Por
Dr. David Martyn Lloyd-Jones
Visando ao propósito de sermos satisfatoriamente práticos e
contemporâneos, nesta altura me convém levantar a questão se devemos envidar
qualquer esforço para condicionar a reunião e as pessoas, para que estas
recepcionem a nossa mensagem. É neste ponto que se encaixa a questão da música.
Afinal, o pregador é quem segura o leme do culto, e está dentro de sua alçada,
por conseguinte, controlar esse aspecto. Nos nossos dias, essa pode ser uma
questão extremamente penosa, e já conheci muitos ministros que se viram
envolvidos em grandes dificuldades por causa da questão de coros, de cântico de
hinos e talvez de quartetos. Sucede que há templos que contam com cantores
coristas ou solistas pagos, os quais talvez nem sejam membros da Igreja, e nem
mesmo se consideram crentes. Além disso, há o problema dos organistas. E,
passando a um tipo mais popular de música, em algumas congregações há
intermináveis cânticos de corinhos. E finalmente, em alguns países, existem
indivíduos cuja função especial consiste em conduzir os cânticos, esforçando-se
por fazer as pessoas entrarem na correta atitude e condição mental para
acolherem a mensagem que ouvirão.
Como poderíamos avaliar todas essas coisas? Qual deveria ser a
nossa atitude diante delas? Meu comentário inicial é que, uma vez mais, temos à
frente algo que cabe dentro da mesma categoria de algumas das coisas que já
estivemos considerando. Trata-se de algo que foi herdado da era vitoriana. Nada
se faz mais urgentemente necessário do que uma análise das inovações que
surgiram no campo da adoração religiosa durante o século XIX - o qual para mim,
quanto a esse particular, foi devastador. Quanto mais prontamente nos esquecermos
do século XIX e retrocedermos até ao século XVIII, e mesmo mais, até aos
séculos XVII e XVI, tanto melhor. O século XIX. Com sua mentalidade e
perspectiva, é o responsável pela grande maioria de nossas dificuldades e
problemas atuais. Foi naquele tempo que se verificaram alterações fatais em
tantos quadrantes, conforme podemos averiguar. E ocupando posição mui
proeminente, entre as modificações que tiveram lugar, citamos a música em seus
variegados estilos. Com frequência, e especialmente nas igrejas fora da
tradição episcopal, as congregações nem mesmo dispunham de órgão, antes daquela
época muitos dos líderes evangélicos eram contrários ao uso do órgão, e
procuravam justificar sua atitude com o respaldo das Escrituras; e assim muitos
deles eram contrários ao cântico de qualquer coisa exceto dos salmos. Não vou
avaliar as várias interpretações contrárias das Escrituras pertinentes ao
assunto, e nem debater quanto à antiguidade do cântico de hinos; o que desejo
frisar é que se por um lado o cântico de hinos tornou-se muito popular nos
últimos anos do século XVII, e, mais particularmente durante o século XVIII,
por outro lado, a nova ênfase emprestada à música, que ocorreu em cerca dos
meados do século passado, fazia parte daquela atitude de respeitabilidade, de
pseudo-intelectualismo, que já estive descrevendo.
Mais particularmente ainda, com frequência se verifica uma ameaça
bem real, uma espécie de "tirania do organista". Isso se dá porque o
organista encontra-se numa posição em que ele ou ela pode exercer considerável
controle. Munido de um instrumento poderoso, o organista pode controlar o ritmo
em que um hino é entoado, e o efeito varia de um a outro extremo, se ele o toca
em ritmo apressado ou em ritmo lento. No ministério muitos pregadores têm tido
problemas com organistas difíceis e especialmente com o tipo que está muito
mais interessado pela música do que pela Verdade. Por conseguinte, o pastor
deve usar de muito critério ao nomear um organista, assegurando-se de antemão
que se trate de um verdadeiro crente. E se você tiver um coral em sua Igreja,
então deverá insistir sobre esse mesmo ponto, no tocante a cada membro. O
primeiro desiderato não é que os coristas tenham boa voz, e, sim, que possuam
caráter cristão, amem a Verdade e se deleitem em cantá-la. É desse modo que
podemos evitar a tirania do organista, bem como sua irmã gêmea, a tirania do
coral. No País de Gales, minha terra de origem, havia uma expressão usada com
frequência. Aludia não tanto ao coral, mas ao cântico por parte da congregação.
Este era conhecido como "o demônio dos cânticos". O que isso queria
dizer é que essa prática causava mais querelas e cismas nas Igrejas do que
praticamente qualquer outra questão, e que os cânticos ofereciam ao diabo mais
frequentes oportunidades de entravar e produzir roturas na obra do que qualquer
das outras atividades na vida da Igreja. Porém, independente disso, a música,
em suas variadas formas, faz surgir no horizonte o problema todo do elemento de
entretenimento, o qual consegue insinuar-se e pode levar as pessoas a virem ás
reuniões para ouvir música, e não com o propósito de adorar.
Meu argumento é que podemos estipular como regra bastante geral
que quanto maior for a atenção que se tenha dado a esse aspecto da adoração - a
saber, o tipo de edifício, o cerimonial, os cânticos, menor será a
espiritualidade provável; e disso só se pode esperar menor calor, entendimento
e interesses espirituais. Todavia, eu não estacaria aqui, mas faria uma
pergunta, pois sinto que é tempo de começarmos a fazer essa indagação. Conforme
eu já dissera noutra conexão, precisamos interromper determinados maus hábitos
que têm penetrado na vida das nossas Igrejas, transformando-se numa tirania. Já
me havia referido á forma fixa e preestabelecida, bem como ás pessoas que se dispõem
a brincar com a Verdade e tentam modificá-la, mas que resistem a qualquer
tentativa de alteração na ordem do culto e nessa rígida forma preestabelecida.
Portanto, sugiro que é chegado o tempo de fazermos as seguintes perguntas: Por
que se faz necessária toda essa ênfase sobre a música? Por que isso tem
qualquer importância, afinal? Enfrentemos essa questão; e por certo, quando
fazemos assim, chegamos forçosamente a conclusão de que aquilo que deveríamos
buscar e ter como alvo é uma congregação de pessoas que entoam juntas louvores
a Deus; e que a verdadeira função de um órgão é acompanhá-las. Compete-lhe
servir de acompanhamento; e não de ditador. Nunca deveríamos permitir-lhe
ocupar tal posição. Sempre deve ser subserviente. Eu diria mesmo que o pregador,
de modo geral, deveria escolher tanto as melodias quanto os hinos, porquanto às
vezes verifica-se contradição entre as duas coisas. Algumas melodias
virtualmente contradizem a mensagem do hino, embora a métrica seja correta. Por
conseguinte, o pregador tem o direito de dirigir essas questões; e não podemos
desistir desse direito.
Talvez você não esteja disposto a concordar comigo quando sugiro
que deveríamos abolir de uma vez por todas os corais; mas por certo todos devem
concordar que o ideal seria que todas as pessoas elevassem suas vozes em
louvor, adoração e veneração, regozijando-se enquanto assim o fazem. Confio em
que você também concordará que as tentativas deliberadas para
"condicionar" as pessoas são decididamente prejudiciais. Espero poder
tratar disso na próxima seção, razão por que, por enquanto, contento-me em
dizer que essa tentativa de "condicionar" as pessoas, suavizando-as;
por assim dizer, realmente milita contra a verdadeira pregação do Evangelho.
Não se trata de mera imaginação ou teoria. Lembro-me de ter estado em mui
famosa conferência religiosa onde a rotina invariável, em cada reunião, e
também no caso de cada orador, era a seguinte. Pedia-se de cada orador que
estivesse presente na plataforma a certa hora. Então seguiam-se literalmente
quarenta minutos de cânticos, dirigidos por um artista, tudo salpicado com
observações supostamente humorísticas, pelo citado cavalheiro. Não havia
qualquer leitura das Escrituras, havia uma oração extremamente breve; e então
ordenavam ao orador que falasse.
Esse é um exemplo do que quero dizer por elemento de
entretenimento. Recordo-me que havia um solo de órgão, um solo de xilofone, e
em seguida um grupo vocal - lembro-me até do nome deles - Os Cantores do
Jubileu Eureca, os quais ficavam mais ou menos simulando aquilo sobre o que
cantavam. Tudo isso se prolongava por quarenta minutos. Confesso que senti
imensa dificuldade para pregar depois disso. Também me senti compelido a
modificar a minha mensagem, a fim de enfrentar aquela situação com que me
defrontava. Eu sentia que o "programa", a forma fixa, dominava a
situação, e que cada indivíduo ali tornava-se parte integrante do
entretenimento. Por essa razão é que temos de ser tão cuidadosos. Portanto, eu
diria como uma regra geral: Conserve a música em seu devido lugar. Ela é uma
criada, uma serva, e não lhe devemos permitir que domine ou controle as coisas,
em nenhum sentido.
Menciono uma outra questão que pode parecer trivial - a despeito
do que algumas pessoas lhe têm dado imensa atenção. É a questão se deveríamos
manipular as luzes do edifício em que estamos pregando, a fim de tomar mais
eficaz a pregação. Alguns lugares contam com lâmpadas de diferentes cores
instaladas em lugares estratégicos e, conforme o sermão vai prosseguindo, as
luzes vão sendo gradualmente apagadas, até que, no fim, em certo caso
particular, sobre o qual estou pensando, não há mais qualquer lâmpada acesa,
exceto uma cruz vermelha iluminada, suspensa por cima da cabeça do pregador.
Tudo é apenas condicionamento psicológico; mas tais práticas estão sendo
justificadas em termos de que elas facilitam a aceitação da Verdade por parte
das pessoas. Todavia, poderíamos deixar a questão nessa altura, dizendo
simplesmente que a questão que realmente se levanta aqui é o ponto de vista de
alguém acerca da obra e do poder do Espírito Santo. Quão difícil é fazer tudo
isso adaptar-se á Igreja do Novo Testamento e à sua adoração de natureza
espiritual.
Porém, isso conduz, mui naturalmente, a uma outra questão
importantíssima, a qual envolve a pergunta se, no término dum sermão preparado
segundo os moldes que estamos considerando, o pregador deveria fazer apelos
para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Várias expressões têm sido
utilizadas, como "vir á frente", "vir ao altar",
"ritual do arrependido", "assento dos ansiosos", etc., para
descrever esse modo de proceder.
Esse é um assunto que nestes últimos anos tem ganhado considerável
proeminência, razão pela qual precisamos tratar do mesmo. Seja como for,
trata-se de um problema que todo pregador precisa arrostar. Eu mesmo por muitas
vezes já tive de enfrentá-lo. Algumas pessoas, em diversas ocasiões, ao
encerrar-se alguma reunião, têm-se aproximado de mim a fim de me chamarem a
atenção, passando-me ás vezes uma verdadeira reprimenda, porque eu não fizera
um apelo imediato para que as pessoas se decidissem. Algumas dessas pessoas
chegam mesmo ao extremo de afirmar que com isso eu cometo um pecado, que fora
criada uma oportunidade excelente pela minha própria pregação, mas eu não me
aproveitara da mesma. E então costumam dizer: "Tenho certeza de que se o
senhor ao menos tivesse feito um apelo, teria conseguido um grande número de
decisões" - ou algo similar a esse argumento.
Em adição a isso, certo número de ministros me tem dito, nos últimos
dez anos mais ou menos, que no fim do culto certas pessoas vêm dizer-lhes que
eles não pregaram o Evangelho, simplesmente por não terem feito um apelo. Isso
lhes havia acontecido tanto em cultos matinais como em cultos noturnos. E já
havia sucedido não somente durante cultos de evangelização, mas igualmente em
outras reuniões, cujo intuito não é primariamente evangelístico. Não obstante,
por não ter havido qualquer "apelo", haviam sido acusados de não
terem pregado o Evangelho. De certa feita conheci três homens, três pastores,
que virtualmente já tinham sido contratados para pastorear em determinadas
Igrejas, e que estavam a ponto de serem aceitos quando alguém, de repente, lhes
fizera a pergunta: Eles costumavam fazer um "apelo" no fim de cada
sermão? E posto que aqueles três homens em particular haviam respondido na
negativa, não foram aceitos, afinal, ficando cancelada a decisão daquelas
Igrejas. Isso se tem tomado problema dos mais incisivos, como resultado de
determinadas coisas que vêm acontecendo desde os fins da Segunda Guerra
Mundial.
Novamente, é importante que tenhamos os pensamentos claros acerca
da história dessa questão. A abordagem histórica será sempre proveitosa. Há
muitos que não parecem ter consciência do fato que tudo isso, à semelhança de
muitas outras coisas que penetraram na vida da Igreja, só o fizeram durante os
últimos cem anos. Esse costume foi introduzido bastante cedo no século passado,
mais cedo que outras coisas que tenho mencionado. Realmente foi introduzido por
Charles G. Finney na década de 1820. Foi ele quem deu início ao chamado
"assento dos ansiosos", aquela "nova medida" através da
qual se apelava ás pessoas que se decidissem no mesmo instante. Tudo fazia
parte essencial de seu método, abordagem e maneira de pensar; e naqueles dias a
questão provocou muitas controvérsias. Trata-se de controvérsia das mais
importantes, além de ser interessante e fascinante em extremo, recomendo que os
pregadores façam disso matéria de leitura. Os dois maiores protagonistas desse
debate foram W. H. Nettleton e Finney. Nettleton foi um pregador muitíssimo
usado em reuniões de pregação. Viajava muito e era constantemente convidado a
pregar nos templos de outros ministros. Jamais efetuara um "apelo"
para que as pessoas se decidissem imediatamente, mas era grandemente usado, e
numerosas pessoas se convertiam sob seu ministério agregando-se ás Igrejas
locais. Seguia a doutrina calvinista, e punha em prática as suas crenças nesse
particular. Mas então surgiu Finney em cena, com o seu apelo direto à vontade
para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Isso provocou grande controvérsia
entre os dois pontos de vista, e muitos ministros se viram envoltos em imensas
dificuldades, entre os dois conceitos. Há uma fascinante narrativa sobre o
episódio na autobiografia do Dr. Lyman Beecher, pai do Dr. Henrv Ward Beecher.
Ele fora grande amigo de Nettleton, e, a princípio, pôs-se ao lado deste.
Eventualmente, entretanto, bandeou-se para a causa de Finney. O Dr. Charles
Hodge e outros dentre as grandes figuras de Princeton estiveram ativamente
engajados nessa discussão, como também J. W. Nevin, fundador da Teologia
Mercersberg.
Essa é a história da origem dessa prática, e importa que nos
tomemos informados da mesma. Não foi por acidente que tenha sido introduzida
por Finney, porquanto, em última análise, é uma questão teológica. Ao mesmo
tempo, sem embargo, não é somente uma questão teológica; e nunca nos deveríamos
esquecer que um arminiano como João Wesley, além de outros, jamais empregou
esse método.
É possível que a melhor maneira pela qual eu possa estimular
outros a pensar, conferindo-lhes alguma ajuda quanto a isso, é declarar
francamente que não tenho seguido essa prática em meu ministério. E permita-me
dar-lhe alguns dos motivos que me têm influenciado quanto a essa matéria. Não
procurarei declará-los em qualquer ordem sistemática e precisa, mas dou aqui
uma ordem geral. O primeiro motivo é que, sem dúvida, é um erro exercer pressão
direta sobre a vontade. Desejo esclarecer o que digo. O homem constitui-se de
mente, afetos e vontade: e meu argumento é que ninguém deve fazer pressão
direta sobre a vontade. Sempre deveríamos avizinhar-nos da vontade por
intermédio da mente, do intelecto, e então, através das afeições. A ação da
vontade deveria ser determinada por essas influências A minha base bíblica para
assim asseverar é a epístola de Paulo aos Romanos 6:11, onde o apóstolo
declara: "Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo
viestes a obedecer de coração á forma de doutrina a que fostes entregues".
Observemos a ordem dessas sentenças. Eles haviam
"obedecido", é verdade; mas, de que maneira? "... de coração
..." Porém, o que foi que os levara a fazer isso, o que movera os seus
corações? Foi essa "forma de doutrina", que lhes fora anunciada. Ora,
o que lhes fora anunciado ou pregado fora a Verdade, e Verdade dirigida
primariamente á mente. Na medida em que a mente apreende ou compreende a
Verdade, os afetos são acesos e movidos; e, dessa maneira, a vontade é
persuadida, daí resultando a obediência. Noutras palavras, a obediência não
resulta de alguma pressão direta sobre a vontade, mas é consequência de uma
mente iluminada e de um coração enternecido. Para mim, esse é um ponto crucial.
Deixe-me desdobrar mais ainda a importância dessa ideia. Em
preleção anterior, aventurei-me a sugerir que o próprio grande Whitefield,
ocasionalmente, caia no erro de desfechar um ataque direto sobre as emoções ou
a imaginação; mas lamentamos qualquer tentativa para fazer-se isso
deliberadamente. Encontramos aqui um outro aspecto exato desse mesmo princípio.
Da mesma maneira que é errado lançar um ataque contra as emoções, é também
errado desfechar um ataque contra a vontade.
Na pregação, cabe-nos expor a Verdade; e, como é óbvio, isso ocupa
lugar proeminente e primacial para a mente. No momento em que nos desviamos
dessa ordem de coisas, dessa norma, e nos aproximamos diretamente de qualquer
dos outros elementos, estamos convidando dificuldades; e o mais provável é que
as arranjaremos.
Em segundo lugar, argumento que pressão demasiada sobre a vontade
inevitavelmente há algum deste elemento em toda a pregação, mas refiro-me aqui
à pressão em excesso - ou pressão por demais direta, é algo perigoso,
porquanto, no fim, poderá produzir uma condição na qual aquilo que determinou a
reação favorável de um indivíduo que "veio à frente", não foi tanto a
própria Verdade, mas, talvez, a personalidade do evangelista, ou então algum
vago temor geral, ou alguma outra forma de influência psicológica qualquer. Isso
faz-nos relembrar, uma vez mais, o papel da música nos cultos de pregação.
Podemos ficar embriagados de música - não há como duvidar sobre isso. A música
pode ter o efeito de criar um estado emocional tal que a mente não mais
funciona como deveria, não mais fazendo discriminações. Já vi pessoas cantarem
até atingirem um estado de embriaguez no qual não mais tinham consciência do
que estavam fazendo. O ponto importante é que deveríamos dar-nos conta de que
os efeitos produzidos dessa maneira não são produzidos pela Verdade, e, sim,
por um outro dentre esses diversos fatores.
Há alguns poucos anos passados, sucedeu deparar-me com uma
extraordinária ilustração exatamente desse particular. Meramente repetirei algo
que foi divulgado pela imprensa, razão pela qual não estarei revelando segredo
algum, e nem traindo qualquer confiança. Certa vez pediram a um evangelista da
Inglaterra que dirigisse um programa de cântico de hinos no domingo à noite
pelo rádio. Tal programa era levado ao ar, regularmente, por meia hora, todos
os domingos. Diferentes Igrejas eram solicitadas a cuidar desse programa, de
semana em semana. Ora, naquela ocasião particular, esse bem conhecido
evangelista estava realizando esse programa no Albert Haíl, de Londres. Tudo
fora planejado conforme era costumeiro, com meses de antecedência. Cerca de uma
semana, mais ou menos, antes do programa ser levado a efeito, chegou em Londres
um outro evangelista; e, ao ouvir falar do fato o evangelista britânico
convidou este Outro para pregar antes da meia hora de hinos ser levada ao ar.
Assim fez o evangelista. E este foi avisado que teria de parar sua pregação a
certa hora, porquanto naquele momento estariam "no ar" para a
radiodifusão dos hinos cantados. Portanto, o evangelista pregou e terminou sua
pregação exatamente na hora marcada; e de imediato os hinos foram postos
"no ar" por meia hora. Quando tudo terminara, e não estavam mais no
ar", o evangelista visitante fez seu usual "apelo", convidando
as pessoas para que se adiantassem à frente. No dia seguinte esse evangelista
foi entrevistado por repórteres. E, entre outras perguntas, foi-lhe indagado se
estava satisfeito com o resultado de seu apelo. Imediatamente ele retrucou que
não estava, que estava desapontado, e que o número de pessoas que atendera ao
convite fora muito menor do que estava acostumado a obter em Londres, bem como
em outras localidades. Então foi-lhe feita a próxima pergunta óbvia, por um dos
jornalistas: "E ao que se pode atribuir o fato de que a reação foi
comparativamente pequena nesta ocasião?' Sem a menor hesitação, o evangelista
respondeu que isto era bastante simples, pois infelizmente houvera uma
interrupção de meia hora, para o cântico de hinos, entre o fim do seu sermão e
a realização do apelo. Isso, declarou ele, era a explicação. Se ao menos lhe
houvesse sido permitido que fizesse seu apelo imediatamente no fim de seu
sermão, então o resultado teria sido muitíssimo maior.
Não é, realmente, um episódio iluminador e instrutivo? Não
comprova ele que algumas vezes, afinal, o que produz os resultados, como ficou
claro, não é a Verdade, e nem a atuação do Espírito? Pois eis que aquele
pregador, pessoalmente, admitia que os "resultados" não podiam
resistir ao teste de meia hora de cântico de hinos, admitia que meia hora de
cântico de hinos pode anular os efeitos de um sermão, sem importar quais tenham
sido esses efeitos, pelo que os resultados obtidos haviam sido desapontadores.
Esse episódio serve de ótima ilustração do fato que a pressão direta sobre a
vontade pode produzir "resultados", embora isso não tenha nenhum
relacionamento com a Verdade.
O meu terceiro argumento é que a pregação da Palavra e os apelos
para que as pessoas se decidam são coisas que não deveriam ser separadas em
nossa mente. Isso requer mais algum esclarecimento. Foi um grande princípio,
enfatizado dentro do ensino reformado, que teve início no século XVI, que as
ordenanças jamais deveriam ser separadas da pregação da Palavra. Os católicos
romanos foram os culpados de tal separação, com o resultado que as ordenanças foram
divorciadas da Palavra e se tornaram entidades autônomas. De acordo com tal
doutrina, o efeito e os resultados nas pessoas seriam produzidos, não por
intermédio da pregação da Verdade, e, sim, através da ação das ordenanças, que
agiriam ex opere operato. O ensinamento protestante, entretanto, condenou tal
doutrina, ressaltando que as ordenanças sob hipótese alguma deveriam ser
separadas da pregação, por ser essa a única maneira de evitar noções
semi-mágicas e experiências espúrias.
Meu argumento é que o mesmo princípio se aplica a essa questão de
convites para que as pessoas se decidam, e também que a tendência crescente vem
sendo de pôr-se cada vez mais ênfase sobre o "apelo" e sobre as
decisões, considerando isso como algo que subsiste por si mesmo. Lembro-me de
ter estado em uma reunião evangelística na qual eu, além de outros, sentimos
que o Evangelho não fora pregado, verdadeiramente. O Evangelho fora mencionado,
mas certamente não fora comunicado, não fora pregado; para minha admiração,
entretanto, grande número de pessoas se dirigiu à frente em resposta ao apelo
feito no fim. E a pergunta que imediatamente se levantou foi: o que poderia
explicar uma coisa assim? No dia seguinte eu discutia sobre essa questão com um
amigo meu. Disse ele: "Nada há de difícil a respeito desse fenômeno: esses
resultados nada têm a ver com a pregação". Então insisti: "Bem, nesse
caso, o que é que acontece?" Replicou ele: "É Deus quem está
respondendo às orações de milhares de pessoas que oram, pedindo tais
resultados, ao redor do mundo; não é a pregação". Minha contenção é que
não deveria haver tal disjunção entre o "apelo" e a pregação, da
mesma maneira que não deve haver separação entre as ordenanças e a pregação.
Meu quarto ponto é que esse método certamente envolve, implicitamente,
a ideia de que os pecadores possuem um poder inerente de decisão e de auto
conversão. Entretanto, isso não pode ser conciliado com o ensinamento
escriturístico, segundo se vê em 1 Coríntios 2:14: "Ora, o homem natural
não aceita as cousas do Espirito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode
entendê-las porque elas se discernem espiritualmente". Ou como Efésios
2:1, que assevera: "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos
delitos e pecados". E ainda existem muitos trechos semelhantes.
Como meu quinto ponto, sugiro que nisso fica implícito que o
evangelista, de alguma maneira, se encontra em posição de manipular o Espírito
Santo e as Suas operações. O evangelista precisa meramente aparecer e fazer o
seu apelo, e inevitavelmente seguir-se-ão resultados. Se houvesse algum
fracasso ocasional, ou uma ou outra reunião com pouca ou nenhuma reação
positiva, então não existiria tal problema; mas tão frequentemente, hoje em
dia, os organizadores são capazes de predizer o número dos "resultados".
A maioria concordaria com o meu sexto ponto, o qual assegura que
esse método tende por produzir uma superficial convicção de pecado, se é que a
produz. As pessoas com frequência reagem positivamente por terem a impressão de
que, fazendo assim, receberão certos benefícios. Lembro-me de ter ouvido falar
a respeito de um homem importante que era considerado como um dos convertidos
de determinada campanha. Entrevistaram-no e perguntaram por que viera à frente
na campanha evangelística do ano anterior. Sua resposta foi que o evangelista
dissera: "Se alguém não quiser 'perder o barco', é melhor que venha à
frente". E, como ele não queria "perder o barco", viera à
frente; e tudo quanto o entrevistador pôde arrancar dele é que agora ele estava
"no barco". Não tinha certeza sobre o significado dessas palavras,
nem do que se tratava realmente, e nem parecia ter-lhe acontecido qualquer
transformação real durante o ano que se passara desde então. Mas lá estava ele.
Um ato de decisão pode ser tão superficial assim.
Ou consideremos uma outra ilustração, extraída dentre as minhas
próprias experiências. Na Igreja que pastoreei, no sul do País de Gales, eu
costumava ficar na porta principal do templo ao encerramento do culto de
domingo à noite para cumprimentar as pessoas com um aperto de mão. O incidente
a que me reporto envolve um homem que costumava vir às nossas reuniões todos os
domingos à noite. Era um operário, e também era alcoólatra quase inveterado.
Embebedava-se regularmente todos os sábados à noite, mas também vinha
regularmente ocupar um assento na galeria de nosso templo, todos os domingos á
noite. Naquela noite específica a que me refiro, aconteceu-me observar que,
enquanto eu pregava, aquele homem estava sendo obviamente tocado pela Palavra.
Eu podia ver que ele chorava copiosamente, e desejei muito saber o que estava
acontecendo com ele. Terminada a reunião, fui postar-me á porta. Passados uns
momentos, vi que aquele homem se aproximava, e imediatamente me vi a braços com
um tremendo conflito mental Deveria eu em face do que tinha visto, dizer lhe
uma palavra e convidá-lo a tomar uma decisão naquela mesma noite, ou não
deveria? Estaria eu interferindo com a obra do Espírito se assim agisse?
Apressadamente resolvi que não pediria a ele que ficasse mais um pouco, mas
tão-somente me despedi dele como era de habito, e ele saiu Seu rosto revelava
que estivera chorando muito ele quase nem podia olhar- me no rosto. Na noite
seguinte, quando eu me encaminhava para uma reunião de oração que teria lugar
na igreja, ao atravessar uma passarela por cima de uma linha de trem, notei que
aquele homem vinha na minha direção para falar comigo. Ele atravessou a rua a
fim de vir dizer-me: "Sabe de uma coisa, doutor? Se o senhor me tivesse
convidado para demorar-me mais um pouco, na noite passada, eu lhe teria
atendido". "Pois, bem", retruquei, "agora eu estou lhe
fazendo um convite. Venha comigo". "Não, não", ele se apressou a
dizer, "mas se o senhor me tivesse convidado na noite passada, eu teria
atendido". Então eu lhe disse: "Meu caro amigo, se aquilo que lhe
aconteceu na noite passada não perdurou por vinte e quatro horas, então não me
interessa. Se você não está pronto a vir comigo agora, conforme estava na noite
passada, então você ainda não tem a coisa certa e verdadeira. Não importando o
que lhe tenha afetado na noite passada, era algo apenas temporário e
passageiro, e você ainda não conseguiu, de fato, perceber sua necessidade de
Cristo".
São coisas dessa ordem que podem suceder, mesmo quando não se faz
apelo nenhum. Porém, quando o costume é fazer apelos, então esse fenômeno é
grandemente exagerado, e obtemos muitas conversões espúrias. Conforme eu tenho
lembrado a você, o próprio João Wesley, o grande arminiano, não apelava ás
pessoas para que "viessem á frente". O que se pode encontrar com
grande frequência em seus diários, é algo parecido com o que aqui é transcrito:
"Preguei em tal lugar. Muitos pareceram estar profundamente tocados, mas
só Deus sabe quão profundamente". Sem dúvida, essas palavras são muito significativas
e importantes. Wesley era possuidor de entendimento espiritual, e sabia que
muitos fatores são capazes de afetar-nos. Mas, aquilo em que ele realmente se
interessava não era resultados imediatos e visíveis, e sim, a obra regeneradora
do Espírito Santo. O conhecimento do coração humano, da psicologia humana,
deveria ensinar-nos a evitar qualquer coisa que incremente a possibilidade de
alcançarmos resultados espúrios.
Um outro argumento - o sétimo - é que assim fazendo estaremos
encorajando as pessoas a pensar que seu ato de virá frente, de alguma maneira,
as salva. É como se fora um ato que precisa ser feito imediatamente, como se
fora uma ação capaz de salvar as pessoas. Foi isso que aconteceu no caso
daquele homem que sentia que agora estava "no barco", por ter vindo á
frente, embora não entendesse coisa alguma do que estava fazendo.
Porém, conforme já tenho sugerido, não será essa uma prática
baseada, em última análise, na desconfiança acerca do Espírito Santo, de Seu
poder e de Sua obra? Não deixa ela subentendido que o Espírito Santo precisa
ser ajudado, auxiliado e suplementado, a fim de que a obra seja apressada, não
podendo tudo ser deixado nas mãos do Espírito? Não posso ver como poderíamos
escapar dessa conclusão.
Ou então, colocando o problema sob outra luz - um nono ponto - não
se levanta toda essa questão da doutrina da regeneração? Para mim, essa é a
questão mais séria de todas. O que quero dar a entender é o seguinte (e o que
aqui digo cobre este ponto tanto quanto o anterior), que em face de ser essa
uma obra do Espírito Santo, e dEle somente, então ninguém mais pode
concretizá-la no Seu lugar. A obra verdadeira da convicção de pecado, da
regeneração, da dádiva do dom da fé e da nova vida cabe, unicamente, ao
Espírito Santo. E posto ser uma obra Sua, ela sempre será uma obra completa; e
sempre será uma obra que se fará visível. Sempre foi assim. Pode-se ver isso,
da maneira mais dramática, no dia de Pentecoste, em Jerusalém, conforme Atos 2.
Enquanto Pedro ainda proferia o seu sermão, os ouvintes começaram a clamar, sob
convicção de pecado: "Que faremos, irmãos?" Ora, Pedro estava
pregando sob o poder do Espírito Santo. Ele estava expondo e aplicando as
Escrituras. E não se utilizou de qualquer técnica, e nem deixou escoar-se
qualquer intervalo entre o sermão e o apelo. De fato, nem ao menos Pedro teve a
possibilidade de terminar o seu sermão. A poderosa obra de convicção
prosseguia, e fez-se visível da maneira como invariavelmente se faz.
Lembro-me de ter lido a narrativa de certo reavivamento que
ocorreu no Congo, em um livro intitulado Thgs is That (Isso é Aquilo),
particularizando um dos capítulos escrito por um homem a quem conheci
pessoalmente. Ele já vinha atuando como missionário evangélico, no coração da
África, por vinte anos, e a cada reunião, virtualmente, fizera apelos ao povo
para que viesse á frente e se decidisse pelo Evangelho, em resposta á sua
mensagem. Pouquíssimos haviam atendido, e ele estava de coração partido de
tristeza. Ele pressionava os ouvintes e lhes fazia rogos, e fazia tudo quanto é
habitual entre os evangelistas; e, no entanto, não obtinha resposta favorável.
Então, de certa feita, ele teve de afastar-se para uma parte distante do
distrito do qual estava encarregado. Enquanto estava ausente, irrompeu um
reavivamento na área central de seu distrito. A sua esposa lhe enviou uma
mensagem, relatando o que estava sucedendo. A princípio ele não gostou do que
acontecia. Não o alegrava ouvir falar acerca daquilo, porque tudo sucedera
enquanto ele não estava presente - todos nos inclinamos a sermos culpados de
tal orgulho. Não obstante, precipitou-se de volta, no intuito de controlar o
que sentia ser uma explosão de emocionalismo ou alguma espécie de "fogo
fátuo". Tendo regressado, reuniu o povo no templo, e começou a pregar. Para
seu completo espanto, e antes de estar a meio caminho de seu sermão, as pessoas
começaram a virá frente, sob profunda convicção de pecado. Aquilo que ele
tentara levá-los a fazer por vinte anos e não conseguira, agora faziam-no
espontaneamente. Por quê? Porque o Espírito Santo estava realizando a obra. Sua
atuação sempre se torna manifesta. Assim deve suceder, necessariamente, e assim
sempre sucederá. Certamente isso não requer demonstração e nem argumento em seu
favor. A obra de Deus sempre se patenteia, quer na natureza, na criação ou nas
almas dos homens.
Já passei por muitas experiências no que tange a esse aspecto da
questão. Mais adiante, direi alguma coisa sobre o romance da obra do pregador e
do ministro do Evangelho; e isso focaliza um dos aspectos da mesma. Lembro-me
de como, durante os negros dias da Segunda Guerra Mundial, quando tudo era
desencorajador em extremo - os bombardeios haviam dispersado a nossa
congregação, e assim por diante - eu estava passando por um período de grande
desencorajamento. De repente, recebi uma carta das Índias Orientais Holandesas,
que agora têm por nome Indonésia. Fora enviada por um soldado holandês que me
dizia que sua consciência o havia espicaçado de tal maneira que, finalmente,
resolvera escrever-me para narrar o que lhe havia sucedido dezoito meses antes.
Esclarecia-me que viera á Inglaterra, com o Exército Livre Holandês. E enquanto
estava aquartelado em Londres, viera aos nossos cultos por diversas vezes.
Naqueles dias, ficara convencido sobre o fato de que jamais fora um crente
verdadeiro, embora tivesse pensado que o era. Depois disso, passou por um negro
período de convicção de pecado e de desamparo espiritual; mas, eventualmente,
pudera ver com clareza a Verdade e desde então muito se regozijava. Nunca viera
contar-me o que se passara consigo, por diversas razões; mas agora me
participava de tudo em sua carta.
Minha reação a essas coisas é a seguinte. Que importa se eu vier a
saber ou não do resultado da pregação? Naturalmente, isso tem seu valor, do ângulo
que serve de encorajamento para o obreiro cristão. Mas não têm valor algum, do
ponto de vista da própria obra. A obra foi realizada, e ela se patenteou, e
continuava a manifestar-se na vida daquele soldado antes mesmo dele haver-me
escrito. E é isso que realmente importa.
Graças a Deus, tenho constatado a repetição dessa experiência
nestes últimos tempos. Tendo-me aposentado de um pastorado ativo, e podendo
viajar por muitos lugares, por restar-me mais tempo, tenho encontrado pessoas, em
vários lugares da Grã-Bretanha, que me vêm dizer que se converteram enquanto me
ouviam pregando. De nada eu soubera antes desses episódios, mas eles tinham
acontecido há muitos anos, no passado. Por exemplo, eu pregava no templo de
certo pregador, há exatamente dezoito meses passados. Enquanto me apresentava à
sua congregação, ele narrou em breves pinceladas a sua história espiritual, e,
para minha total surpresa, fiquei sabendo que eu havia desempenhado um papel
vital na mesma. Aquele homem fora um profissional muito bem qualificado, que
deixara a sua profissão e se tornara o pastor daquela Igreja. Ele contou aos
circunstantes como, em uma quente noite de verão, no mês de junho, ao andar sem
rumo por uma rua de Londres, ouviu o som de cânticos que provinham da Capela de
Westminster. Entrou e permaneceu ali até o fim da reunião. "Saí
dali", declarou ele, "um novo homem, nascido de novo,
regenerado". Antes daquela oportunidade ele fora completamente ignorante
sobre tais coisas; e, na verdade, inclinara-se por desprezá-las e eliminá-las
de suas cogitações. Ora, aquela era a primeira vez que eu ouvia falar de tais
acontecimentos, embora tudo tivesse ocorrido em 1964. Porém, que importa isso?
O importante é que, visto ser o Espírito aquele que realiza tal obra, trata-se
de uma obra real, sólida; e ela sempre tende por manifestar-se.
Passo agora a firmar como meu décimo ponto que nenhum pecador
chega realmente a "decidir-se em prol de Cristo". Esse vocábulo,
"decidir-se", a mim sempre me pareceu bastante errado. Com frequência
tenho ouvido pessoas usarem expressões que me parecem perturbadoras, que me
deixam muito infeliz. Geralmente usam-nas em sua ignorância, e com a melhor das
intenções. Posso pensar em um idoso cavalheiro que costumava dizer o seguinte: "Meus
amigos, eu me decidi ao lado de Cristo faz quarenta anos, e nunca me arrependi
disso". Quão terrível é dizer, "Nunca me arrependi!" Mas esse é
o tipo de declaração que fazem as pessoas que têm sido criadas no Evangelho
debaixo desse ensinamento e desse método. Um pecador nunca "se
decide" em favor de Cristo; o pecador "foge" para Cristo, em
total desamparo e desespero, dizendo -
Infrator, à fonte corro,
Lava-me, Senhor, ou morro.
Ninguém vem verdadeiramente a Cristo, a menos que se atire nEle
como seu único refúgio e esperança, seu único meio de escape das acusações da
própria consciência e da condenação ante a santa lei de Deus. Nenhuma outra
coisa é satisfatória. Se um homem qualquer disser que, tendo pensado sobre a
questão e havendo considerado todos os lados envolvidos, terminou por
decidir-se ao lado de Cristo, e se o fez sem qualquer emoção ou sentimento, não
poderei aceitá-lo como homem que foi regenerado. Como um coitado que está se
afogando não simplesmente "se decide" a pegar na corda que lhe é
atirada, mas agarra-se a ela pois esta é sua única escapatória, assim também o
pecador convicto não simplesmente "se decide" em favor de Cristo. Tal
expressão é inteiramente imprópria.
Entretanto, uma vez mais temos de defrontar-nos com o argumento
baseado em "resultados". Mas, "Veja o que acontece", dizem
muitos. Ao que me parece, esse é um argumento que pode ser respondido de
diversos modos. Um deles é que nós, protestantes que somos, não deveríamos
lançar mão do argumento jesuítico de que o fim justifica os meios. No entanto,
esse argumento sobre resultados equivale a isso, efetivamente. Mas, deveríamos
aprofundar-nos mais, examinando os resultados e as reivindicações que são
feitas. Qual porcentagem dessas "decisões" perdura? Já ouvi evangelistas
dizerem que nunca esperam que se firme mais de uma décima parte dessas
decisões. Eles afirmam isso abertamente. O que então exerceu influência sobre
os restantes? E se alguém disser que só importam aqueles dez por cento, por
representarem o resultado da operação do Espírito, então replicarei que isso
teria acontecido mesmo na ausência de qualquer "convite para virem á
frente".
Indo mais adiante, é imprescindível que saibamos fazer a distinção
entre resultados imediatos e resultados remotos. Para fins de argumentação,
vamos admitir que se verifique certo número de resultados imediatos. Apesar
disso, teremos de levar em conta os efeitos e resultados remotos dessa maneira
de proceder - o efeito sobre a vida da Igreja local, bem como sobre a vida das
Igrejas em geral. A despeito de tudo quanto nos tem sido dito acerca de
resultados fenomenais e espantosos, durante os últimos vinte anos, dificilmente
poder-se-ia contestar que o nível geral de autêntica espiritualidade, na vida
das nossas Igrejas, tem atravessado um seríssimo declínio. Ora, esse é o efeito
remoto, o qual é diametralmente contrário àquilo que sempre aconteceu em tempos
de reavivamento e despertamento espiritual.
Outrossim, nas reuniões de pastores e em conversa particular com
muitos ministros, tenho averiguado que, de modo geral, os ministros acham que
seus problemas aumentaram, e não que diminuíram, em anos recentes. Já mencionei
o caso de ministros que nem ao menos têm sido convidados por certas Igrejas,
por esse motivo. E já teci comentários sobre outros que são criticados pelos
próprios membros de suas respectivas Igrejas porque não costumam fazer um
"apelo" no fim de cada culto. Essa prática parece haver introduzido
uma nova espécie de mentalidade, uma carnalidade que se expressa na forma de um
doentio interesse pelos números. Isso também tem criado um desejo pelo que é
emocionante, uma quase impaciência diante da mensagem, porquanto todos estão
esperando pelo "convite", após a pregação, para que vejam os
resultados. Ora, esse estado de coisas, por certo, é muito sério.
Nesta altura, vem participar do quadro geral um outro elemento.
Conforme eu já dissera, exprime um fato aquela declaração de que os
organizadores dessa espécie de atividade são capazes de predizer, com
extraordinária precisão, o número de decisões e resultados que provavelmente
conseguirão. Têm até mandado imprimir seus cálculos antes da campanha ter
início, e geralmente não erram por grande margem em suas estimativas. Ora, isso
é algo perfeitamente inconcebível em conexão com a obra do Espírito Santo.
Ninguém sabe o que o Espírito Santo haverá de fazer. "O vento sopra onde
quer Nada pode ser predito, nada pode ser antecipado. Os maiores pregadores e
santos, com frequência, têm tido cultos difíceis e estéreis quanto aos
resultados numéricos, e têm deplorado esse fato. E mesmo em períodos de
reavivamento, há dias e reuniões em que coisa alguma acontece, em absoluto; mas
no dia seguinte, talvez, eis que ocorre um avassalador derramamento de poder.
Por conseguinte, o próprio fato que se pode mais ou menos antecipar e predizer
o que provavelmente sucederá, serve de indicação de que tal método não se molda
ao que sempre caracterizou a obra do Espírito. Por outro lado, confio que tenha
ficado claro que, em tudo quanto acabo de dizer, não estou pondo em dúvida os
motivos ou a sinceridade daqueles que se utilizam desses métodos, e nem que não
tenham havido conversões genuínas, pois preocupei-me tão somente em mostrar por
quais razões eu mesmo não tenho empregado essa técnica.
Portanto, você perguntará, o que se deveria fazer? Eu mesmo situo
a questão nestes termos. O apelo deve fazer parte integrante da própria
Verdade, da própria mensagem. Enquanto você estiver proferindo um sermão,
deveria estar fazendo constantes aplicações da mensagem, sobretudo, como é
natural, na última fase, quando chegarem á aplicação final e ao clímax do
sermão. Mas o apelo deve fazer parte da mensagem; deve ser assim,
inevitavelmente. O sermão deve ter a capacidade de fazer os homens perceberem
ser essa a única coisa que pode ser feita. O apelo deve estar implícito ao
longo de todo o corpo do sermão, bem como em tudo quanto o pregador faz. E eu
diria, sem qualquer hesitação, que um apelo distinto, separado e especial no
fim do sermão, após certo intervalo, ou após um hino, só deveria ser feito se o
pregador tiver plena consciência de alguma imposição avassaladora do Espírito
de Deus para que ele assim faça. Se alguma vez eu sentir tal coisa, fá-la-ei;
mas somente então. E mesmo num caso desses, a maneira pela qual o farei não
será convidando as pessoas para que venham á frente. Simplesmente participarei
aos presentes que me ponho á disposição para conversar com qualquer pessoa que
queira entrevistar-me, no fim da reunião ou em qualquer outra oportunidade. De
fato, acredito que o ministro sempre deveria anunciar, de alguma maneira ou
forma, que ele está pronto para conversar com qualquer pessoa que queira
conversar com ele a respeito de sua alma e de seu destino eterno. Isso pode ser
dito por meio de um cartão posto em cada assento - assim tenho agido eu mesmo -
embora você possa fazê-lo usando qualquer outro esquema. Faça-se disponível,
deixe bem claro que está à disposição dos interessados, e assim você descobrirá
que as pessoas que sentiram a convicção de pecado, virão falar com você porque
se sentem infelizes. Não é infrequente que elas receiam voltar para casa do
mesmo jeito. Já vi casos de pessoas que, depois de estarem a meio caminho de
casa, voltaram para conversar comigo, na igreja, por não poderem tolerar o
senso de convicção de pecado e de infelicidade; a agonia delas era grande
demais.
Ou então, se tiverem encontrado a salvação e agora se rejubilam
nela, haverão de querer revelar-lhe o acontecido. Cada pessoa fará isso no seu
próprio tempo; permita-lhe a liberdade de fazê-lo. Não procure forçar tais
coisas. Essa é uma obra do Espírito Santo de Deus. A obra dEle é completa, e
também é duradoura; e, por essas razões, não nos devemos impacientar e ansiar à
cata de resultados. Não estou dizendo que essa ânsia seja desonesta, mas digo
que ela é um erro. Precisamos aprender a confiar no Espírito, dependendo da Sua
atuação infalível.
Enviado por "Marcel Seminarista" seminaristamarcel@gmail.com
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em BibliaLTT.org, com ou sem notas).
(Copie e distribua ampla mas gratuitamente, mantendo o nome do autor e pondo link para esta página de http://solascriptura-tt.org)
Somente use Bíblias traduzidas do Texto Tradicional (aquele perfeitamente preservado por Deus em ininterrupto uso por fieis): BKJ-1611 ou LTT (Bíblia Literal do Texto Tradicional, com notas para estudo) na bvloja.com.br. Ou ACF, da SBTB.