John MacArthur
O
legado da teologia reformada (comumente chamada “Calvinismo”) remonta não
apenas a reformadores como João Calvino ou aos pais da Igreja como Agostinho,
mas à própria Bíblia. As gloriosas doutrinas da graça não são primariamente
produto da história da Igreja, mas o testemunho da Escritura – com sua repetida
ênfase na total inabilidade do homem e no amor de Deus que o elege e preserva.
Passagem após passagem, de João 6 à Romanos 9 e a Efésios 1, testificamos estas
grandes verdades com clareza e poder.[2] Como explicou o notável fundador de
orfanatos e poderoso guerreiro de oração, há um século, George Muller:
Fui à Palavra, lendo o Novo Testamento desde o início, com referência
particular à essas verdades. Para meu grande espanto, descobri que as passagens
que falam enfaticamente de eleição e graça perseverante são quatro vezes mais
em número do que as que [aparentemente] falam contra estas verdades; e mesmo
estas poucas passagens, pouco tempo depois, quando as examinei e entendi,
serviram para confirmar-me nas doutrinas que acabo de citar.[3]
Embora Miller inicialmente tivesse rejeitado as doutrinas calvinistas, ele logo
tornou-se profundamente convencido de sua veracidade por meio de seus estudos
nas Escrituras. Juntamente com George Miller, os grandes nomes da história da
igreja evangélica têm compartilhado deste legado reformado – homens como John
Knox, John Owen, George Whitefield, Jonathan Edwards, William Carey, Charles
Roth, Charles Spurgeon e Dr. Martyn Lloyd-Jones.
Mas, a despeito deste prestigioso legado, há ainda umas poucas áreas nas quais
a teologia reformada precisa [com urgência] de reforma. Uma das deficiências
mais notórias na história do movimento reformado diz respeito ao campo da
Escatologia – onde, falando em termos gerais, uma interpretação literal das
promessas milenares feitas a Israel tem sido rejeitada. Em vez disso, uma
hermenêutica alegórica (ou espiritual) tem sido aplicada em muitas passagens
proféticas, resultando em um compromisso predominante com o Amilenismo e, em um
grau menor, com o Posmilenismo.
Mesmo hoje, se quiséssemos classificar os líderes do assim chamado jovem e
agitado movimento reformado, no que diz respeito ao estudo da Escatologia, o
consenso seria de que não há consenso. Muitos pastores evangélicos
conservadores consideram o estudo das últimas coisas algo de menos importância
ou, até mesmo, perigoso – um impedimento à unidade e um assunto sobre o qual a
clareza doutrinária se torna impossível. Mas se há um campo onde não deve haver
qualquer confusão ou ambivalência em relação à Escatologia, este diz respeito
ao entendimento reformado da Soberania de Deus na eleição.
Afinal de contas, os evangélicos reformados são inabaláveis em sua devoção à
glória de Deus e muito cuidadosos com respeito às categorias da doutrina. Eles
são pródigos na hermenêutica e tratam a verdade bíblica com absoluta seriedade.
Os evangélicos reformados abordam todas as outras áreas da teologia com
confiança e determinação. Então, por que tratariam a Escatologia com
consternação e indiferença – como se a revelação de Deus concernente ao futuro
fosse desesperadamente ambígua ou até mesmo algo sem importância?
A realidade é que o estudo das coisas concernentes ao fim realmente importa.
Importa para Deus – tanto que aproximadamente um quarto de Sua Palavra se
relaciona com as profecias do fim. Seriam estas passagens significantes da
profecia tão confusas ao ponto de que o máximo que os teólogos podem conseguir
é simplesmente reconhecer a confusão e passar adiante, abandonando qualquer
pensamento da peculiaridade das Escrituras com respeito à Escatologia? O
esforço de se entender as passagens proféticas resultaria em fútil empreitada,
uma vez que estas passagens requerem uma interpretação espiritualizada ou
alegorizada para serem entendidas? Estaria a verdade oculta por trás do
significado normal das palavras, de modo que o texto realmente significa algo
diferente do que diz?
ESCATOLOGIA
E A HERMENÊUTICA REFORMADA
A posição reformada tem sempre
abordado a Escritura por meio da hermenêutica literal – toma-se a Bíblia por
seu valor nominal, aplicando-lhe as regras normais da linguagem a fim de se
entender o texto. O próprio João Calvino foi um ardoroso defensor do método
literal de interpretação bíblica. Como ele explicou,“reconheçamos que o
verdadeiro significado da Escritura é simples e genuíno, abracemos e defendamos
este significado com toda a nossa força. Que nós... confiantemente deixemos de
lado como corrupções mortais aquelas exposições fictícias que nos levam para
longe do sentido literal da Palavra”.[4] Seu compromisso com a hermenêutica
literal o levou a buscar o significado pretendido pelo autor original da
passagem. Em seu comentário aos Romanos, ele afirmou: “sendo que é
quase a única tarefa [do intérprete] desvendar a mente do escritor a quem ele
deseja expor, ele erra o alvo ou, pelo menos, se desgarra de seus limites ao
ponto de levar seus ouvintes para longe do significado do autor [da Escritura]”.[5]
Ao interpretar o texto, João Calvino reafirma a seriedade da exposição bíblica.
Ele escreve: “É presunçoso e quase blasfemo tentar descobrir o
significado da Escritura sem o devido cuidado, como se a Bíblia fosse um jogo
com que se brinca”.[6] Ademais, ele agressivamente opôs-se à interpretação
alegórica do texto inspirado.
Este erro [da alegoria] tem sido a fonte de muitos males. Ele não somente abriu
o caminho para a adulteração do significado natural da Escritura, como também
fortaleceu a alegorização como a principal virtude exegética. Assim, muitos dos
antigos sem quaisquer restrições jogaram toda a espécie de jogos com a sagrada
Palavra de Deus, como se chutassem uma bola pra lá e pra cá. A alegorização
também concedeu aos hereges uma oportunidade de lançar a Igreja numa tormenta,
pois quando é aceito que qualquer um possa interpretar qualquer passagem como
bem entende, qualquer idéia louca, absurda ou monstruosa, pode ser introduzida
sob o pretexto de alegoria. Mesmo os bons homens foram levados pelo erro da
alegoria, formulando um grande número de opiniões perversas.[7]
Assim, ele concluiu que os estudantes da Palavra de Deus devem “rejeitar
completamente as alegorias de Orígenes e de outros como ele, que Satanás, com a
mais profunda sutileza, tem introduzido na Igreja, com o propósito de tornar a
doutrina da Escritura ambígua e destituída de toda a firmeza e certeza”.[8]
Premilenistas Futuristas afirmam de todo o coração declarações como esta. Uma
hermenêutica literal é o fundamento exegético sobre o qual o Premilenismo se
sustenta. Mas é significativo que João Calvino tenha se mostrado inconsistente
na aplicação de seu próprio compromisso com a hermenêutica literal,
especialmente quando trata das profecias dos últimos tempos. Nas passagens
considerando o milênio, o reformador rapidamente abandonou sua própria
hermenêutica literal e usou uma abordagem alegórica. Como ele mesmo explicou:
Quando os profetas descrevem o reino de Cristo, eles comumente se utilizam
das similitudes da vida ordinária dos homens... mas estas expressões são
alegóricas e acomodadas ao profeta à nossa própria ignorância, para que
conheçamos, por meio das coisas que são percebidas pelos nossos sentidos,, as
bênçãos que possuem grandeza e elevada excelência em que nossas mentes não
podem compreender.[9]
Por exemplo, em seu comentário de Amós 9, João Calvino completamente abandonou
a abordagem literal do texto, argumentando que a passagem encontra-se cheia de
“expressões metafóricas” e “expressões figuradas”. Em seu entender, o profeta
Amós falou de bênçãos físicas com o objetivo de descrever a Israel as “bênçãos
espirituais” e “abundância espiritual” da “Igreja”. Ele declarou:
Se alguém objetar e disser que o profeta não fala aqui alegoricamente, a
resposta é claríssima – pois esta é uma maneira de falar em muitos outros
lugares da Escritura, de que um estado da felicidade é descrito diante de
nossos olhos, estabelecendo diante de nós as conveniências da vida presente e
das bênçãos da vida presente: isto pode especialmente ser observado nos
profetas, pois eles acomodaram o seu estilo, como já declaramos, as capacidades
de um povo rude e fraco.[10]
Mas, se Calvino tivesse interpretado Amós 9 e outras passagens apocalípticas da
mesma maneira que interpretou o resto da Bíblia, usando a hermenêutica literal
que ele defendia, teria inevitavelmente chegado a conclusões premilenistas
futuristas.[11] Ademais, uma hermenêutica literal, consistentemente aplicada,
leva ao Premilenismo Futurista – ponto em que os eruditos amilenistas
abertamente concordam ao longo dos anos. No capítulo 3, Richard Mayhue citou as
palavras de Floyd E. Hamilton[12] e O. T. Alis[13] a este respeito. Às suas
palavras, podemos acrescentar:
Herman Bavink: Todos os profetas, com igual vigor e força, anunciam
não somente a conversão de Israel e das nações, como também o retorno à
Palestina, a reedificação de Jerusalém, a restauração do tempo, do sacerdócio,
da oração sacrificial, e assim por diante. A profecia nos pinta uma imagem
singular do futuro. E esta imagem pode tanto ser tomada literalmente como se
apresenta [e como os pré-milenistas entendem]... ou esta imagem nos leva a uma
interpretação muito diferente daquela pretendida pelo quialismo
[premilenismo].[14]
William Masselink: Se toda profecia deve ser interpretada de modo
literal, as visões quiliásticas [premilenismo futurista] estão corretas; se não
pode ser provado que estas profecias têm significados espirituais, a alegoria
deve ser rejeitada.[15]
Anthony Hoekema: Amilenistas, por outro lado, crêem que, embora
muitas profecis do Antigo Testamento devam ser interpretadas literalmente,
muitas outras precisam ser interpretadas de modo alegórico.[16]
Graeme Goldsworthy: Poderia ser argumentado que, embora os detalhes
posam ser difíceis de interpretar por causa da preferência profética pela
imagem poética e pela metáfora, o quadro maior é abundantemente claro. Nesta
fase, o literalista afirma que Deus revela através dos profetas que seu reino
virá com o retorno dos judeus à Palestina, a reedificação de Jerusalém, a
restauração do templo... O literalista deve tornar-se um futurista, uma vez que
o cumprimento literal de toda a profecia do Antigo Testamento ainda não
aconteceu.[17]
Loraine Boetnner, um pós-milenista, ecoa sentimentos semelhantes:
“Geralmente concorda-se que se as profecias forem tomadas literalmente, elas
prenunciam uma restauração de Israel na terra da Palestina com os judeus tendo
um lugar preeminente naquele reino e governando sobre todas as nações”.[18]
Como mostrado nos exemplos acima, o Premilenismo Futurista é o resultado da
aplicação consistente da hermenêutica literal. Embora Calvino fortemente tenha
advogado a abordagem literal, ele foi inconsistente na aplicação dessa
hermenêutica. Gerações de teólogos reformados têm seguido [lamentavelmente] seu
exemplo, adotando uma abordagem alegórica para lidar com os textos proféticos.
Mas, com todo devido respeito ao distinto reformador [Calvino], ao contrário
dele, não há nenhuma boa razão para mudarmos nossa hermenêutica ao nos
depararmos com a profecia bíblica. Devemos interpretar a profecia da mesma
maneira que interpretamos a história – tomando-a como um relato literal de
eventos reais (embora futuros). Como J. C. Ryle corretamente notou:
Todos estes textos [proféticos] são para mim profecias plenas da segunda
vinda e do reino de Cristo. Todas estas profecias permanecem sem cumprimento e
serão cumpridas literalmente com exatidão. Digo “literalmente cumpridas com
exatidão”, e o digo de modo a instruir. Antes do primeiro dia em que comecei a
ler a Bíblia com meu coração, jamais pude enxergar estes textos e centenas de
outros semelhantes a eles de outra maneira. Sempre me pareceu que quando
tomamos os textos literalmente os muros da Babilônia desabam, de modo que
devemos interpretá-los literalmente para que os muros de Sião sejam erguidos –
segundo a profecia de que os judeus foram literalmente dispersos e de que serão
literalmente ajuntados – e que em seus mínimos detalhes as predições se
cumpriram com respeito à vinda de nosso Senhor como servo sofredor, assim
também as predições com respeito à sua segunda vinda para reinar serão cumpridas
em seus mínimos detalhes.[19]
Como Ryle aponta, é
inconsistente mudar [de modo arbitrário] nosso método de interpretação no que
diz respeito à profecia dos últimos tempos. As razões pelas quais o próprio
Calvino o fez foram baseadas em sua afirmação de que essas profecias ainda não
tinham se cumprido na história, e, portanto, não poderiam ser tomadas
literalmente.[20] Ao rejeitar a possibilidade de um cumprimento futuro, Calvino
abraçou o erro hermenêutico que ele mesmo tanto denunciou: o método alegórico.
Mas a hermenêutica alegórica, mesmo quando usada com moderação (como Calvino
pretendeu fazer),[21] é cheia de perigos – pois abre a porta para um número sem
fim de interpretações espiritualizadas. Antes, o texto deve ser tomado em seu
valor nominal, não ao pé da letra, mas de acordo com o uso normal da linguagem
[exigida pela gramática do texto]. Repetindo uma excelente frase de João
Calvino, “saibamos que o verdadeiro significado da Escritura é aquele
simples e genuíno”. Se ele tivesse aplicado este princípio a todas as
passagens bíblicas, a história da Escatologia reformada teria tomado um rumo
totalmente diferente.
Os que seguem a tradição reformada, que abraçam a abordagem literal à
interpretação bíblica, poderiam ser os primeiros a advogarem o Premilenismo
Futurista. Do ponto de vista da hermenêutica, é inconsistente que não o façam.
ESCATOLOGIA
E A DOUTRINA DA ELEIÇÃO
Há uma segunda razão pela qual os adeptos da teologia reformada deveriam
abraçar o Premilenismo Futurista, e esta razão se fundamenta na Doutrina da
Eleição.
Calvinistas são conhecidos por amarem a indefensável da doutrina da eleição.
Amam a soberana graça de Deus em relação à Igreja e valorizam seu lugar
inviolável no propósito de Deus desde a predestinação até a glorificação. Eles
agressivamente defendem a verdade da fidelidade de Deus em cumprir Suas
promessas perfeitamente e sem exceção. Entendem que a eleição da Igreja é
divina, unilateral, incondicional e irrevogável. Mesmo assim, ironicamente,
negam a eleição da nação de Israel – de modo que as promessas divinas
associadas à eleição de Israel são negadas ou espiritualizadas e transferidas
para a Igreja. Tal posição, entretanto, não é biblicamente sustentável.
Ademais, a Escritura usa a mesma linguagem para descrever tanto a eleição de
Israel como da Igreja; e ambas as eleições são baseadas nas promessas absolutas
do mesmo Deus. Assim, não podemos negar uma sem o prejuízo da outra.
Mesmo assim, Amilenistas e Pós-milenistas contendem que, a despeito de ter sido
eleita, a nação de Israel, por conta de sua desobediência, foi rejeitada por
Deus e [absurdamente] substituída por um “novo Israel”, a Igreja. Assim, lemos:
William Hendricksen: E o que dizer da nação, que se pode chamar de
o Israel não-convertido, os que rejeitaram o Messias?... No lugar do povo da
antiga aliança surgiria – e não é o que já começou a acontecer? – ‘uma nação
que produzisse seus frutos’, uma igreja internacional, a partir de judeus e
gentios.[22]
David Hill: A nação judaica, como entidade corporativa, tinha agora
perdido seu status de eleição.[23]
Jack Dean Kingsbury: Consequentemente, devido à rejeição de Israel
da proclamação do Evangelho do Reino pelo Messias, filho de Deus, e por seus
embaixadores, Deus retira seu governo de Israel e este deixa de ser seu povo
escolhido.[24]
R. V. G. Tasker: Por causa desta rejeição de Jesus como Messias,
que veio como clímax de uma longa série de rejeições de profetas enviados por
Deus (Mt 21.35,36), o velho Israel, como tal, perderia o direito de receber as
bênçãos pertencentes ao Reino de Deus. Estas bênçãos seriam, em conseqüência,
disponibilizadas à um povo menos exclusivo que contraria com homens de todas as
raças e nações (Mt 21.43); e os assassinos do Filho de Deus seriam destruídos
(Mt 21.41).[25]
Charles Price: O ensino de Jesus nestas parábolas (Mt 21.1–22.14)
diz respeito à rejeição do povo de Deus do foco do propósito de Deus no mundo,
e sua substituição por uma nova ordem, aqueles dos becos e vielas que se
identificarão com Cristo e serão trazidos à comunhão com Ele. Mas a figueira e
Israel é amaldiçoada.[26]
Declarações como estas afirmam a teologia da substituição – a noção
[mirabolante] de que a nação de Israel foi substituída ou superada pela Igreja,
de modo que a Igreja é agora Israel. Paul Enns explica:
A Teologia da substituição é um traço distintivo na teologia da Aliança. A
terminologia reflete seu ensino de que a Igreja substituiu Israel no programa
de Deus. Eles crêem que, tendo Israel rejeitado Jesus como seu Messias, Deus os
substituiu com a Igreja. Israel não tem mais um futuro no programa de Deus. As
promessas que Deus havia feito a Israel têm se cumprido na Igreja.[27]
Em outras palavras, por sua desobediência, a nação de Israel perdeu status de
eleição como povo escolhido de Deus, juntamente com todas as bênçãos
correspondentes prometidas à ela no Antigo Testamento. Embora judeus
individuais possam ser salvos por meio da Igreja, Deus não trata mais Israel
como nação.
Mas como pode ser isto? A eleição pode ser cancelada? As promessas de Deus
podem ser anuladas, mesmo por meio da desobediência dos homens? A apostasia de
Israel não era parte do plano eterno de Deus?
É aqui, mais uma vez, onde a doutrina reformada – consistentemente aplicada –
leva às conclusões Premilenistas Futuristas. Nada há mais coerente com a
afirmação da eleição soberana e das doutrinas da graça do que a posição
Premilenista Futurista. Tanto o Amilenismo como o Posmilenismo melhor se
adéquam à uma abordagem arminiana, na qual a eleição pode ser perdida com base
em escolhas e comportamento humanos. Ensinar que os israelitas podem anular a
escolha de Deus por meio de suas ações deliberadas é consistente com o
arminianismo [e jamais com o Calvinismo], pois não é consistente com a teologia
reformada. Para os que entendem que Deus é Soberano, que Ele é o único que pode
determinar quem será salvo e que somente Ele pode salvá-los, nem o Amilenismo
nem o Posmilenismo fazem qualquer sentido. Ambas as visões essencialmente
ensinam que a nação de Israel, por sua própria escolha, anulou as promessas de
Deus.
Quando observamos a grande realidade da eleição na Bíblia, há somente quatro
entidades específicas mencionadas como eleitas: Cristo (Is 42; 1Pe 2.6), os
santos anjos (1Tm 5.21), Israel (Is 45.4; 65.9,22) e a Igreja (2Ts 1.1; 2.13).
A eleição de Cristo e dos anjos é eterna, assim como também é eterna a eleição
da Igreja. Logo, por que deveríamos concluir que a eleição de Israel é
temporária ou que poderia ser anulada? Isto vai de encontro com a essência do
caráter fiel de Deus e Sua obra de eleição soberana.
Mais uma vez, podemos apelar aos escritos de João Calvino. Em seu comentário de
1Coríntios, Calvino explica que “tudo o que Deus começa Ele leva ao bom
termo... Deus é imutável em Seu propósito. Sendo assim, Ele não brinca conosco
a nos chamar, sem que possa manter Sua obra até o fim”.[28] As observações de
Calvino em Romanos 11.28,29 acrescentam à este ponto:
Deus não está alheio à aliança que fez com seus pais, pela qual
testificou que, segundo o Seu propósito eterno, Ele amou aquela nação [de
Israel]: e isto ele [Paulo] confirma por esta notável declaração, - de que a
graça da vocação divina não pode ser anulada... [ou] o conselho de Deus, pelo
qual Ele uma vez condescendeu para escolhê-los para si como nação peculiar, permanece
firme e imutável. Se, portanto, é completamente impossível ao Senhor demover-se
da aliança que fez com Abraão nas palavras “EU serei o Deus da... tua semente”
(Gn 17.7), então Deus não retirou Sua misericórdia da nação judaica.[29]
Assim, até mesmo Calvino reconheceu que a eleição de Deus à nação de Israel
jamais poderia ser desfeita nem mesmo por causa de sua descrença.[30]
Aqui, portanto, permanece o dilema. Se não há futuro para Israel como nação
(como afirma a teologia da substituição), então a eleição de Deus sobre a nação
de Israel foi anulada. Mas, como Calvino articulou, isto seria impossível, uma
vez que os “dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29). A natureza
imutável da eleição divina garante que Deus não abandonará o Seu povo
escolhido. Nas palavras de um renomado teólogo protestante:
É inaceitável [isto é, a possibilidade] de Deus ter rejeitado finalmente o
povo de Sua escolha – Ele, então, teria que rejeitar a Sua própria eleição (Rm
11.29) – e então, ter supostamente escolhido outro povo em seu lugar, a Igreja.
Ao contrário, elas não foram [de forma alguma] transferidas para a Igreja. Nem
a Igreja jamais empurrou Israel para fora de seu lugar na história divina.[31]
Não apenas há um remanescente de judeus crentes no presente (como Calvino
reconheceu), como a natureza irrevogável da eleição mantém que as promessas de
Deus feitas à Israel no passado ainda irão se cumprir no futuro. Como já temos
visto, estas promessas devem ser interpretadas literalmente. Assim, o caráter fiel
de Deus demanda que Ele ainda fará exatamente o que prometeu fazer aos santos
do Antigo Testamento.
A
IGREJA É O ISRAEL ATUAL?
Quando aplicadas consistentemente, tanto a hermenêutica reformada como a
doutrina da eleição nos levam a conclusões Premilenistas Futuristas. Mas isto
nos leva ao importante questionamento que tem sido a causa de muita confusão
nos círculos reformados. A Bíblia ensina que a Igreja é o atual Israel, de modo
que as bênçãos prometidas aos santos do Antigo Testamento foram transferidas
para a Igreja do Novo Testamento? Ou Israel seria distinto da Igreja de modo
que devesse esperar que as promessas feitas a Israel no passado serão cumpridas
para o Israel no futuro?
Somente duas passagens no Novo Testamento são largamente debatidas a respeito
do termo “Israel” – Romanos 9.6 e Gálatas 6.16.[33] (Significativamente, nas
outras 75 ocorrências, os intérpretes concordam que o termo se refere à nação
de Israel). Em Romanos 9.6, Paulo nota que “nem todos os de Israel são de fato
israelitas”. Embora alguém interprete isso como referência à Igreja como um
todo, o contexto esclarece que o apóstolo está falando somente de judeus
crentes (como um grupo distinto de israelitas étnicos dentro do grupo maior da
nação incrédula). Os versos anteriores certificam que Paulo tem em mente
descendentes físicos de Abraão quando escreve o verso 6. Por exemplo, o
apóstolo declara diretamente que está falando de seus “compatriotas segundo a
carne” no verso 3. E nada no contexto sugere que ele tenha mudado a retórica e
passado a falar de gentios cristãos. Antes, “o ensino principal de toda a seção
é mostrar que, enquanto as promessas de Deus a Israel parecem ter falhado
quando se olha a totalidade da nação de Israel, que é predominantemente
incrédula, há, contudo, um remanescente [de judeus crentes] dentro de
Israel”.[34]
Em Gálatas 6.16, tanto a gramática como o contexto indicam que o “Israel de
Deus” se refere à judeus eleitos e não à toda a Igreja.[35] Neste versículo,
Paulo diz aos seus leitores: “E a todos quantos andarem de conformidade com
esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus”. Dois
grupos de pessoas, portanto, são imediatamente evidentes na gramática do
versículo – os “que seguem esta regra” sendo distintos do “Israel de Deus”.[36]
Ao primeiro grupo, todos os cristãos que seguem a instrução dada por meio da
epístola, Paulo estende a paz de Deus. Mas ele reserva uma bênção especial e
especificamente aos crentes judeus – sabendo que a misericórdia divina será
mostrada aos que são eleitos de Deus. “Israel de Deus”, portanto, se refere aos
judeus étnicos circuncidados em seus corações e não apenas fisicamente (cf. Rm
2.21-29). Eles são os verdadeiros israelitas, o mesmo grupo que Paulo distingue
em Romanos 9.6. Como em todos os outros exemplos onde ele usa o termo “Israel”,
Paulo entende que “Israel” neste versículo se refere aos judeus nacionais.
Contextualmente, ele nos dá uma importante nota de conclusão de Gálatas, uma
carta na qual Paulo consistentemente refuta os judaizantes. Embora o sistema
mosaico não esteja mais vigorando sobre os crentes (que é o foco de Paulo em
toda a carta), o apóstolo conclui notando que Deus, de maneira nenhum,
abandonou o Seu povo [Israel] escolhido (cf. Rm 1.26).[37]
Naturalmente, se Deus rejeitou a nação de Israel, deveríamos esperar que o povo
judeu tivesse deixado de existir. Assim como os heteus, amorreus, moabitas e
todo o resto, os judeus teriam desaparecido na história e a nação de Israel
jamais teria sido restabelecida. Entretanto, não foi isto que aconteceu. Os
judeus têm sobrevivido miraculosamente e Israel é, agora, mais uma vez, uma
nação. Alguns amilenistas negam que isto tenha qualquer significância
escatológica; entretanto, outros têm parado para pensar, como por exemplo o
escritor Kim Riddlebarger admite:
Não podemos repetir os mesmos erros das gerações anteriores de
amilenistas (tais como Bavinck e Berkhof) ao afirmarem que um dos sinais
seguros de que o Dispensacionalismo seja falso seria a predição
dispensacionalista de que Israel se tornaria uma nação. Como bem sabemos,
Israel tornou-se uma nação soberana em 1948 a despeito das visões contrárias de
Berkhof e Bavinck.[38]
R. C. Sproul têm reconhecido o interesse no restabelecimento da nação:
Lembro-me de estar sentado em minha casa em Boston, em 1967, e vendo,
pela televisão, soldados judeus entrando em Jerusalém, largando suas armas e
correndo para o Muro das Lamentações e chorando profundamente. Imediatamente
telefonei para um de meus caros amigos, professor de Teologia do Antigo
Testamento, que não crê que o Israel moderno tenha qualquer significância. Eu o
perguntei: “O que você acha agora? Desde o ano de 70 d.C até 1967, quase 900
até aqui, Jerusalém tem estado sob o domínio e controle dos gentios, e agora os
judeus reconquistaram a cidade de Jerusalém. Jesus disse que Jerusalém seria
pisada sob os pés dos gentios até que a medida destes fosse completada. Qual é
o significado disto?”. Ao que ele respondeu: “Bem, preciso repensar esta
situação”. Isto foi realmente estarrecedor.[39]
Mas, o que parece estarrecedor e confuso para amilenistas e
posmilenistas está perfeitamente de acordo com o entendimento Premilenista do
futuro. A sobrevivência dos judeus é exatamente o que deveríamos esperar ao
aplicarmos consistentemente a hermenêutica literal à profecia bíblica e se
entendermos a eleição soberana de Deus sobre a nação de Israel como
incondicional e distinta da Igreja.
Nos últimos anos, o Espírito de Deus tem agido na Igreja americana para
reavivar a paixão entre o Seu povo pelas Doutrinas da Graça. Agora
que o glorioso e elevado nível da eleição soberana na salvação tem sido
redescoberto, é exatamente a hora de restabelecer o nível igualmente elevado da
graça soberana para uma futura geração de israelitas étnicos na salvação e no
restabelecimento do reino messiânico terreno, juntamente com o cumprimento
total de todas as promessas feitas à Israel.
Este capítulo, então, é uma chamada aos pensadores reformados no sentido de que
reconsiderem sua Escatologia à luz de seu compromisso com a hermenêutica
literal e com a Doutrina da Eleição Soberana. O Premilenismo
Futurista é a única conclusão a que se pode chegar partindo de uma hermenêutica
histórico-gramatical literal aplicada consistentemente. Ademais, os
calvinistas devem ser os primeiros a afirmarem que a eleição soberana de Deus
não pode ser anulada, pois seus propósitos jamais serão frustrados. Assim, as
promessas feitas ao Israel eleito serão cumpridas a Israel da mesma forma que
as promessas feitas à Igreja eleita serão cumpridas a nós.
NOTA
PESSOAL SOBRE O PREMILENISMO FUTURISTA
É apropriado concluir este capítulo com uma nota pessoal. Quanto mais
entendo a graça soberana e eletiva de Deus, mais claro se torna para mim o
estudo da Escatologia. Quanto mais estudo as Escrituras, mais me convenço da
posição Premilenista Futurista.
Nos últimos quarenta anos tenho tido o privilégio maravilhoso de estudar e pregar
em cada versículo, cada frase, cada palavra do Novo Testamento. Em toda a minha
pregação tenho aplicado uma hermenêutica histórico-gramatical literal – tomando
a Palavra de Deus em seu valor nominal. Como resultado, o entendimento
Premilenista Futurista da Escatologia tem passado pelo crivo de cada verso do
Novo Testamento. Mas, em vez de ser persuadido contra o Premilenismo Futurista,
minha convicção quanto à sua veracidade tem se fortalecido cada vez mais.
No Antigo Testamento tenho tido a oportunidade de pregar de Gênesis ao livro de
Salmos e pregar em muitas porções dos profetas. Trabalhando como editor de uma
Bíblia de estudo, também fui forçado a filtrar minha Escatologia em cada texto
individual da Palavra de Deus. Mais uma vez, ao aplicar a hermenêutica literal
em cada passagem, os resultados são os mesmos.
Assim, sou um Premilenista Futurista pela mesma razão que abraço as doutrinas
da graça (Calvinismo). A Palavra de Deus claramente ensina a eleição soberana
da Igreja. Igualmente claro na Bíblia é a divina e soberana eleição da nação de
Israel. Debaixo de uma hermenêutica literal e plenamente convencido de que a
eleição de Deus não pode ser anulada (pois seus propósitos não falham), abraço
uma Escatologia Premilenista Futurista (Dispensacionalista) com a mesma
confiança com que abraço a Soteriologia Reformada. Somos limitados a crer
somente no que a Escritura revela, e, neste caso, uma leitura correta da
Palavra de Deus não me deixa outra opção.
– John MacArthur / Os Planos Proféticos de Cristo: Um guia básico sobre o
Premilenismo Futurista – Cap. 7, Pág. 137-150.
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SÉRIE: Os Planos Proféticos de Cristo
JP Padilha Blog: https://jppadilhabiblia.blogspot.com.br/
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em http://BibliaLTT.org, com ou sem notas.
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.