Os reflexos da onda gigante que provocou a tremenda catástrofe
na Ásia no final de dezembro de 2004 alcançaram também os
arraiais evangélicos, levantando, entre outras coisas, perguntas
acerca de Deus, seu caráter, seu poder, seu conhecimento, seus
sentimentos e seu relacionamento com o mundo e as pessoas diante
de tragédias como aquela. Dentre as diferentes respostas, uma
chama a atenção pela ousadia de suas afirmações:
“Deus sofreu muito com a tragédia e certamente não a havia
determinado ou previsto. Ele simplesmente não pôde evitá-la,
pois Deus não conhece o futuro, não controla ou guia a história,
e não tem poder para fazer aquilo que gostaria.”
Esta é a concepção de Deus defendida por um movimento teológico
conhecido como teologia relacional, ou ainda,
teísmo aberto ou teologia da abertura de Deus.
A teologia relacional, como movimento, teve início em décadas
recentes, embora seus conceitos sejam bem antigos. Ela ganhou
popularidade através de escritores norte-americanos como Greg
Boyd, John Sanders e Clark Pinnock. No Brasil, estas idéias têm
sido assimiladas e difundidas por alguns líderes evangélicos, às
vezes de forma aberta e explícita.
A teologia relacional considera a concepção tradicional de Deus
como inadequada, ultrapassada e insuficiente para explicar a
realidade, especialmente catástrofes como o tsunami de dezembro
de 2004, e se apresenta como uma nova visão sobre Deus e sua
maneira de se relacionar com a criação.
Seus pontos principais podem ser resumidos desta forma:
O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os
demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é
sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.
Deus não é soberano. Só pode haver real relacionamento
entre Deus e suas criaturas se estas tiverem, de fato,
capacidade e liberdade para cooperarem ou contrariarem os
desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão de sua soberania para
que isto ocorresse. Neste sentido, ele é incapaz de realizar
tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal.
Contudo, ele acaba se adequando às decisões humanas e ao final,
vai obter seus objetivos eternos, pois redesenha a história de
acordo com estas decisões.
Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora
dele. Ele aprende com o passar do tempo. O futuro é determinado
pela combinação do que Deus e suas criaturas decidem fazer.
Neste sentido, o futuro inexiste, pois os seres humanos são
absolutamente livres para decidir o que quiserem e Deus não sabe
antecipadamente que decisão uma determinada pessoa haverá de
tomar num determinado momento.
Deus se arrisca. Ao criar seres racionais livres, Deus
estava se arriscando, pois não sabia qual seria a decisão dos
anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar diariamente.
Deus corre riscos porque ama suas criaturas, respeita a
liberdade delas e deseja relacionar-se com elas de forma
significativa.
Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento e de
erros em seus conselhos e orientações. Em seu relacionamento com
o homem, seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e
expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que
ele gostaria.
Deus muda. Ele é imutável apenas em sua essência, mas
muda de planos e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele
muda de acordo com as decisões de suas criaturas, ao reagir a
elas. Os textos bíblicos que falam do arrependimento de Deus não
devem ser interpretados de forma figurada. Eles expressam o que
realmente acontece com Deus.
Estes conceitos sobre Deus decorrem da lógica adotada pela
teologia relacional quanto ao conceito da liberdade plena do
homem, que é o ponto doutrinário central da sua estrutura, a sua
“menina dos olhos”. De acordo com a teologia relacional, para
que o homem tenha realmente pleno livre arbítrio suas decisões
não podem sofrer qualquer tipo de influência externa ou interna.
Portanto, Deus não pode ter decretado estas decisões e nem mesmo
tê-las conhecido antecipadamente. Desta forma, a teologia
relacional rejeita não somente o conceito de que Deus preordenou
todas as coisas (calvinismo) como também o conceito de que Deus
sabe todas as coisas antecipadamente (arminianismo tradicional).
Neste sentido, o assunto deve ser entendido, não como uma
discussão entre calvinistas e arminianos, mas destes dois contra
a teologia relacional. Não poucos lideres calvinistas e
arminianos no âmbito mundial têm considerado esta visão da
teologia relacional como alheia ao Cristianismo.
A teologia relacional traz um forte apelo a alguns evangélicos,
pois diz que Deus está mais próximo de nós e se relaciona mais
significativamente conosco do que tem sido apresentado pela
teologia tradicional. Segundo os teólogos relacionais, o
Cristianismo histórico tem apresentado um Deus impassível, que
não se sensibiliza com os dramas de suas criaturas. A teologia
relacional, por sua vez, pretende apresentar um Deus mais
humano, que constrói o futuro mediante relacionamento com suas
criaturas. Os seres humanos são, dessa forma, co-participantes
com Deus na construção do futuro, podendo, na verdade,
determiná-lo por suas atitudes.
Contudo, a teologia relacional não é novidade. Ela tem raízes em
conceitos antigos de filósofos gregos, no socinianismo (que
negava exatamente que Deus conhecia o futuro, pois atos livres
não podem ser preditos) e especialmente em ideologias modernas,
como a teologia do processo. O que ela tem de novo é que virou
um movimento teológico composto de escritores e teólogos que se
uniram em torno dos pontos comuns e estão dispostos a persuadir
a Igreja Cristã a abandonar seu conceito tradicional de Deus e a
convencê-la que esta “nova” visão de Deus é evangélica e
bíblica.
Mesmo tendo surgido como uma reação a uma possível ênfase
exagerada na impassividade e transcendência de Deus, a teologia
relacional acaba sendo um problema para a igreja evangélica,
especialmente em seu conceito sobre Deus. Muito embora os
evangélicos tenham divergências profundas em algumas questões,
reformados, arminianos, wesleyanos, pentecostais, tradicionais,
neopentecostais e outros, todos concordam, no mínimo, que Deus
conhece todas as coisas, que é onipotente e soberano.
Entretanto, o Deus da teologia relacional é totalmente diferente
daquele da teologia cristã. Não se pode afirmar que os aderentes
da teologia relacional não são cristãos, mas sim que o conceito
que eles têm de Deus é, no mínimo, estranho ao cristianismo
histórico.
Ao declarar que o atributo mais importante de Deus é o amor, a
teologia relacional perde o equilíbrio entre as qualidades de
Deus apresentadas na Bíblia, dentre as quais o amor é apenas uma
delas. Ao dizer que Deus ignora o futuro, é vulnerável e
mutável, deixa sem explicação adequada dezenas de passagens
bíblicas que falam da soberania, do senhorio, da onipotência e
da onisciência de Deus (Is 46.10a; Jó 28; Jó 42.2; Sl 90; Sl
139; Rm 8.29; Ef 1; Tg 1.17; Ml 3.6; Gn 17.1; etc). Ao dizer que
Deus não sabia qual a decisão de Adão e Eva no Éden, e que mesmo
assim arriscou-se em criá-los com livre arbítrio, a teologia
relacional o transforma num ser irresponsável. Ao falar do homem
como co-construtor de Deus de um futuro que inexiste, a teologia
relacional esquece tudo o que a Bíblia ensina sobre a Queda e a
corrupção do homem. Ao fim, parece-nos que na tentativa extrema
de resguardar a plena liberdade do arbítrio humano, a teologia
relacional está disposta a sacrificar a divindade de Deus. Ao
limitar sua soberania e seu pleno conhecimento, entroniza o
homem livre, todo-poderoso, no trono do universo, e desta forma,
deixa-nos o desespero como única alternativa diante das
tragédias e catástrofes deste mundo e o ceticismo como única
atitude diante da realidade do mal no universo, roubando-nos o
final feliz prometido na Bíblia. Pois, afinal, poderá este Deus
ignorante, fraco, mutável, vulnerável e limitado cumprir tudo o
que prometeu?
Com certeza a visão tradicional de Deus adotada pelo
Cristianismo histórico por séculos não é capaz de responder
exaustivamente a todos os questionamentos sobre o ser e os
planos de Deus. Ela própria é a primeira a admitir este ponto.
Contudo, é preferível permanecer com perguntas não respondidas a
aceitar respostas que contrariam conceitos claros das
Escrituras. Como já havia declarado Jó há milênios (42.2,3):
“Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser
frustrado. Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento
encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia;
coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não
conhecia.”
Rev. Augustus Nicodemus Lopes
O rev. Augustus Nicodemus Lopes é professor do Centro
Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper e chanceler da
Universidade Presbiteriana Mackenzie
As ACF (Almeida Corrigida Fiel, da
SBTB) e ARC (ARC idealmente até 1894, no máximo até a edição IBB-1948, não a SBB-1995)
são as únicas Bíblias impressas que o crente deve usar,
pois são boas herdeiras da Bíblia da Reforma (Almeida 1681/1753),
fielmente traduzida somente da Palavra de Deus infalivelmente preservada
(e finalmente impressa, na Reforma, como o Textus Receptus).
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.