[É o Batismo o Equivalente Neotestamentário da Circuncisão?]

cincosolas.blogspot




 “No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” Cl 2:11-12

Introdução

A prática do batismo de crianças é frequentemente justificada com o argumento de que o batismo é o equivalente neotestamentário da circuncisão. A passagem bíblica em epígrafe é geralmente usada para provar esse argumento. No presente artigo pretendemos analisar se esta passagem ensina que o batismo substituiu a circuncisão na nova aliança. A pergunta que procuraremos responder é: Cl 2:11-12 ensina ou leva à conclusão de que a circuncisão é o antecedente bíblico do batismo?

Sabemos que nem sempre chegaremos a uma certeza do significado de um texto. Mesmo assim, temos certeza que não pode significar algo que não significava para o seu autor e seus leitores. Portanto, se Paulo não pretendia ensinar aos colossenses que o batismo substitui a circuncisão, é muitíssimo improvável que tal ensino possa ser extraído naturalmente da passagem.

Em nosso trabalho, faremos uma análise do texto e procuraremos levantar o contexto histórico e o propósito da carta. Também tentaremos relacionar a passagem com outras cartas paulinas, mas sempre focados em Colossenses 2, evitando aprofundar questões teológicas envolvidas. Evidentemente que é um trabalho tentativo e a conclusão, sofre das limitações próprias de seu autor.


ANÁLISE GRAMATICAL

Para análise gramatical, tomamos por base a Almeida Corrigida Fiel e o Stephen’s Textus Receptus, utilizando um critério puramente pessoal para essa escolha. Contudo, uma comparação rápida com o texto crítico e com outras versões e traduções não revelou diferenças significativas. O texto mais dissonante do utilizado é a NVI, pelo que se recomenda para comparação.

Análise do texto

Começando com o verso 11, temos No qual (εν ω), que se refere ao Senhor Jesus Cristo, em quem habita “toda a plenitude da divindade” (v. 9) e é “a cabeça de todo o principado e potestade”(v. 10b). também (και), indica que há outra bênção e a encontramos na expressão “estais perfeitos nEle” (v. 10a). Perfeito é completoplenificado. Em estais circuncidados(περιετμηθητε) o aoristo e o indicativo do verbo dão a certeza de já foi realizado, de uma vez por todas. Não há margem para dúvidas. com a circuncisão (περιτομη) não se trata de circuncisão física, conforme fica mais claro a seguir. não feita por mão (αχειροποιητω). Indica a natureza espiritual da circuncisão, pois denota “não feito por mãos do homem” (Ef 2:11) ou “não desta criação” (Hb 9:11. Cf. Mc 14:58; At 7:48; 17:24; 2Co 5:1 Hb 9:24). E no despojo do corpo dos pecados da carne (εν τη απεκδυσει του σωματος των αμαρτιων της σαρκος), além da natureza espiritual, temos que a extensão não se limita a uma parte do órgão sexual masculino, mas à natureza humana. a circuncisão de Cristo (εν τη περιτομη του χριστου). Não deve ser uma referência à circuncisão de Jesus ao oitavo dia, mas mais provavelmente à sua morte na cruz.

No verso 12, temos sepultados com ele (συνταφεντες αυτω). Como estamos em Cristo, somos sepultado juntamente com ele. Não significa supultado nEle. no batismo (εν τω βαπτισματι). Batismo aqui pode ser a) o batismo de Jesus, no Jordão; b) o batismo de Jesus na cruz (Mc 10:38; Lc 12:50); o batismo do crente nas águas ou o batismo do crente em Jesus. Considerando que se trata de batizado com Ele e não nEle, que a morte de Jesus já foi referida pela circuncisão, resta o batismo de Jesus no Jordão e do crente nas águas. Fico com esta última. nele também ressuscitastes (εν ω και συνηγερθητε). Se morremos e somos sepultados com Jesus, então somos ressuscitados com Ele. Com Ele, como na NVI, é uma melhor tradução. pela fé no poder de Deus(δια της πιστεως της ενεργειας του θεου). A fé no poder de Deus é o meio instrumental da ressurreição do crente. que o ressuscitou dentre os mortos (του εγειραντος αυτον εκ των νεκρων). Se Deus teve poder para ressuscitar Jesus, pode nos ressuscitar também.



CONTEXTO

Contexto histórico

Colossos era uma cidade da província romana da Ásia, situada no vale do Lico, formando um triângulo com Laodicéia e Hierápolis, ambas mencionadas no Novo Testamento. No passado, tinha sido uma cidade próspera, mas no início da era cristã estava ofuscada pelas suas vizinhas e reduzida a pouco mais que uma vila. Nessa região havia todo tipo de filosofias e religiosos ambulantes abundavam. Colossos também contava com uma expressiva colônia judaica e tinha um constante influxo de novas ideias e doutrinas orientais. Enfim, era um solo fértil para especulações religiosas e heresias e um desafio para a pureza do evangelho.

Provavelmente Colossos nunca seria mencionada no Novo Testamento se não houvesse uma igreja ali. Mas havia. Não foi fundada por Paulo e não consta que tenha sido visitada por ele, por isso não é mencionada em Atos. Paulo ouviu falar de sua fé, mas nunca os encontrou pessoalmente. Contudo, uma igreja desconhecida, numa cidade inexpressiva, recebe uma carta inspirada do grande apóstolo!

Muito provavelmente Epafras foi o fundador e líder da igreja em Colossos, além de outros moradores da cidade como Filemon, Áfia, Arquipo e outros, que podem ter ouvido Paulo em Éfeso (160km) e compartilharam a fé com seus amigos, dando origem à igreja, formada predominantemene por gentios, embora tivesse entre seus membros judeus convertidos. Quando Paulo escreveu a carta, a igreja tinha cerca de cinco anos de existência.

Estando Paulo preso em Roma, Epafras vai à sua procura, para pedir-lhe ajuda. Algumas doutrinas tinham chegado a Colossos e estavam invadindo a igreja, ameaçando a paz e a pureza do evangelho. O que vem a ser exatamente essa “heresia colossense” é objeto de discussão, mas é certo que se tratava de uma combinação de misticismo oriental, legalismo judaico, astrologia pagã, elementos do gnosticismo e do ascetismo, com uma pitada de cristianismo.

A atratividade da heresia parecia ser a promessa de um tipo de união com Deus que levava a pessoa à perfeição espiritual, passando a fazer parte da “aristocracia espiritual” da igreja, através de práticas ritualíticas que visavam obter um “conhecimento profundo” e de ascetismo que evitava o contato com a matéria, inerentemente má. Embora seja mencionada na refutação paulina, não parece que a circuncisão fosse um dos rituais exigidos. Tampouco parece estar havendo alguma controvérsia envolvendo o batismo. Paulo, em sua preocupação com a igreja, escreve a Epístola aos Colossenses, e como Epafras permaneceu com ele, para ajudá-lo em sua prisão, a mesma foi entregue por Onésimo e Tíquico.

O propósito da carta, portanto, é refutar a heresia que campeava na igreja de Colossos e restabelecer a verdade e a simplicidade do evangelho. Supor que Paulo tinha a intenção de demonstrar que a circuncisão tinha se tornado obsoleta, sendo suplantada pelo batismo cristão como novo sinal da aliança é trazer para o texto elementos estranhos ao mesmo. O argumento paulino é, todo ele, centrado na supremacia de Cristo e na suficiência de Sua obra e não numa troca do sinal externo da regeneração.

Contexto literário


Os versos 11 e 12 estão inseridos no parágrafo seguinte (Cl 2:4-12):

“E digo isto, para que ninguém vos engane com palavras persuasivas. Porque, ainda que esteja ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito estou convosco, regozijando-me e vendo a vossa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças. Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; e estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade; no qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos.”

Como vimos, a carta foi motivada pelo relato de Epafras da situação da igreja, ameaçada por heresias gnósticas, legalistas e ascéticas. Aparentemente, os crentes colossenses estavam sendo convencidos que lhes faltava algo para serem espiritualmente completos; só crer em Jesus não lhes bastava, parecia ser o ensino dos falsos mestres. Paulo denuncia tais mestres como enganadores, advertindo-lhes “que ninguém vos engane com palavras persuasivas”“por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”. Eles já haviam recebido o Senhor Jesus Cristo, então tudo o que precisavam era continuar “nele, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças”. Nada mais lhes era necessário, pois tinham Cristo, e “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade”.

O cerne do argumento paulino é “e estais perfeitos nele”. O termo πεπληρωμενοι significa estar completo, cheio, pleno. Uma versão traduz “tendes a vossa plenitude nele”. Nenhum ritual externo precisaria ser adicionado, pois em Cristo eles já tinham obtido tudo o que os falsos líderes estavam prometendo. Afirmar, portanto, que Paulo ensina que o batismo cristão substituiu a circuncisão judaica é anular toda linha argumentativa do apóstolo. Se ele dissesse “vocês não precisam ser circuncidados, pois foram batizados”, estaria enfraquecendo a afirmação de que em Cristo os crentes de Colossos já estavam plenificados, completos, perfeitos.

Correlação e contexto bíblico

Entender o ensino do apóstolo Paulo sobre batismo e circuncisão pode lançar luzes também sobre essa passagem. Será que Paulo relacionava circuncisão e batismo, e caso afirmativo, de que forma ele fazia?

As declarações “dou graças a Deus porque a nenhum de vós batizei, exceto Crispo e Gaio” (1Co 1:14) e “porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho” (1Co 1:17) podem dar a impressão de que Paulo não tinha o batismo em grande conta. Mas essas frases foram ditas num contexto em que ele combatia o partidarismo corintiano e era “para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome” (1Co 1:15). Logo que ele se converteu “levantou-se e foi batizado” (At 9:18). Estava por perto quando Lídia, o carcereiro e Crispo foram batizados, este último pelo próprio (At 16:15; 33; 18:8; cf 1Co 1:14). Indicativo de que Paulo valorizava o batismo é que chegando em Éfeso e sendo informado de que haviam sido batizados apenas com o batismo de João, levou-os a serem batizados no batismo Cristão (At 19:3-4).

Paulo entendia que “há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4:5) e que “fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Rm 6:4). O poder para viver essa dimensão ética do batismo é recebido no próprio ato, “porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes” (Gl 3:27).

Da leitura de todas as passagens paulinas sobre o batismo concluímos que ele jamais faz alguma associação entre batismo e circuncisão. Aliás, o tema circuncisão é mais recorrente que o do batismo nos relatos e cartas paulinos, e ele jamais menciona que a circuncisão foi substituída pelo batismo.

Paulo esteve presente no Concílio de Jerusalém, em que a posição dos fariseus crentes, que entendia quanto aos cristãos gentios ser “necessário circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de Moisés” (At 15:5). Era o momento para Paulo, Pedro ou Tiago eximirem os crentes da circuncisão com o argumento de que haviam sido batizados nas águas. Porém, a linha de defesa adotada foi a concessão do Espírito Santo e a purificação do coração pela fé. Entre as coisas essenciais a que eles foram sujeitados em lugar da circuncisão não constava o batismo.

Digno de nota é o fato de que Paulo, encarregado de levar a mensagem aos cristãos gentios, tendo encontrado “um discípulo chamado Timóteo” (At 16:1), “quis Paulo que ele fosse em sua companhia e, por isso, circuncidou-o por causa dos judeus daqueles lugares” (At 16:3). Ora, isso mostra que Paulo não via a circuncisão como substituto para o batismo, do contrário, argumentaria com os judeus nesse sentido. Contudo, em outra ocasião, disse que “nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se” (Gl 2:3). Incoerência? Seria, se o batismo tivesse substituído a circuncisão na igreja, pois tanto Timóteo como Tito já haviam sido batizados. Mas como um era filho de judia, cabia-lhe ser circuncidado, como o outro era grego, não estava sob essa imposição cultural.

No início da carta aos Romanos Paulo argumenta em favor da inutilidade da circuncisão. “Qual a utilidade da circuncisão?” (Rm 3:1), pergunta. Para ele, “a circuncisão, em si, não é nada” (1Co 7:19), ”pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura” (Gl 6:15). Note que Paulo não contrapõe circuncisão e batismo, mas circuncisão e novo nascimento. Como nascemos de novo “nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3:3).

Como podemos ver, seja no seu combate às tentativas judaizantes de impor a circuncisão aos gentios crentes, seja na sua exposição positiva do batismo, em nenhuma das situações Paulo recorre ao batismo como sucedâneo cristão da circuncisão. Este é um pensamento estranho ao apóstolo Paulo ao falar de batismo e circuncisão.

Conclusão

Vimos, acima, que Paulo não tinha a intenção de ensinar em Cl 2:11-12 o batismo como sucedâneo da circuncisão. O argumento paulino contra a filosofia colossense era que em Cristo os cristãos já estão plenificados, não carecendo de nenhum ritual para se realizarem espiritualmente. Argumentar, baseado neste texto, que o batismo é mero substituto do batismo tira a força do argumento de Paulo. Pois iria na direção de que a circuncisão não é necessária, não porque em Cristo “habita corporalmente toda a plenitude da divindade; e estais perfeitos nele” (Cl 2:10), mas devido ao fato deles terem sido batizados, sendo que o batismo, assim como a circuncisão é “feito por mão” de homem.

Extraído do site cincosolas.blogspot em 08/11/2013

 


Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em BibliaLTT.org, com ou sem notas).



(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de
 http://solascriptura-tt.org)




(retorne a http://solascriptura-tt.org/ 
EclesiologiaEBatistas/ 
retorne a http:// solascriptura-tt.org/ )







Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.