O Fundamentalista e as Questões Sociais
Autor: Pr. Charles Flesher1
Tradução: Marco Aurélio de Castro Lima
Introdução
Muitos de nós recebem inúmeros periódicos e
reportagens reprovando o presente estado de nossa sociedade.
Estas publicações nos lembram que o aborto, a pornografia, a
homossexualidade, e outras atividades pecaminosas e anti-sociais
atingem em cheio o centro de uma sociedade civilizada. Eles nos
lembram que vários níveis do nosso governo na verdade são
cúmplices, e, em algumas instâncias, ajudam financeiramente
muitos males os quais os crentes reconhecem como um sinal da
"ira de Deus a qual está sendo revelada
a partir dos céus." [tradução de
Rom 1:18]
Freqüentemente estes materiais ou os eventos de
hoje em dia pressionam um pastor fundamentalista a pregar
mensagens sobre as questões sociais. Ocasionalmente nos sentimos
tão fortemente movidos a defender a retidão que escrevemos uma
carta ao editor, passamos uma resolução, ligamos para o nosso
político, ou mesmo participamos de um grande ajuntamento público
[sem cor religiosa ou mesmo ecumênico]. Algumas pessoas comuns e
pastores podem participar ou se sentirem inclinados a participar
de organizações que se opõem a um ou mais desses males sociais.
Sem dúvida muitos têm sido convocados para a Right-to-Life
(Direito à Vida) ou pela "Concerned Citizens (Cidadãos
Preocupados) por isto ou aquilo".
Como deve o fundamentalista responder aos apelos
como "salve nossa sociedade" ou "erga-se em defesa daquilo que
fez a América grande"? Quão longe alguém deve ir ao tomar uma
posição pela justiça num nível social? Quanto tempo eu posso ou
devo dedicar a esta ou aquela causa? Com quem eu posso me
associar neste ou naquele esforço sem comprometer minha posição
separatista ou o testemunho da minha congregação local? Usando
as Escrituras como nosso guia, vamos procurar responder estas
questões que são tão vitais para Cristãos fundamentalistas nesta
última década do século vinte.
Quanto tempo deve um pastor fundamentalista
gastar na luta contra os males sociais? A maioria dos pastores
que eu conheço não têm este problema de terem que procurar
coisas para conseguirem ficar ocupados [eles já estão
demasiadamente ocupados]. Além to tempo gasto na preparação dos
sermões, na administração [da igreja], no aconselhamento, e na
sua própria vida devocional, há incontáveis outras demandas e
nunca precisa-se ir longe ou procurar muito para achar onde
ministrar. A maioria dos pregadores também tem que trabalhar de
verdade nesta área a fim de conseguir ter um tempo adequado com
suas famílias. É óbvio que algo tem que ser deixado de lado se
um pastor vai se envolver profundamente em questões sociais.
A Responsabilidade do Pastor
Nesta crítica encruzilhada, a questão mais
fundamental é: "Qual a responsabilidade primária do pastor?" A
Palavra de Deus é clara: Alimentar o rebanho, acompanhar a
comunidade local, fazer o trabalho de um evangelista, ser um
exemplo, e repreender e exortar. Efésios 4 e as cartas Pastorais
documentam tudo isto. Em nenhum lugar o Novo Testamento faz
menção de responsabilidades pastorais em tais atividades como
liderar uma marcha ou passeata até a prefeitura, fazer piquete
ou publicamente boicotar uma clínica de aborto ou uma livraria
especializada em coisas pornográficas, ou distribuir folhetos
sobre as últimas empresas que os crentes devem se negar a ser
clientes por causa das suas políticas de propaganda.
Regeneração Pessoal ou Reforma Pública?
Isto não quer dizer que nunca há nenhum lugar
para algo do acima mencionado, no ministério de ninguém, mas eu
argumentaria que isto nunca deve tomar o primeiro lugar [no
ministério de nenhum crente]. O perigo que o pregador encontra
neste âmbito é pregar questões [sociais] ao invés de Cristo,
substituir regeneração pessoal pela reforma pública. Pregando as
Palestras de Beecher na Universidade de Yale (por volta de
1910), John Henry Jowett (autor do livro "O Pregador: Sua Vida e
Trabalho") avisa sobre este perigo:
Eu reconheço a contribuição que alguns homens
têm dado na iluminação de ideais sociais, no desatamento de
complexidades sociais, e na inspiração do serviço social... Mas
mesmo com essas admissões eu posso claramente ver este perigo:
Que a alargada concepção da missão do pregador pode levar à
ênfase na mensagem de reforma do Velho Testamento em lugar da
mensagem de redenção do Novo Testamento. Os homens [os ouvintes
do pregador] podem-se tornar tão absorvidos na questão dos erros
sociais a ponto de perder de vista a mais profunda doença do
pecado pessoal. Eles podem procurar corrigir as descontinuidades
sociais mas negligenciar a terrível desordem da alma.
Jowett esteve falando numa época onde o
evangelho social estava firmemente entrincheirado nos
prestigiados púlpitos das denominações "principais e mais
tradicionais". Crentes na Bíblia daquele tempo advertiram que
pregar as éticas de Jesus sem falar em novo nascimento poderia
levar ao desastre espiritual. Visitando a maioria das igrejas
modernistas hoje em dia, ouve-se muito pouco sobre as grandes
doutrinas como a redenção, mas muito sobre salvar a terra,
reciclar nosso lixo, posicionamento feminista, combater o
racismo, desarmamento nuclear, e a reforma do bem-comum. A
presença e a importância das igrejas "principais e mais
tradicionais" cada vez menor é um testemunho eloqüente dos
resultados do evangelho social.
Esta grande perda em círculos liberais deve ser
um aviso aos conservadores a não usar sermões sobre
homossexualidade, aborto, pornografia, etc. em lugar do maior de
todos os temas: Cristo e Sua Crucificação! Novamente, ouçam
Jowett, falando sobre R. W. Dale, que esteve de alguma forma
envolvido em condições sociais na Inglaterra: "[Mas] Seu púlpito
estava reservado [exclusivamente] para temas vitais e centrais:
ele nunca permitiu os clamores por uma cidadania mais ampla o
engodarem para longe do trono [de Cristo, como tema das
pregações]" (O Pregador: Sua Vida e Trabalho, p. 84).
Cristo e as Questões sociais
Como se conduziu o nosso Senhor quanto às
questões sociais? O que foi principal na vida de nosso Senhor
neste âmbito? Há dois incidentes em Seu ministério indicando que
condições sociais e justiça social eram problemas de segunda
importância para Ele. Um é encontrado em
João 6 e trata sobre alimentar gente faminta. Depois de
executar seu grande milagre de alimentar mais de 5.000 pessoas,
nosso Senhor repreende aqueles que O seguiriam somente por algum
pão. O que eles precisavam desesperadamente era "o Pão do Céu".
Ele estava mais preocupado com a necessidade espiritual deles;
eles, com a temporária.
O assunto da justiça social surge em
Lucas 12:14. Um homem interrompe o ensino de Cristo e pede
ao Salvador que intervenha num caso de herança. Nosso Senhor
repreendeu o homem pela sua insensibilidade para coisas
espirituais. Não que o Senhor Jesus seja contra o prevalecer da
justiça, mas as verdades espirituais são infinitamente mais
importantes.
A Igreja do Início e as Questões Sociais
A igreja do início deu conta das questões
sociais praticamente da mesma maneira. Em
Atos 6, por exemplo, temos um problema social. Como os
irmãos se saíram? Eles recusaram se desviar do que é importante:
pregar e ensinar a Palavra. Eles indicaram diáconos para lidar
com essas importantes, mas menos essenciais, questões.
Uma das últimas coisas que Paulo disse a Timóteo
(II
Timóteo 4:1,2) foi, "Pregue a
Palavra". Se os fundamentalistas não concentrarem suas
atenções no ministério da Palavra e suas grandes doutrinas,
somos responsáveis pela culpa do que o Dr. Bob Jones, Sr.,
chamou de "caça ao coelho". Todos nós estamos familiarizados com
comunicadores dotados e outros pregadores grandemente talentosos
que gastaram seus dons [somente ou principalmente] pregando
anticomunismo, escolhas morais, e similares, ao invés de pregar
a Cristo.
Lloyd-Jones e a História da Igreja
O "Doutor" (D. Martyn Lloyd-Jones, no seu livro
"Pregação e Pregadores") demonstra a partir da história da
igreja que pregar o evangelho tem contribuído mais para a
solução de muitos dos problemas sócio-políticos do que todos os
substitutos humanos. Ele diz:
Meu argumento é que quando a igreja executa sua
tarefa primária, estas outras coisas [menores, tais como justiça
social, etc.] invariavelmente resultam disto... Você vai
perceber que os maiores períodos e épocas da história dos países
têm sido aquelas eras que se seguiram ao despertamento advindo
de reformas religiosas e de avivamentos. As outras pessoas
falam de um grande problema sobre as condições políticas e
sociais, mas fazem muito pouco sobre elas. É esta
atividade da igreja que realmente lida com a situação e produz
resultados duráveis e permanentes. Logo eu digo que mesmo do
ponto de vista pragmático, pode ser demonstrado que vocês
precisam continuar pregando em primeiro e principal lugar.
O Neo-evangelicalismo e as Questões Sociais
A palavra do Dr. Lloyd-Jones sobre esta questão
é a Bíblica e portanto é a posição que o fundamentalista deve
tomar para o problema das questões sociais. Quão trágico é que a
seguinte filosofia do "Pai do Neo-evangelicalismo" capturou
muitos conservadores de hoje. Escrevendo a introdução para o
livro "A Inquieta Consciência do Fundamentalismo Moderno" (1947)
de Carl Henry, Harold J. Ockenga promove um retorno ao falho
programa do evangelho social:
Se o Cristão Bíblico está no lado errado dos
problemas sociais como guerra, raça, classe, trabalho, bebida,
imperialismo, etc., é hora de pular a cerca e passar para o lado
certo. A igreja precisa de um Fundamentalismo progressivo com
uma mensagem social.
Um Exemplo Local
Além de se desviar da tarefa principal como
crente, comprometer a posição separatista no problema de
associações é um perigo real para alguém profundamente envolvido
em esforços sociais. Na região central de Ohio, um número de
igrejas conservadoras formou uma associação para preservar os
valores familiares. Originalmente somente igrejas evangélicas
participaram. Logo, lentamente, a liderança chegou a uma
constituição mais ampla. Agora, pode-se encontrar Protestantes
liberais, Católicos Romanos e seitas envolvidas neste esforço
para salvar os valores familiares de nosso país. O diretor desta
organização escreve:
Minha oração é que este episódio dos Cristãos
trabalhando juntos por um bem comum seja mais frutífero do que
qualquer um até agora. Eu estou encorajado com o fato de
Católicos e Batistas, Metodistas e Presbiterianos, Carismáticos
e a Igreja de Cristo tenham encontrado um denominador comum
sobre o qual nos colocamos.
Meus amigos, crentes [realmente] bíblicos têm
poucos denominadores comuns com Católicos Romanos, com a maioria
das igrejas denominacionais principais e mais tradicionais, e
com as igrejas carismáticas. II Coríntios 6:14 e II João 7-10
deixam claro que um crente não tem negócios a fazer com grupos
apóstatas ou comprometidos em qualquer esforço.
["Não vos prendais a um jugo desigual com os
infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E
que comunhão tem a luz com as trevas?" (2Co 6:14 ACF2)
"Porque já muitos enganadores entraram no mundo,
os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal
é o enganador e o anticristo. Olhai por vós mesmos, para que não
percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão.
Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de
Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo,
esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco,
e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o
saudeis." (2Jo 1:7-10 ACF)]
Este mesmo diretor faz as seguintes declarações
em um artigo intitulado, "Trabalhando com Outras Igrejas... e Se
Tornando Parte da Solução":
Juntos, podemos realizar o que nunca foi
alcançado separadamente... Se a Comunidade Cristã continuar no
curso da não-cooperação reacionária, somente preocupada com suas
pequenas congregações, e sem desejar trabalhar com aqueles de
outras denominações, nós veremos mais uma geração de degradação
e perda espiritual!... Que Deus ajude-nos, ministros, a colocar
de lado nossos pequenos ciúmes, orgulho denominacional,
competitividade vazia, e inseguranças pessoais, para
trabalharmos juntos pelo bem de nossa comunidade.
Aqui está um pastor conservador chamando outros
conservadores para quebrarem as barreiras entre verdade e erro,
quebrarem as barreiras entre igrejas que ensinam a Bíblia como a
Palavra de Deus e aqueles que dão a ela pequena autoridade e a
ela adicionam suas próprias heresias que levam à condenação,
chamando a eles para darem as mãos em prol de uma causa social.
Eu lembro das palavras de Jeú ao contemporizador Josafá:
"Deves tu ajudar o ímpio, e amar
aqueles que odeiam ao Senhor? Portanto virá ira sobre ti, vinda
do Senhor" (II
Crônicas 19:2)
Aprendendo uma Boa Lição
Há uns anos atrás um bom casal de nossa igreja
estava envolvido num grupo anti-aborto. Eles viram o real
problema que existe em contemporizar, quanto um dia, enquanto
participavam de uma reunião, o líder pediu que todos se
curvassem para orar. Quando ele chamou um padre [um sacerdote
católico] para orar, este crente imediatamente [levantou-se e]
anunciou, naquele lugar, que decidiu deixar de participar. Não
que os crentes não possam protestar contra o aborto, mas não
podemos desobedecer o claro ensino nas Escrituras para nos
separarmos da descrença e para não contemporizarmos sob a
desculpa de lutar contra um mal social.
Um crente deve também lembrar que quebrar a lei
nunca é a coisa certa a se fazer. O ensino do Novo Testamento é
que nós só temos este direito quando as autoridades negam nosso
direito a pregar e ensinar sobre Cristo (Atos
5:29). Bloquear portas de clínicas de aborto [e piquetes de
greve], invadir propriedade privada, e pronta desobediência
civil nunca devem fazer parte de um protesto social do crente
(Ver I Pedro 4:15 e Romanos 13:1-7).
"Que nenhum de vós padeça como homicida, ou
ladrão, ou malfeitor, ou como o que se entremete em negócios
alheios;" (1Pe 4:15 ACF)
"Toda a alma esteja sujeita às potestades3
superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as
potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem
resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que
resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os
magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más.
Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás
louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se
fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é
ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.
Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente
pelo castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também
pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre
a isto mesmo. Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem
tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor;
a quem honra, honra." (Rm 13:1-7 ACF)
O que te entusiasma?
Outra preocupação [que eu tenho] quanto a homens
[crentes] comuns nesses movimentos (são estes [particularmente
os descrentes] que eu creio que devem primariamente se envolver
pesadamente nesses assuntos sociais, não pastores), é a
tendência a eles irem além da conta e negligenciarem suas
responsabilidades diante da igreja local. Minha experiência tem
sido de que pessoas podem ficar "entusiasmadas" sobre os
problemas sociais, mas não estão freqüentemente "entusiasmadas"
para [participarem de todo coração em] reuniões de oração,
visitas, [evangelismo], ou encontros especiais na igreja.
Palavras Equilibradas
Deixe-me concluir (o que pode parecer ser um
artigo negativo sobre envolvimento social) com um lembrete aos
nossos pastores. Precisamos ser mais sensíveis com questões
sobre as quais os perdidos são sinceramente preocupados. Embora
não queiramos ficar pregando sermões sobre o "Dia da Terra" ou
falando sobre "salvar a coruja que está na mira [dos caçadores",
precisamos perceber que as pessoas estão genuinamente
interessadas em problemas ecológicos e outras preocupações sobre
o mundo. Se formos arrogantes, se formos ridicularizadores, com
linguagem impura, e tecendo generalizações e críticas, perdemos
a oportunidade de influenciar os perdidos com o Evangelho. Por
exemplo, sabemos que o Senhor estava preocupado com o gado nos
dias de Jonas (Jonas 4:11), mas Ele estava muito mais preocupado
com as pessoas de Nínive. Como cidadãos responsáveis, nós também
temos que estar preocupados com nosso meio ambiente, e uma lista
inteira de outras coisas que afetam nossa vida neste planeta.
Mas vamos nos lembrar de que a grande necessidade não é salvar o
meio ambiente do homem, mas sim a sua alma. Com isto em mente,
vamos procurar direcionar homens (que estão com preocupações
terrenas) para "o reino de Deus e Sua justiça". Teremos uma
melhor oportunidade para fazê-lo se formos cuidadosos em não
rebaixar ou sermos sarcásticos [contra eles].
1 Charles Flesher é um graduado da
Universidade Bob Jones e é pastor da Igreja Bíblica da
Comunidade Greencastle em Carroll, Ohio.
Esta mensagem foi pregada na Conferência de Pastores da
Comunhão Bíblica de Ohio, em 29 de Junho de 1993.
2 Todos os textos bíblicos
citados neste estudo foram extraídos da tradução de João
Ferreira de Almeida - Corrigida e Revisada Fiel ao Texto
Original (ACF), editada pela Sociedade Bíblica Trinitariana
do Brasil, exceto quando houver sido especificado em
contrário.
3 O termo "potestade" nesta
passagem pode ser corretamente entendido como "autoridade".
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