Autor: Martyn Lloyd-Jones
A apresentação do evangelho é assunto sempre importante, pelas consequências
eternas que dependem da nossa atitude para com o evangelho. Para mim não há
necessidade de argumentar que é especialmente importante nos dias atuais por
duas razões: a apostasia geral, o fracasso da parte das igrejas em não
apresentarem o evangelho de Jesus do modo como deveria ser apresentado; e a
consequente impiedade e o consumado materialismo que crescentemente,
caracterizam a vida do povo. Também é um assunto de urgente importância, em face
da natureza dos tempos pelos quais estamos passando. A vida é sempre incerta,
mas é excepcionalmente incerta hoje. (...)
Que privilégio maravilhoso o Senhor Deus Todo-poderoso confiar a homens como
nós esta obra de propagar e pregar o evangelho! Ao mesmo tempo é uma
responsabilidade tremenda. (...)
Este assunto é tão amplo e importante que, obviamente, é impossível tratar
dele adequadamente numa só preleção. Tudo o que posso fazer é selecionar o que
considero como alguns dos mais importantes princípios relacionados com ele;
procurarei ser tão prático quanto poder. (...)
Agora se me fosse pedido falar sobre este assunto em certos círculos, meu
primeiro trabalho seria tentar definir a natureza do evangelho, e eu iria
adiante e perguntaria: o que é o evangelho? Em muitos círculos as pessoas se
extraviaram; caíram em heresias; pregam um evangelho que, para nós, não é
evangelho nenhum. Pode ser que alguns de vocês perguntem: "Será necessário
gastar tanto tempo no estudo da apresentação do evangelho? Não seria uma coisa
que podemos considerar ponto pacífico? Se o homem crê no evangelho, ele está
incumbido de apresentá-lo do jeito certo. Se um homem é ortodoxo e crê nas
coisas certas, a sua aplicação do que ele crê é algo que cuidará de si mesmo".
Isso, para mim é um erro muito grave; e quem quer que seja tentado a falar
assim, não somente ignora a sua própria fraqueza, porém, ainda mais, ignora o
adversário das nossa almas, que está sempre tentando frustrar a obra de
Deus.
(...) Tomo como prova dois exemplos: Há, por exemplo, homens que parecem
evangélicos em sua crença e doutrina; são perfeitamente ortodoxos em sua fé e,
todavia, a obra que realizam é completamente infrutífera. Jamais conseguem
quaisquer resultados; nunca ficam sabendo de algum convertido resultante do seu
trabalho e do seu ministério. Eles são tão firmes quanto você, entretanto o
ministério deles não leva a nada. Por outro lado - e esta é a minha Segunda
prova - há aqueles que parecem conseguir resultados fenomenais do seu trabalho e
dos seus esforços. Empreendem uma campanha, ou pregam um sermão e, como
resultado, há numerosas decisões por Cristo, ou o que eles chamam de
"conversões". Contudo, muitos desses resultados não duram; não são permanentes;
são apenas de natureza temporária ou passageira. Qual a explicação desses dois
casos? (...) Há uma lacuna entre o que o homem crê e o que ele apresenta em seu
ensino ou pregação. O perigo quanto ao primeiro tipo é o de apenas falar ACERCA
do evangelho, exulta nele; porém, em vez de pregar o evangelho, ele o elogia,
diz coisas maravilhosas sobre ele. O tempo todo fica simplesmente falando sobre
o evangelho, em vez de apresentar o evangelho. O resultado é que, embora o homem
seja altamente ortodoxo e firme, o seu ministério não mostra resultado
nenhum.
O perigo quanto ao segundo homem é o de interessar-se tanto e preocupar-se
tanto pela aplicação do evangelho e pela obtenção de resultados, que deixa
abrir-se uma brecha entre o que ele está apresentando (aquilo que ele crê) e a
concreta obtenção dos resultados propriamente dito. Como eu disse, não basta
você crer na verdade; você deve ter o cuidado de aplicar da maneira certa o que
você crê.
Há dois meios principais pelos quais podemos estudar este assunto da
apresentação do evangelho. O primeiro é estudar a Bíblia mesma, com especial
referência a Atos dos apóstolos e às Epístolas do Novo Testamento. Isso deve ser
posto em primeiro lugar, se queremos saber como se faz este trabalho. Devemos
retornar ao nosso livro-texto, a Bíblia. Devemos retornar ao modelo primitivo, à
norma, ao padrão. Em Atos, e nas Epístolas é-nos dito, uma vez por todas, o que
é a Igreja Cristã e como é, e como se deve realizar a sua obra. Devemos sempre
certificar-nos de que os nosso métodos estão em harmonia com o ensino do Novo
Testamento.
O segundo método é suplementar; é fazer um estudo da história da Igreja
Cristã subsequente aos tempos do Novo Testamento. Podemos concentrar-nos
especialmente na história dos avivamentos e dos grandes despertamentos
espirituais; e também podemos ler biografias dos homens que no passado foram
grandemente honrados por Deus em sua apresentação do evangelho. Mas devemos
notar aqui um princípio da maior importância. Quando digo que é bom fazer um
retrospecto e ler a história do passado e as biografias de grandes homens que
Deus usou no passado, espero que esteja claro em nossas mentes que precisamos
retornar para além dos últimos 100 anos. Vejo muitos bons evangélicos que
parecem ser de opinião que não houve nenhum real labor evangelístico até por
volta de 1870. Há os que parecem pensar que não se conheceu obra evangelística
antes do surgimento de Moody. Conquanto demos graças a Deus pela gloriosa obra
realizada nos últimos 100 anos, eu os conclamo a fazerem um estudo completo da
história pretérita da Igreja. Vão até o século dezoito. Vão até o tempo dos
puritanos, e para mais atrás ainda, à Reforma Protestante. Retrocedam mais
ainda, e estudem a história daqueles grupos de evangélicos que viveram no
continente europeu na época em que o catolicismo romano detinha o poder supremo.
Vão direto aos Pais Primitivos que defendiam idéias evangélicas. É uma história
que pode ser rastreada ininterruptamente até a própria Igreja Primitiva. Esse
estudo é de importância vital, para que não venhamos a supor, em função de uma
falsa visão da história, que a obra evangelística só pode ser feita de uma certa
maneira e com a aplicação e o uso de certos métodos.
Eu gostaria de recomendar a vocês um bem completo estudo daquele teólogo
americano, Jonathan Edwards. Foi uma grande revelação para mim, descobrir que um
homem que pregava como ele podia ser honrado por Deus como o foi, e Ter tão
grandes resultados para o seu ministério como teve. Ele era um grande erudito e
filósofo, que redigia cada palavra dos seus sermões. Tinha vista fraca, e
costumava ficar no púlpito com o seu manuscrito numa das mãos e uma vela na
outra e, conforme lia o seu sermão, homens não somente foram convertidos, mas
alguns deles literalmente caíam no chão sob a convicção de pecado sob o poder do
Espírito. Quando pensamos na obra evangelística em termos de evangelização
popular dos 100 anos recém-passados, acho que poderíamos ser tentados a dizer
que um homem que pregasse daquela maneira não teria a menor possibilidade de
obter conversões . todavia, ele foi um homem usado por Deus no Grande
Despertamento ocorrido no século 18. Assim, eu os concito a se entregarem
completamente ao estudo da história da Igreja e das coisas grandiosas que Deus
fez em várias eras e períodos. Aí estão, pois, as duas linhas mestras que
seguiremos na abordagem deste assunto - o estudo da Bíblia e um estudo da Igreja
Cristã.
Aí, penso eu, vocês têm cinco princípios fundamentais claramente ensinados na
Palavra de Deus e confirmados profusamente na subsequente história da Igreja
Cristã.
A Aplicação dos Princípios
Isto me leva à Segunda divisão principal do nosso assunto, que é a aplicação desses princípios à obra concreta da apresentação do evangelho. Este é um assunto que se divide naturalmente em duas partes principais. Há primeiro a obra de evangelização, e depois a obra de edificação e instrução na justiça.
A Evangelização e os Seus Perigos
Devemos apresentar a verdade; esta terá que ser uma exposição positiva do
ensino da Palavra de Deus. Primeiro e acima de tudo, devemos mostrar aos homens
a condição em que se acham por natureza, à vista de Deus. Devemos levá-los a ver
que, independentemente do que façamos e do que tenhamos feito, todos nós
nascemos com "filhos da ira"; nascemos num estado de condenação, culpados aos
olhos de Deus; fomos concebidos em pecado e fomos formados em iniquidade. Isso
vem em primeiro lugar.
Feito isso, devemos prosseguir e demonstrar a enormidade do pecado. Não
significa apenas que devemos mostrar a iniquidade de certos pecados. Não há nada
que seja tão vital como a distinção entre pecado e pecados. (...) Depois devemos
conclamar os nossos ouvintes a confessarem e a reconhecerem os seus pecados
diante de Deus e dos homens. E então devemos ir adiante e apresentar a gloriosa
e estupenda oferta de salvação gratuita , que se acha unicamente em Jesus
Cristo, e Este crucificado. A única decisão, que é do mais diminuto valor, é a
que se baseia na compreensão dessa verdade. Podemos fazer os homens se decidirem
como resultado dos nossos cânticos, como resultado do encanto da nossa
personalidade, mas o nosso dever não conseguir seguidores pessoais. O nosso
dever não é simplesmente aumentar o tamanho das nossas classes de estudo da
Bíblia ou das organizações e igrejas. O nosso dever é reconciliar almas com
Deus. Repito que não há nenhum valor numa decisão que não esteja baseada na
aceitação da verdade.
A Edificação
A minha Segunda subdivisão relacionada com a apresentação do evangelho é a
obra de edificação. Este é um grande tema, e tudo o que eu posso fazer é
simplesmente lançar certos princípios. Em nenhuma oura parte o perigo de um
falso método é mais real do que esta particular questão de edificação, como o
que me refiro ao ensino concernente à santificação e à santidade. Não se pode
ler o Novo Testamento sem perceber logo Que a Igreja Primitiva reagia contra
problemas, perigos e heresias incipientes que a assediavam. Havia os que diziam,
por exemplo: "Continuemos no pecado para que a graça seja mais abundante". Havia
os que diziam que, contanto que você fosse cristão, não importava o que você
tinha feito, que, contanto que você estivesse certo em suas crenças, o seu corpo
não importava e você podia pecar o quanto quisesse. Isto é conhecido como
antinomianismo. Havia os que se diziam sem pecados. Havia os que partiam em
busca de "conhecimento", que alegavam Ter alguma experiência esotérica especial
que os outros , cristãos inferiores, ignoravam. (...)
Se posso fazer um sumário de todos esses perigos, é o perigo de isolar um
texto ou uma idéia e construir um sistema em torno dele, em vez de comparar
Escritura com Escritura. Isso é procurar atalho no mundo espiritual. As pessoas
tentam chegar à santificação com um só movimento, e assim se privam do processo
descrito no Novo Testamento. A maneira de evitar esse perigo é estudar o Novo
Testamento, especialmente as Epístolas. Devemos ter o cuidado de não tomar um
incidente dos Evangelhos e tecer uma teoria em torno dele(...) Devemos
compreender que o nosso padrão nesta questão particular(santidade/santificação)
acha-se nas Epístolas.(...)
Conclusão
Permitam-me resumir tudo o que eu venho tentando dizer, da maneira seguinte:
se vocês quiserem ser competentes ministros do evangelho, se quiserem apresentar
a verdade de modo certo e verdadeiro, terão que ser estudantes assíduos da
Palavra de Deus, terão de lê-la sem cessar. Terão que ler todos os bons livros
que os ajudem a entendê-la e os melhores comentários da Bíblia que puderem
encontrar. Terão que ler o que denomino teologia bíblica, a explicação das
grandes doutrinas do Novo Testamento, para que venham a entendê-las cada vez
mais claramente e, daí, sejam capazes de apresentá-las com clareza cada vez
maior aos que venham ouvi-los. A obra do ministério não consiste meramente em
oferecer a nossa experiência pessoal, ou em falar das nossa vidas ou das vidas
de outros, mas sim, em apresentar a verdade de Deus de maneira tão simples e
clara quanto possível. E o jeito de fazer isso é estudar a Palavra e toda e
qualquer coisa que nos ajude nessa tarefa suprema.
Talvez vocês me perguntem: quem é suficiente para estas coisas? Temos outras
coisas que fazer; somos homens ocupados. Como poderemos fazer o que você nos
pede que façamos? Minha resposta é que nenhum de nós é suficiente para estas
coisas, todavia Deus pode capacitar-nos para fazê-las, se de fato estamos
desejosos de servi-lO. Não me impressionam muito esses grandes argumentos de que
vocês são homens ocupados, de que vocês têm que fazer muitas coisas no mundo e,
por isso, não têm tempo de ler estes livros sobre a Bíblia e de estudar
teologia, e por esta boa razão: alguns dos melhores teólogos que conheci, alguns
dos mais santos, alguns dos homens mais culto, tiveram que trabalhar mais duro
que qualquer de vocês e, ao mesmo tempo, foram-lhes negadas as vantagens que
vocês gozam. "Querer é poder". Se eu e vocês estivermos preocupados com as almas
perdidas, jamais deveremos alegar que não temos tempo para preparar-nos para
este grande ministério; temos que fabricar tempo. Temos que aparelhar-nos para a
tarefa, consciente da séria e Terrível responsabilidade da obra. Temos que
estudar, trabalhar, suar e orar para podermos conhecer a verdade cada vez mais e
cada vez mais perfeitamente. Temos que pôr em prática em nossas vidas as
palavras que se acham em 1 Tm.4:12-16. Conceda-nos Deus a graça e o poder para
fazê-lo, para a honra e a glória do Seu santo nome.
Nota sobre o Autor:
Martyn Lloyd-Jones tem sido descrito como "o melhor pregador comtemporâneo". Aos 23 anos de idade era Chefe Assistente Clínico de Sir Thomas Horder, o médico do rei da Inglaterra. Inesperadamente aos 27 anos, voltou ao País de Gales, sua terra natal, com o coração ardendo pela salvação dos seus compatriotas. Depois de 12 anos pastoreando aquele rebanho, o "Doutor", título pelo qual foi afetuosamente conhecido, voltou para Londres, onde ocupou por mais de 30 anos o púlpito da Capela de Westminster. Em 1981, o grande médico, pregador e líder cristão partiu para encontrar-se com Aquele que o chamara e capacitara, deixando-nos um legado que continua mantendo vivo sua obra a ministério. Ele foi um homem que, em termos da sua influência, viveu em vários mundos a um só tempo. De 1938 em diante, ele pastoreou uma igreja no centro de Londres. Simultaneamente, era comum fazer a obra de evangelista itinerante durante a semana, pregando em igreja a convites, ou às vezes participando de missões dirigidas aos estudantes. Centenas de pessoas que conheceram o Dr. Lloyd-Jones, podiam dizer com o Dr. James I. Packer: "Sei que, em grande parte, a minha visão atual é o que é porque ele foi o que foi e, sem dúvida, a sua influência foi mais profunda do que eu poderia delinear".Nota Final: Este texto foi
copiado de http://www.geocities.com/Athens/Delphi/7162, de Zoênio M. G. Filho, que o transcreveu parcialmente (com autorização) do livro "Discernindo os Tempos" Editado pela Editora PES (Publicações Evangélicas Selecionadas).Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.