J. Dwight Pentecost
A. O literalismo entre os judeus.
O método dominante de interpretação entre os judeus na época de Cristo
certamente era o literal. Horne apresenta assim a questão:
A interpretação alegórica das Escrituras sagradas não pode ser historicamente
provada como a que prevalecia entre os judeus a partir do cativeiro babilônico;
tampouco se pode provar que tenha sido comum entre os judeus na época de Cristo
e de Seus apóstolos. Embora o Sinédrio e os ouvintes de Jesus muitas
vezes recorressem ao Antigo Testamento, jamais deram indício de adotar uma
interpretação alegórica; mesmo Josefo jamais recorre a ela. Os judeus
platônicos do Egito começaram, no primeiro século, em imitação aos gregos
pagãos, a interpretar o Antigo Testamento alegoricamente. Filo de Alexandria
destacou-se entre os judeus que praticavam esse método. Ele o defende como algo
novo e até então desconhecido e, por essa razão, contestado por outros judeus.
Jesus nunca esteve, portanto, numa situação em que fosse obrigado a
adaptar-se a um costume dominante de interpretar alegoricamente as Escrituras.
Tal método não era utilizado na época entre os judeus, certamente não entre os
judeus da Palestina, onde Jesus viveu e ensinou.
[Até mesmo] os amilenaristas de nossos dias
estão essencialmente de acordo com essa posição. Case, defensor ardoroso do amilenarismo, reconhece:
Sem dúvida os antigos profetas hebreus anunciaram o advento
de um dia terrível do Senhor, em que a velha ordem de coisas passaria
subitamente. Profetas posteriores predisseram um dia de restauração para os
exilados, em que toda a natureza seria milagrosamente modificada e um reino
davídico ideal seria estabelecido. Os visionários de épocas seguintes retrataram
a vinda de um reino divino verdadeiramente celestial, no qual os fiéis
participariam das bênçãos milenares. Os primeiros cristãos esperavam em breve
contemplar a Cristo voltando entre as nuvens, assim como o tinham visto subir
aos céus literalmente [...] No que diz respeito a esse tipo de imagem, o
milenarismo pode de forma bem justa alegar ser bíblico. Inquestionavelmente
certos escritores bíblicos esperavam um fim catastrófico para o mundo.
Retrataram os dias angustiosos que viriam imediatamente antes da catástrofe
final, proclamaram o retorno visível do Cristo celestial e aguardaram
ansiosamente a revelação da Nova Jerusalém. Qualquer tentativa de fugir a essas
características literalistas do ideário bíblico é inútil. Desde os dias de
Orígenes, certos intérpretes das Escrituras buscam refutar expectativas
milenaristas afirmando que mesmo as declarações mais dramáticas sobre a volta
de Jesus deveriam ser entendidas figuradamente. Também se diz que Daniel e
Apocalipse são livros altamente místicos e alegóricos, que não pretendiam
referir-se a acontecimentos reais, quer passados, quer presentes, quer futuros,
mas possuíam significado puramente espiritual, como O Paraíso Perdido,
de Milton, ou O Peregrino, de John Bunyan. Tais recursos são meras evasivas,
cujo propósito é tentar harmonizar as Escrituras às condições atuais, ao mesmo
tempo que se despreza a vivida expectativa dos antigos. Os judeus afligidos no
período dos macabeus exigiam não um fim figurado às suas angústias, mas um fim literal.
Daniel não lhes prometeu nada menos que o estabelecimento literal de um
novo regime celestial. De maneira igualmente realista, um escritor cristão
primitivo escreveu: " E
Jesus [lhe]
disse: "*EU* SOU. E vereis o Filho do homem estando- assentado à
direita do poder [de Deus], e vindo com as
nuvens do céu. [Mc 14.62]" ou ainda " E Ele (Jesus) lhes dizia: "Em
verdade vos digo que há alguns, daqueles (discípulos) aqui
tendo se postado, que de modo nenhum provem da morte até vislumbrarem o
reinar de Deus tendo chegado em poder. [Mc 9.1]". Imaginem o
choque de Marcos se lhe fosse dito que tais expectativas já haviam sido
concretizadas nas aparições de Jesus depois da ressurreição, ou nas
experiências extáticas dos discípulos no dia de Pentecostes, ou na salvação de
crentes por ocasião de sua morte. E quem pode imaginar a sensação de Marcos se
lhe fosse dito, de maneira bem moderna, que sua predição da volta de Cristo
seria cumprida na Reforma Luterana, na Revolução Francesa, no reavivamento
wesleyano, na abolição da escravatura, na democratização da Rússia ou no
resultado da guerra mundial? Os pré-milenaristas estão plenamente justificados
por protestar contra os oponentes que alegorizam ou espiritualizam passagens
bíblicas pertinentes, conservando a fraseologia bíblica, mas pervertendo
profundamente seu significado original.
(Manual de Escatologia: Uma Análise Detalhada dos Eventos
Futuros, J. Dwight Pentecost, Páginas 45-47)
(realces e colchetes [] acrescentados por Hélio. Bíblia LTT)