Capítulo 7. O Calvinismo Leva Ao Premilenismo Futurista


John MacArthur

 

O legado da teologia reformada (comumente chamada “Calvinismo”) remonta não apenas a reformadores como João Calvino ou aos pais da Igreja como Agostinho, mas à própria Bíblia. As gloriosas doutrinas da graça não são primariamente produto da história da Igreja, mas o testemunho da Escritura – com sua repetida ênfase na total inabilidade do homem e no amor de Deus que o elege e preserva. Passagem após passagem, de João 6 à Romanos 9 e a Efésios 1, testificamos estas grandes verdades com clareza e poder.[2] Como explicou o notável fundador de orfanatos e poderoso guerreiro de oração, há um século, George Muller:

Fui à Palavra, lendo o Novo Testamento desde o início, com referência particular à essas verdades. Para meu grande espanto, descobri que as passagens que falam enfaticamente de eleição e graça perseverante são quatro vezes mais em número do que as que [aparentemente] falam contra estas verdades; e mesmo estas poucas passagens, pouco tempo depois, quando as examinei e entendi, serviram para confirmar-me nas doutrinas que acabo de citar.[3]

Embora Miller inicialmente tivesse rejeitado as doutrinas calvinistas, ele logo tornou-se profundamente convencido de sua veracidade por meio de seus estudos nas Escrituras. Juntamente com George Miller, os grandes nomes da história da igreja evangélica têm compartilhado deste legado reformado – homens como John Knox, John Owen, George Whitefield, Jonathan Edwards, William Carey, Charles Roth, Charles Spurgeon e Dr. Martyn Lloyd-Jones.

Mas, a despeito deste prestigioso legado, há ainda umas poucas áreas nas quais a teologia reformada precisa [com urgência] de reforma. Uma das deficiências mais notórias na história do movimento reformado diz respeito ao campo da Escatologia – onde, falando em termos gerais, uma interpretação literal das promessas milenares feitas a Israel tem sido rejeitada. Em vez disso, uma hermenêutica alegórica (ou espiritual) tem sido aplicada em muitas passagens proféticas, resultando em um compromisso predominante com o Amilenismo e, em um grau menor, com o Posmilenismo.

Mesmo hoje, se quiséssemos classificar os líderes do assim chamado jovem e agitado movimento reformado, no que diz respeito ao estudo da Escatologia, o consenso seria de que não há consenso. Muitos pastores evangélicos conservadores consideram o estudo das últimas coisas algo de menos importância ou, até mesmo, perigoso – um impedimento à unidade e um assunto sobre o qual a clareza doutrinária se torna impossível. Mas se há um campo onde não deve haver qualquer confusão ou ambivalência em relação à Escatologia, este diz respeito ao entendimento reformado da Soberania de Deus na eleição.

Afinal de contas, os evangélicos reformados são inabaláveis em sua devoção à glória de Deus e muito cuidadosos com respeito às categorias da doutrina. Eles são pródigos na hermenêutica e tratam a verdade bíblica com absoluta seriedade. Os evangélicos reformados abordam todas as outras áreas da teologia com confiança e determinação. Então, por que tratariam a Escatologia com consternação e indiferença – como se a revelação de Deus concernente ao futuro fosse desesperadamente ambígua ou até mesmo algo sem importância?

A realidade é que o estudo das coisas concernentes ao fim realmente importa. Importa para Deus – tanto que aproximadamente um quarto de Sua Palavra se relaciona com as profecias do fim. Seriam estas passagens significantes da profecia tão confusas ao ponto de que o máximo que os teólogos podem conseguir é simplesmente reconhecer a confusão e passar adiante, abandonando qualquer pensamento da peculiaridade das Escrituras com respeito à Escatologia? O esforço de se entender as passagens proféticas resultaria em fútil empreitada, uma vez que estas passagens requerem uma interpretação espiritualizada ou alegorizada para serem entendidas? Estaria a verdade oculta por trás do significado normal das palavras, de modo que o texto realmente significa algo diferente do que diz?


ESCATOLOGIA E A HERMENÊUTICA REFORMADA
A posição reformada tem sempre abordado a Escritura por meio da hermenêutica literal – toma-se a Bíblia por seu valor nominal, aplicando-lhe as regras normais da linguagem a fim de se entender o texto. O próprio João Calvino foi um ardoroso defensor do método literal de interpretação bíblica. Como ele explicou,“reconheçamos que o verdadeiro significado da Escritura é simples e genuíno, abracemos e defendamos este significado com toda a nossa força. Que nós... confiantemente deixemos de lado como corrupções mortais aquelas exposições fictícias que nos levam para longe do sentido literal da Palavra”.[4] Seu compromisso com a hermenêutica literal o levou a buscar o significado pretendido pelo autor original da passagem. Em seu comentário aos Romanos, ele afirmou: “sendo que é quase a única tarefa [do intérprete] desvendar a mente do escritor a quem ele deseja expor, ele erra o alvo ou, pelo menos, se desgarra de seus limites ao ponto de levar seus ouvintes para longe do significado do autor [da Escritura]”.[5]

Ao interpretar o texto, João Calvino reafirma a seriedade da exposição bíblica. Ele escreve: “É presunçoso e quase blasfemo tentar descobrir o significado da Escritura sem o devido cuidado, como se a Bíblia fosse um jogo com que se brinca”.[6] Ademais, ele agressivamente opôs-se à interpretação alegórica do texto inspirado.

Este erro [da alegoria] tem sido a fonte de muitos males. Ele não somente abriu o caminho para a adulteração do significado natural da Escritura, como também fortaleceu a alegorização como a principal virtude exegética. Assim, muitos dos antigos sem quaisquer restrições jogaram toda a espécie de jogos com a sagrada Palavra de Deus, como se chutassem uma bola pra lá e pra cá. A alegorização também concedeu aos hereges uma oportunidade de lançar a Igreja numa tormenta, pois quando é aceito que qualquer um possa interpretar qualquer passagem como bem entende, qualquer idéia louca, absurda ou monstruosa, pode ser introduzida sob o pretexto de alegoria. Mesmo os bons homens foram levados pelo erro da alegoria, formulando um grande número de opiniões perversas.[7]

Assim, ele concluiu que os estudantes da Palavra de Deus devem “rejeitar completamente as alegorias de Orígenes e de outros como ele, que Satanás, com a mais profunda sutileza, tem introduzido na Igreja, com o propósito de tornar a doutrina da Escritura ambígua e destituída de toda a firmeza e certeza”.[8]

Premilenistas Futuristas afirmam de todo o coração declarações como esta. Uma hermenêutica literal é o fundamento exegético sobre o qual o Premilenismo se sustenta. Mas é significativo que João Calvino tenha se mostrado inconsistente na aplicação de seu próprio compromisso com a hermenêutica literal, especialmente quando trata das profecias dos últimos tempos. Nas passagens considerando o milênio, o reformador rapidamente abandonou sua própria hermenêutica literal e usou uma abordagem alegórica. Como ele mesmo explicou:

Quando os profetas descrevem o reino de Cristo, eles comumente se utilizam das similitudes da vida ordinária dos homens... mas estas expressões são alegóricas e acomodadas ao profeta à nossa própria ignorância, para que conheçamos, por meio das coisas que são percebidas pelos nossos sentidos,, as bênçãos que possuem grandeza e elevada excelência em que nossas mentes não podem compreender.[9]

Por exemplo, em seu comentário de Amós 9, João Calvino completamente abandonou a abordagem literal do texto, argumentando que a passagem encontra-se cheia de “expressões metafóricas” e “expressões figuradas”. Em seu entender, o profeta Amós falou de bênçãos físicas com o objetivo de descrever a Israel as “bênçãos espirituais” e “abundância espiritual” da “Igreja”. Ele declarou:

Se alguém objetar e disser que o profeta não fala aqui alegoricamente, a resposta é claríssima – pois esta é uma maneira de falar em muitos outros lugares da Escritura, de que um estado da felicidade é descrito diante de nossos olhos, estabelecendo diante de nós as conveniências da vida presente e das bênçãos da vida presente: isto pode especialmente ser observado nos profetas, pois eles acomodaram o seu estilo, como já declaramos, as capacidades de um povo rude e fraco.[10]

Mas, se Calvino tivesse interpretado Amós 9 e outras passagens apocalípticas da mesma maneira que interpretou o resto da Bíblia, usando a hermenêutica literal que ele defendia, teria inevitavelmente chegado a conclusões premilenistas futuristas.[11] Ademais, uma hermenêutica literal, consistentemente aplicada, leva ao Premilenismo Futurista – ponto em que os eruditos amilenistas abertamente concordam ao longo dos anos. No capítulo 3, Richard Mayhue citou as palavras de Floyd E. Hamilton[12] e O. T. Alis[13] a este respeito. Às suas palavras, podemos acrescentar:

Herman Bavink: Todos os profetas, com igual vigor e força, anunciam não somente a conversão de Israel e das nações, como também o retorno à Palestina, a reedificação de Jerusalém, a restauração do tempo, do sacerdócio, da oração sacrificial, e assim por diante. A profecia nos pinta uma imagem singular do futuro. E esta imagem pode tanto ser tomada literalmente como se apresenta [e como os pré-milenistas entendem]... ou esta imagem nos leva a uma interpretação muito diferente daquela pretendida pelo quialismo [premilenismo].[14]

William Masselink: Se toda profecia deve ser interpretada de modo literal, as visões quiliásticas [premilenismo futurista] estão corretas; se não pode ser provado que estas profecias têm significados espirituais, a alegoria deve ser rejeitada.[15]

Anthony Hoekema: Amilenistas, por outro lado, crêem que, embora muitas profecis do Antigo Testamento devam ser interpretadas literalmente, muitas outras precisam ser interpretadas de modo alegórico.[16]  

Graeme Goldsworthy: Poderia ser argumentado que, embora os detalhes posam ser difíceis de interpretar por causa da preferência profética pela imagem poética e pela metáfora, o quadro maior é abundantemente claro. Nesta fase, o literalista afirma que Deus revela através dos profetas que seu reino virá com o retorno dos judeus à Palestina, a reedificação de Jerusalém, a restauração do templo... O literalista deve tornar-se um futurista, uma vez que o cumprimento literal de toda a profecia do Antigo Testamento ainda não aconteceu.[17]

Loraine Boetnner, um pós-milenista, ecoa sentimentos semelhantes: “Geralmente concorda-se que se as profecias forem tomadas literalmente, elas prenunciam uma restauração de Israel na terra da Palestina com os judeus tendo um lugar preeminente naquele reino e governando sobre todas as nações”.[18]

Como mostrado nos exemplos acima, o Premilenismo Futurista é o resultado da aplicação consistente da hermenêutica literal. Embora Calvino fortemente tenha advogado a abordagem literal, ele foi inconsistente na aplicação dessa hermenêutica. Gerações de teólogos reformados têm seguido [lamentavelmente] seu exemplo, adotando uma abordagem alegórica para lidar com os textos proféticos.

Mas, com todo devido respeito ao distinto reformador [Calvino], ao contrário dele, não há nenhuma boa razão para mudarmos nossa hermenêutica ao nos depararmos com a profecia bíblica. Devemos interpretar a profecia da mesma maneira que interpretamos a história – tomando-a como um relato literal de eventos reais (embora futuros). Como J. C. Ryle corretamente notou:

Todos estes textos [proféticos] são para mim profecias plenas da segunda vinda e do reino de Cristo. Todas estas profecias permanecem sem cumprimento e serão cumpridas literalmente com exatidão. Digo “literalmente cumpridas com exatidão”, e o digo de modo a instruir. Antes do primeiro dia em que comecei a ler a Bíblia com meu coração, jamais pude enxergar estes textos e centenas de outros semelhantes a eles de outra maneira. Sempre me pareceu que quando tomamos os textos literalmente os muros da Babilônia desabam, de modo que devemos interpretá-los literalmente para que os muros de Sião sejam erguidos – segundo a profecia de que os judeus foram literalmente dispersos e de que serão literalmente ajuntados – e que em seus mínimos detalhes as predições se cumpriram com respeito à vinda de nosso Senhor como servo sofredor, assim também as predições com respeito à sua segunda vinda para reinar serão cumpridas em seus mínimos detalhes.[19]


Como Ryle aponta, é inconsistente mudar [de modo arbitrário] nosso método de interpretação no que diz respeito à profecia dos últimos tempos. As razões pelas quais o próprio Calvino o fez foram baseadas em sua afirmação de que essas profecias ainda não tinham se cumprido na história, e, portanto, não poderiam ser tomadas literalmente.[20] Ao rejeitar a possibilidade de um cumprimento futuro, Calvino abraçou o erro hermenêutico que ele mesmo tanto denunciou: o método alegórico.

Mas a hermenêutica alegórica, mesmo quando usada com moderação (como Calvino pretendeu fazer),[21] é cheia de perigos – pois abre a porta para um número sem fim de interpretações espiritualizadas. Antes, o texto deve ser tomado em seu valor nominal, não ao pé da letra, mas de acordo com o uso normal da linguagem [exigida pela gramática do texto]. Repetindo uma excelente frase de João Calvino, “saibamos que o verdadeiro significado da Escritura é aquele simples e genuíno”. Se ele tivesse aplicado este princípio a todas as passagens bíblicas, a história da Escatologia reformada teria tomado um rumo totalmente diferente.

Os que seguem a tradição reformada, que abraçam a abordagem literal à interpretação bíblica, poderiam ser os primeiros a advogarem o Premilenismo Futurista. Do ponto de vista da hermenêutica, é inconsistente que não o façam.


ESCATOLOGIA E A DOUTRINA DA ELEIÇÃO

Há uma segunda razão pela qual os adeptos da teologia reformada deveriam abraçar o Premilenismo Futurista, e esta razão se fundamenta na Doutrina da Eleição.

Calvinistas são conhecidos por amarem a indefensável da doutrina da eleição. Amam a soberana graça de Deus em relação à Igreja e valorizam seu lugar inviolável no propósito de Deus desde a predestinação até a glorificação.  Eles agressivamente defendem a verdade da fidelidade de Deus em cumprir Suas promessas perfeitamente e sem exceção. Entendem que a eleição da Igreja é divina, unilateral, incondicional e irrevogável. Mesmo assim, ironicamente, negam a eleição da nação de Israel – de modo que as promessas divinas associadas à eleição de Israel são negadas ou espiritualizadas e transferidas para a Igreja. Tal posição, entretanto, não é biblicamente sustentável. Ademais, a Escritura usa a mesma linguagem para descrever tanto a eleição de Israel como da Igreja; e ambas as eleições são baseadas nas promessas absolutas do mesmo Deus. Assim, não podemos negar uma sem o prejuízo da outra.

Mesmo assim, Amilenistas e Pós-milenistas contendem que, a despeito de ter sido eleita, a nação de Israel, por conta de sua desobediência, foi rejeitada por Deus e [absurdamente] substituída por um “novo Israel”, a Igreja. Assim, lemos:

William Hendricksen: E o que dizer da nação, que se pode chamar de o Israel não-convertido, os que rejeitaram o Messias?... No lugar do povo da antiga aliança surgiria – e não é o que já começou a acontecer? – ‘uma nação que produzisse seus frutos’, uma igreja internacional, a partir de judeus e gentios.[22]

David Hill: A nação judaica, como entidade corporativa, tinha agora perdido seu status de eleição.[23]

Jack Dean Kingsbury: Consequentemente, devido à rejeição de Israel da proclamação do Evangelho do Reino pelo Messias, filho de Deus, e por seus embaixadores, Deus retira seu governo de Israel e este deixa de ser seu povo escolhido.[24]

R. V. G. Tasker: Por causa desta rejeição de Jesus como Messias, que veio como clímax de uma longa série de rejeições de profetas enviados por Deus (Mt 21.35,36), o velho Israel, como tal, perderia o direito de receber as bênçãos pertencentes ao Reino de Deus. Estas bênçãos seriam, em conseqüência, disponibilizadas à um povo menos exclusivo que contraria com homens de todas as raças e nações (Mt 21.43); e os assassinos do Filho de Deus seriam destruídos (Mt 21.41).[25]

Charles Price: O ensino de Jesus nestas parábolas (Mt 21.1–22.14) diz respeito à rejeição do povo de Deus do foco do propósito de Deus no mundo, e sua substituição por uma nova ordem, aqueles dos becos e vielas que se identificarão com Cristo e serão trazidos à comunhão com Ele. Mas a figueira e Israel é amaldiçoada.[26]

Declarações como estas afirmam a teologia da substituição – a noção [mirabolante] de que a nação de Israel foi substituída ou superada pela Igreja, de modo que a Igreja é agora Israel. Paul Enns explica:

A Teologia da substituição é um traço distintivo na teologia da Aliança. A terminologia reflete seu ensino de que a Igreja substituiu Israel no programa de Deus. Eles crêem que, tendo Israel rejeitado Jesus como seu Messias, Deus os substituiu com a Igreja. Israel não tem mais um futuro no programa de Deus. As promessas que Deus havia feito a Israel têm se cumprido na Igreja.[27]

Em outras palavras, por sua desobediência, a nação de Israel perdeu status de eleição como povo escolhido de Deus, juntamente com todas as bênçãos correspondentes prometidas à ela no Antigo Testamento. Embora judeus individuais possam ser salvos por meio da Igreja, Deus não trata mais Israel como nação.

Mas como pode ser isto? A eleição pode ser cancelada? As promessas de Deus podem ser anuladas, mesmo por meio da desobediência dos homens? A apostasia de Israel não era parte do plano eterno de Deus?

É aqui, mais uma vez, onde a doutrina reformada – consistentemente aplicada – leva às conclusões Premilenistas Futuristas. Nada há mais coerente com a afirmação da eleição soberana e das doutrinas da graça do que a posição Premilenista Futurista. Tanto o Amilenismo como o Posmilenismo melhor se adéquam à uma abordagem arminiana, na qual a eleição pode ser perdida com base em escolhas e comportamento humanos. Ensinar que os israelitas podem anular a escolha de Deus por meio de suas ações deliberadas é consistente com o arminianismo [e jamais com o Calvinismo], pois não é consistente com a teologia reformada. Para os que entendem que Deus é Soberano, que Ele é o único que pode determinar quem será salvo e que somente Ele pode salvá-los, nem o Amilenismo nem o Posmilenismo fazem qualquer sentido. Ambas as visões essencialmente ensinam que a nação de Israel, por sua própria escolha, anulou as promessas de Deus.

Quando observamos a grande realidade da eleição na Bíblia, há somente quatro entidades específicas mencionadas como eleitas: Cristo (Is 42; 1Pe 2.6), os santos anjos (1Tm 5.21), Israel (Is 45.4; 65.9,22) e a Igreja (2Ts 1.1; 2.13). A eleição de Cristo e dos anjos é eterna, assim como também é eterna a eleição da Igreja. Logo, por que deveríamos concluir que a eleição de Israel é temporária ou que poderia ser anulada? Isto vai de encontro com a essência do caráter fiel de Deus e Sua obra de eleição soberana.

Mais uma vez, podemos apelar aos escritos de João Calvino. Em seu comentário de 1Coríntios, Calvino explica que “tudo o que Deus começa Ele leva ao bom termo... Deus é imutável em Seu propósito. Sendo assim, Ele não brinca conosco a nos chamar, sem que possa manter Sua obra até o fim”.[28] As observações de Calvino em Romanos 11.28,29 acrescentam à este ponto:

Deus não está alheio à aliança que fez com seus pais, pela qual testificou que, segundo o Seu propósito eterno, Ele amou aquela nação [de Israel]: e isto ele [Paulo] confirma por esta notável declaração, - de que a graça da vocação divina não pode ser anulada... [ou] o conselho de Deus, pelo qual Ele uma vez condescendeu para escolhê-los para si como nação peculiar, permanece firme e imutável. Se, portanto, é completamente impossível ao Senhor demover-se da aliança que fez com Abraão nas palavras “EU serei o Deus da... tua semente” (Gn 17.7), então Deus não retirou Sua misericórdia da nação judaica.[29]

Assim, até mesmo Calvino reconheceu que a eleição de Deus à nação de Israel jamais poderia ser desfeita nem mesmo por causa de sua descrença.[30]

Aqui, portanto, permanece o dilema. Se não há futuro para Israel como nação (como afirma a teologia da substituição), então a eleição de Deus sobre a nação de Israel foi anulada. Mas, como Calvino articulou, isto seria impossível, uma vez que os “dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29). A natureza imutável da eleição divina garante que Deus não abandonará o Seu povo escolhido. Nas palavras de um renomado teólogo protestante:

É inaceitável [isto é, a possibilidade] de Deus ter rejeitado finalmente o povo de Sua escolha – Ele, então, teria que rejeitar a Sua própria eleição (Rm 11.29) – e então, ter supostamente escolhido outro povo em seu lugar, a Igreja. Ao contrário, elas não foram [de forma alguma] transferidas para a Igreja. Nem a Igreja jamais empurrou Israel para fora de seu lugar na história divina.[31]

Não apenas há um remanescente de judeus crentes no presente (como Calvino reconheceu), como a natureza irrevogável da eleição mantém que as promessas de Deus feitas à Israel no passado ainda irão se cumprir no futuro. Como já temos visto, estas promessas devem ser interpretadas literalmente. Assim, o caráter fiel de Deus demanda que Ele ainda fará exatamente o que prometeu fazer aos santos do Antigo Testamento.


A IGREJA É O ISRAEL ATUAL?

Quando aplicadas consistentemente, tanto a hermenêutica reformada como a doutrina da eleição nos levam a conclusões Premilenistas Futuristas. Mas isto nos leva ao importante questionamento que tem sido a causa de muita confusão nos círculos reformados. A Bíblia ensina que a Igreja é o atual Israel, de modo que as bênçãos prometidas aos santos do Antigo Testamento foram transferidas para a Igreja do Novo Testamento? Ou Israel seria distinto da Igreja de modo que devesse esperar que as promessas feitas a Israel no passado serão cumpridas para o Israel no futuro?

Somente duas passagens no Novo Testamento são largamente debatidas a respeito do termo “Israel” – Romanos 9.6 e Gálatas 6.16.[33] (Significativamente, nas outras 75 ocorrências, os intérpretes concordam que o termo se refere à nação de Israel). Em Romanos 9.6, Paulo nota que “nem todos os de Israel são de fato israelitas”. Embora alguém interprete isso como referência à Igreja como um todo, o contexto esclarece que o apóstolo está falando somente de judeus crentes (como um grupo distinto de israelitas étnicos dentro do grupo maior da nação incrédula). Os versos anteriores certificam que Paulo tem em mente descendentes físicos de Abraão quando escreve o verso 6. Por exemplo, o apóstolo declara diretamente que está falando de seus “compatriotas segundo a carne” no verso 3. E nada no contexto sugere que ele tenha mudado a retórica e passado a falar de gentios cristãos. Antes, “o ensino principal de toda a seção é mostrar que, enquanto as promessas de Deus a Israel parecem ter falhado quando se olha a totalidade da nação de Israel, que é predominantemente incrédula, há, contudo, um remanescente [de judeus crentes] dentro de Israel”.[34]

Em Gálatas 6.16, tanto a gramática como o contexto indicam que o “Israel de Deus” se refere à judeus eleitos e não à toda a Igreja.[35] Neste versículo, Paulo diz aos seus leitores: “E a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus”. Dois grupos de pessoas, portanto, são imediatamente evidentes na gramática do versículo – os “que seguem esta regra” sendo distintos do “Israel de Deus”.[36] Ao primeiro grupo, todos os cristãos que seguem a instrução dada por meio da epístola, Paulo estende a paz de Deus. Mas ele reserva uma bênção especial e especificamente aos crentes judeus – sabendo que a misericórdia divina será mostrada aos que são eleitos de Deus. “Israel de Deus”, portanto, se refere aos judeus étnicos circuncidados em seus corações e não apenas fisicamente (cf. Rm 2.21-29). Eles são os verdadeiros israelitas, o mesmo grupo que Paulo distingue em Romanos 9.6. Como em todos os outros exemplos onde ele usa o termo “Israel”, Paulo entende que “Israel” neste versículo se refere aos judeus nacionais. Contextualmente, ele nos dá uma importante nota de conclusão de Gálatas, uma carta na qual Paulo consistentemente refuta os judaizantes. Embora o sistema mosaico não esteja mais vigorando sobre os crentes (que é o foco de Paulo em toda a carta), o apóstolo conclui notando que Deus, de maneira nenhum, abandonou o Seu povo [Israel] escolhido (cf. Rm 1.26).[37]

Naturalmente, se Deus rejeitou a nação de Israel, deveríamos esperar que o povo judeu tivesse deixado de existir. Assim como os heteus, amorreus, moabitas e todo o resto, os judeus teriam desaparecido na história e a nação de Israel jamais teria sido restabelecida. Entretanto, não foi isto que aconteceu. Os judeus têm sobrevivido miraculosamente e Israel é, agora, mais uma vez, uma nação. Alguns amilenistas negam que isto tenha qualquer significância escatológica; entretanto, outros têm parado para pensar, como por exemplo o escritor Kim Riddlebarger admite:

Não podemos repetir os mesmos erros das gerações anteriores de amilenistas (tais como Bavinck e Berkhof) ao afirmarem que um dos sinais seguros de que o Dispensacionalismo seja falso seria a predição dispensacionalista de que Israel se tornaria uma nação. Como bem sabemos, Israel tornou-se uma nação soberana em 1948 a despeito das visões contrárias de Berkhof e Bavinck.[38]

R. C. Sproul têm reconhecido o interesse no restabelecimento da nação:

Lembro-me de estar sentado em minha casa em Boston, em 1967, e vendo, pela televisão, soldados judeus entrando em Jerusalém, largando suas armas e correndo para o Muro das Lamentações e chorando profundamente. Imediatamente telefonei para um de meus caros amigos, professor de Teologia do Antigo Testamento, que não crê que o Israel moderno tenha qualquer significância. Eu o perguntei: “O que você acha agora? Desde o ano de 70 d.C até 1967, quase 900 até aqui, Jerusalém tem estado sob o domínio e controle dos gentios, e agora os judeus reconquistaram a cidade de Jerusalém. Jesus disse que Jerusalém seria pisada sob os pés dos gentios até que a medida destes fosse completada. Qual é o significado disto?”. Ao que ele respondeu: “Bem, preciso repensar esta situação”. Isto foi realmente estarrecedor.[39]

Mas, o que parece estarrecedor e confuso para amilenistas e posmilenistas está perfeitamente de acordo com o entendimento Premilenista do futuro. A sobrevivência dos judeus é exatamente o que deveríamos esperar ao aplicarmos consistentemente a hermenêutica literal à profecia bíblica e se entendermos a eleição soberana de Deus sobre a nação de Israel como incondicional e distinta da Igreja.

Nos últimos anos, o Espírito de Deus tem agido na Igreja americana para reavivar a paixão entre o Seu povo pelas Doutrinas da Graça. Agora que o glorioso e elevado nível da eleição soberana na salvação tem sido redescoberto, é exatamente a hora de restabelecer o nível igualmente elevado da graça soberana para uma futura geração de israelitas étnicos na salvação e no restabelecimento do reino messiânico terreno, juntamente com o cumprimento total de todas as promessas feitas à Israel.

Este capítulo, então, é uma chamada aos pensadores reformados no sentido de que reconsiderem sua Escatologia à luz de seu compromisso com a hermenêutica literal e com a Doutrina da Eleição Soberana. O Premilenismo Futurista é a única conclusão a que se pode chegar partindo de uma hermenêutica histórico-gramatical literal aplicada consistentemente. Ademais, os calvinistas devem ser os primeiros a afirmarem que a eleição soberana de Deus não pode ser anulada, pois seus propósitos jamais serão frustrados. Assim, as promessas feitas ao Israel eleito serão cumpridas a Israel da mesma forma que as promessas feitas à Igreja eleita serão cumpridas a nós.


NOTA PESSOAL SOBRE O PREMILENISMO FUTURISTA

É apropriado concluir este capítulo com uma nota pessoal. Quanto mais entendo a graça soberana e eletiva de Deus, mais claro se torna para mim o estudo da Escatologia. Quanto mais estudo as Escrituras, mais me convenço da posição Premilenista Futurista.

Nos últimos quarenta anos tenho tido o privilégio maravilhoso de estudar e pregar em cada versículo, cada frase, cada palavra do Novo Testamento. Em toda a minha pregação tenho aplicado uma hermenêutica histórico-gramatical literal – tomando a Palavra de Deus em seu valor nominal. Como resultado, o entendimento Premilenista Futurista da Escatologia tem passado pelo crivo de cada verso do Novo Testamento. Mas, em vez de ser persuadido contra o Premilenismo Futurista, minha convicção quanto à sua veracidade tem se fortalecido cada vez mais.

No Antigo Testamento tenho tido a oportunidade de pregar de Gênesis ao livro de Salmos e pregar em muitas porções dos profetas. Trabalhando como editor de uma Bíblia de estudo, também fui forçado a filtrar minha Escatologia em cada texto individual da Palavra de Deus. Mais uma vez, ao aplicar a hermenêutica literal em cada passagem, os resultados são os mesmos.

Assim, sou um Premilenista Futurista pela mesma razão que abraço as doutrinas da graça (Calvinismo). A Palavra de Deus claramente ensina a eleição soberana da Igreja. Igualmente claro na Bíblia é a divina e soberana eleição da nação de Israel. Debaixo de uma hermenêutica literal e plenamente convencido de que a eleição de Deus não pode ser anulada (pois seus propósitos não falham), abraço uma Escatologia Premilenista Futurista (Dispensacionalista) com a mesma confiança com que abraço a Soteriologia Reformada. Somos limitados a crer somente no que a Escritura revela, e, neste caso, uma leitura correta da Palavra de Deus não me deixa outra opção.

– John MacArthur / Os Planos Proféticos de Cristo: Um guia básico sobre o Premilenismo Futurista – Cap. 7, Pág. 137-150.
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