4.28;
Romanos 8.29, 30; 1 Coríntios 2.7; e Efésios 1.5,11. O estudante da Bíblia,
porém, se ler estas Escrituras e lhe der seu valor evidente, há de sentir quão
profunda é esta verdade e quão extenso o seu alcance. O leitor é convidado a ler,
meditar estudar e assimilar estas verdades, sem rodeios, sem buscar anular seu
sentido e valor pela lógica de sofismas incrédulos. Verá na sua pujança e
pureza a doutrina da liberdade de Deus, não precisa gastar tempo procurando
harmonizar isto coma liberdade humana, pois não há conflito entre as múltiplas
liberdade de personalidade. Nunca entenderemos isto, mas podemos crer, pois, ou
Deus é livre, ou não há Deus. Sua liberdade de fazer planos, escolher meios e
pessoas para a execução destes planos e orientar tudo de acordo é exatamente a
natureza da liberdade que nós verificamos existir imperfeitamente em nós
mesmos. Deus é pelo menos tão livre como suas criaturas.
A doutrina da eleição e os termos congêneres se encontram em
Romanos 9.11; 11.5,7; 1 Tessalonicenses 1.4; 2 Pedro 1.10; 1 Pedro 2.4.6,9;
Tito 1.1; 2 Timóteo 2.10; Marcos 13.20,22,27; Mateus 20.16; 22.14; 24.24; João
15.16; 1 Coríntios 1.27; Efésios 1.4; Tiago 2.5. Esta eleição divina foi feita
mesmo antes da nossa existência, na antiga eternidade (Apocalipse 17.8). Jesus
fala de ovelhas suas que ainda não eram convertidas (João 10.26-27), e a Paulo
animou com a declaração de que Ele tinha muito povo em corinto (Atos 18.10),
quando os crentes ainda eram poucos e novos. É fútil dizer que Deus meramente
escolheu aos que O tiverem escolhido, ou que faz sua escolha depois da escolha
humana de salvação. Isto reduz o Deus da eternidade a um deus de palanque e
nega a veracidade destas muitas Escrituras. Deus elege livremente, como nós O
escolhemos em plena liberdade de O receber ou rejeitar. Onde há muitas
vontades, muitos livremente escolhem, e fútil negar a Deus a liberdade de
escolha que nós mesmos gozamos. Nós escolhemos pessoas, por exemplo, no
casamento. Isto não ofende a ética: antes a ética o exige. Um rapaz que
meramente escolhesse casar-se com uma classe, decidisse que sua esposa seria
mulher, mas nunca fosse além, seria para sempre solteiro. É a escolha do
indivíduo que resulta no casamento ou na salvação. No casamento ou na salvação
há duas pessoas a decidir, duas escolhas, mas a escolha de Deus é pelo menos
tão livre como a escolha do pecador a quem Ele estende a sua graça. Nem digamos
que a eleição seja só para serviço. Isto não evita nenhum problema de doutrina.
Se Deus escolheu e capturou a Paulo, para ser o apóstolo aos gentios, e não
escolheu Gamaliel para tão elevado lugar na história humana, o problema moral é
o mesmo, em grau menor, que existe na escolha para a salvação. A escolha divina
é para todos os fins da vontade de Deus. A definição da doutrina da eleição por
Strong é: “O ato eterno de Deus, pelo qual, segundo o seu beneplácito soberano
e não em consideração de mérito previsto, Ele escolhe certas pessoas do mundo
de pendores, para serem os recipientes da graça especial de seu Espírito, de
modo a se tornarem participantes voluntários da salvação de Cristo…” Assim
a escolha divina e a fé humana são voluntárias. Não há perigo de negarmos o
livre arbítrio do homem na salvação. Tenhamos pela fé ao menos igual apoio da
liberdade de Deus em todas as escolhas relacionadas com a salvação, o serviço
cristão e o progresso do reino de Deus até o seu triunfo final.
Strong também salienta duas doutrinas distintas das chamadas
divinas que as Escrituras afirmam. Uma é a chamada universal do evangelho, como
se vê em Isaías 45.22; 55.16; 65.12; João 12.22, etc. etc… A outra é a chamada
eficaz do Espírito Santo no Coração que nos conduz sobrenaturalmente, pela
correspondermos à eleição divina e à sua chamada eficaz, unido assim a escolha
divina e a humana, mutuamente, na experiência da salvação. Esta doutrina da
chamada especial e eficaz, gravada em nossos espíritos pelo Espírito de Deus,
se encontra em Lucas 14.23; Romanos 1.7; 8.30; 11.29; 1 Coríntios 1.23,24,26;
Filipenses 3.14; Efésios 1.18; 1 Tessalonicenses 2.12; 2 Tessalonicenses 2.14;
2 Timóteo 1.9; Hebreus 3.1; 2 Pedro 1.10. Strong define esta chamada eficaz
como a operação poderosa do Espírito, levando o pecador a Cristo. Paulo
contempla a majestosa unidade inquebrantável desta eterna salvação. As mesmas
pessoas que ele previu como já glorificadas no céu, foram anteriormente
predestinadas, eficazmente chamadas, justificadas e então glorificadas. E de
todos os crentes Ele tem tanta certeza da sua salvação assim consumada que
emprega até tempo passado do verbo cinco vezes: “Dantes conheceu (não era mera
presciência, mas eleição, conhecendo-os como seus)… predestinou…chamou…
justificou… glorificou” (Romanos 8.29,30). Os elos se estendem de eternidade a
eternidade, e são todos atos divinos, decisões da livre vontade de Deus. Nunca
ponhamos uma verdade em oposição a outra, nem consintamos que uma eclipse
outra. Acima de todas as liberdades, sem contradizer ou negar ou enfraquecer
nenhuma delas, é a liberdade de Deus. Creiamos no Deus livre e real, cujo livre
arbítrio é tão genuíno e independente como o nosso, e para cujos propósitos há
os infinitos recursos de sua personalidade divina, “que faz todas as coisa
segundo o conselho da sua vontade”.
(Publicado em O JORNAL BATISTA, quinta-feira, 25 de dezembro de 1947 e
Quinta-Feira, 8 de janeiro de 1948.)
Todas as citações bíblicas são da ACF (Almeida Corrigida Fiel, da SBTB). As ACF
e ARC (ARC idealmente até 1894, no máximo até a edição IBB-1948, não a SBB-1995)
são as únicas Bíblias impressas que o crente deve usar,
pois são boas herdeiras da Bíblia da Reforma (Almeida 1681/1753),
fielmente traduzida somente da Palavra de Deus infalivelmente preservada
(e finalmente impressa, na Reforma, como o Textus Receptus).
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.