por
Danilo Raphael
Do jeito que
as coisas andam em nossos dias, precisamos urgentemente nos libertar da
teologia liberal. É espantoso o crescente número de livros (inclusive
publicados por editoras evangélicas) que esboçam os ensinamentos deste
tipo de teologia ou tecem comentários favoráveis. Embora esta teologia
tenha nascido com os protestantes, hoje, porém, seus maiores expoentes são
os católicos romanos.
católica
encontramos grande quantidade de obras defendendo e/ou propagando a
teologia liberal. E não é só isso. A forma com que alguns seminários e
igrejas vêm se comprometendo com os ensinos desta teologia também é de
impressionar.
A libertação da teologia liberal não só é necessária como também é vital
para a Igreja brasileira, ameaçada pelo secularismo e pelo liberalismo
teológico corrosivo.
Apesar das
motivações iniciais dos modernistas, suas idéias, no entanto,
representaram grave ameaça à ortodoxia, fato já comprovado pela história.
O movimento gerou ensinamentos que dividiram quase todas as denominações
históricas na primeira metade deste século. Ao menosprezar a importância
da doutrina, o modernismo abriu a porta para o liberalismo teológico, o
relativismo moral e a incredulidade descarada. Atualmente, a maioria dos
evangélicos tende a compreender a palavra “modernismo” como uma negação
completa da fé. Por isso, com facilidade esquecemos que o objetivo dos
primeiros modernistas era apenas tornar a igreja mais “moderna”, mais
unificada, mais relevante e mais aceitável em uma era caracterizada pela
modernidade.
Mas o que caracterizaria um teólogo liberal? O verbete sobre o
“protestantismo liberal” do Novo Dicionário de Teologia, editado
por Alan Richardson e John Bowden, nos traz uma boa noção do termo.
Vejamos três destaques de elementos do liberalismo teológico:
1- É receptivo à ciência, às artes e estudos humanos
contemporâneos. Procura a verdade onde quer que se encontre. Para o
liberalismo não existe a descontinuidade entre a verdade humana e a
verdade do cristianismo, a disjunção entre a razão e a revelação. A
verdade deve ser encontrada na experiência guiada mais pela razão do que
pela tradição e autoridade e mostra mais abertura ao ecumenismo;
2-
Tem-se mostrado simpatia para com o uso dos cânones da historiografia para
interpretar os textos sagrados. A Bíblia é considerada documento humano,
cuja validade principal está em registrar a experiência de pessoas abertas
para a presença de Deus. Sua tarefa contínua é interpretar a Bíblia, à luz
de uma cosmovisão contemporânea e da melhor pesquisa histórica, e, ao
mesmo tempo, interpretar a sociedade, à luz da narrativa evangélica;
3 -
Os liberais ressaltam as implicações éticas do cristianismo. O
cristianismo não é um dogma a ser crido, mas um modo de viver e conviver,
um caminho de vida. Mostraram-se inclinados a ter uma visão otimista da
mudança e acreditar que o mal é mais uma ignorância. Por ter vários
atributos até divergentes, o liberal causa alergia para uns e para outros
é motivo de certa satisfação, por ser considerado portador de uma mente
aberta para o diálogo com posições contrárias.
A
Podemos dizer que algumas das características do cristianismo ortodoxo se
baseiam nos seguintes pontos:
• Manter
fidelidade incondicional à Bíblia, que é inerrante, infalível e
verbalmente inspirada;
Contudo, o
liberalismo, em sua apostasia, nega a validade de quase todos os
fundamentos da fé, como, por exemplo, a inerrância das Escrituras, a
divindade de Cristo, a necessidade da morte expiatória de Cristo, seu
nascimento virginal e sua ressurreição. Chegam até mesmo a negar que
existiu realmente o Jesus narrado nas Escrituras. A doutrina escatológica
liberal se baseia no universalismo (todas as pessoas serão salvas um dia e
Deus vai dar um jeito até na situação do diabo) e, conseqüentemente, para
eles, não existe inferno e muito menos o conceito de pecado. O liberalismo
é um sistema racionalista que só aceita o que pode ser “provado”
cientificamente pelos próprios conhecimentos falíveis, fragmentados e
limitados do homem.
O
liberalismo teológico tem procurado embutir no cristianismo uma roupagem
moderna: pegam as últimas idéias seculares e, sorrateiramente, espalham no
mundo cristão. J.G. Machem, em seu livro Cristianismo e liberalismo,
trata deste assunto com maestria. Na contracapa, podemos ver uma pequena
comparação entre o cristianismo e o liberalismo: “O liberalismo representa
a fé na humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O
primeiro não é sobrenatural, o último é absolutamente sobrenatural. Um é a
religião da moralidade pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do
socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a ‘rocha de escândalo’, o outro
defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao
passo que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio
caráter e autoridade de Deus”.
Os liberais
acusam os evangélicos de transformar a Bíblia em um “papa de papel”, ou
seja, em um ídolo. Com isso, culpam os evangélicos de bibliolatria.2 Estamos
cientes de que tem havido alguns exageros por parte de alguns
fundamentalistas evangélicos, mas a verdade é que os “eruditos” liberais
têm-se mostrado tão exagerados quanto muitos do que eles denominam de
fundamentalistas. Teoricamente falando, a maioria dos liberais acredita em
Deus, supondo que Ele pode intervir na história da humanidade, porém, na
prática, e com freqüência, mostram-se muito mais deístas.3 Normalmente,
os liberais também favorecem o “relativismo”, ou seja, difundem que no
campo da verdade não há absolutos. Segundo este raciocínio, se não há
verdades absolutas, então, as verdades da Bíblia (que são absolutas) são
relativas, logo, não podem ser a Palavra de Deus. Tendo rejeitado a Bíblia
como a infalível Palavra de Deus e aceitado a idéia de que tudo está
fluindo, o teólogo liberal afirma que não é segura qualquer idéia
permanente a respeito de Deus e da verdade teológica.
Levando o
pensamento existencialista às últimas conseqüências, conclui-se que: se
quisermos que a Bíblia tenha algum valor para a modernidade e fale ao
homem moderno, temos de criar uma teologia para cada cultura, para cada
contexto, onde nenhum ensino é absoluto, mas relativo, variando conforme o
contexto sociocultural. Obviamente, tal pensamento possui fundamento em
alguns pontos, mas daí ao radicalismo de pregar que nada é absoluto, isso
já extrapola e fere diversos princípios bíblicos.
Raízes
O
liberalismo teológico começou a florescer de forma sistematizada devido à
influência do racionalismo de Descartes e Spinoza, nos séculos 17 e 18,
que redundou no iluminismo.4 O liberalismo opunha-se ao racionalismo
extremado do iluminismo.
A baixa crítica
Conforme Gleason L. Archer Jr, “a ‘baixa crítica’ ou crítica textual se
preocupa com a tarefa de restaurar o texto original na base das cópias
imperfeitas que chegaram até nós. Procura selecionar as evidências
oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há falta de
acordo entre os manuscritos sobreviventes, e pela aplicação de um método
científico chegar àquilo que era mais provavelmente a expressão exata
empregada pelo autor original”.5
A alta crítica
J. G. Eichhorn, um racionalista germânico dos fins do século 18, foi o
primeiro a aplicar o termo “alta crítica” ao estudo da Bíblia. E, por esse
motivo, ele tem sido chamado de “o pai da crítica do Antigo Testamento”.
Segundo R. N. Champlin, “a ‘alta crítica’ aponta para o exame crítico da
Bíblia, envolvendo qualquer coisa que vá além do próprio texto bíblico,
isto é, questões que digam respeito à autoria, à data, à forma de
composição, à integridade, à proveniência, às idéias envolvidas, às
doutrinas ensinadas, etc. A alta crítica pode ser positiva ou negativa em
sua abordagem, ou pode misturar ambos os pontos de vista”.6 Mas o que
temos visto na prática é que esta forma de crítica tem negado as doutrinas
centrais da fé cristã, em nome da ciência, da modernidade e da razão. O
que fica evidente é que alguns críticos partem com o intuito de
desacreditar a Bíblia, devido a alguns pressupostos naturalistas, chegando
ao cúmulo de dizer que a Igreja inventou Jesus.
Conforme
Norman Geisler “a alta crítica pode ser dividida em negativa (destrutiva)
e positiva (construtiva). A crítica negativa, como o próprio nome sugere,
nega a autenticidade de grande parte dos registros bíblicos. Essa
abordagem, em geral, emprega uma pressuposição anti-sobrenatural”.7
Penosamente,
a “alta crítica” tem empregado uma metodologia faltosa, caindo em alguns
pressupostos questionáveis. E, devido aos seus resultados, ultimamente vem
sendo descrita como “alta crítica destrutiva”. (para melhor compreensão,
veja o quadro comparativo acima)8
Prove e veja
Na Universidade de Chicago, Divinity School, em cada ano eles têm o que
chamam de “Dia Batista”, quando cada aluno deve trazer um prato de comida
e ocorre um piquenique no gramado. Nesse dia, a escola sempre convida uma
das grandes mentes da literatura no meio educacional teológico para
palestrar sobre algum assunto relacionado ao ambiente acadêmico.
Ao concluir
sua teoria, Tillich perguntou à platéia se havia alguma pergunta, algum
questionamento. Depois de uns trinta segundos, um senhor negro, de cabelos
brancos, se levantou no fundo do auditório: “Dr Tillich, eu tenho uma
pergunta, ele disse, enquanto todos os olhos se voltavam para ele. Colocou
a mão na sua sacola, pegou uma maçã e começou a comer... Dr Tillich...
crunch, munch... minha pergunta é muito simples... crunch, munch...
Eu nunca li tantos livros como o senhor leu... crunch, munch... e
também não posso recitar as Escrituras no original grego... crunch,
munch... Não sei nada sobre Niebuhr e Heidegger... crunch, munch...
[e ele acabou de comer a maçã] Mas tudo o que eu gostaria de saber é: Essa
maçã que eu acabei de comer... estava doce ou azeda?
“Tillich
parou por um momento e respondeu com todo o estilo de um estudioso: ‘Eu
não tenho possibilidades de responder essa questão, pois não provei a sua
maçã’.
É essa a diferença!
É fundamental considerar que tudo o que engloba a fé genuinamente cristã
está amparado em um relacionamento experimental (prático) com Deus. Sem
esse pré-requisito, ninguém pode seriamente afirmar ser um cristão. Seria
muito bom se os críticos se atrevessem a experimentar este relacionamento
antes de tecerem suas conjeturas. Se assim fosse, certamente se lhes
abriria um novo horizonte para suas proposições e, quem sabe, entenderiam
que o sobrenatural não é uma brecha da lei natural, mas, sim, uma
revelação da lei espiritual.
Notas
1
O
fundamentalismo foi um movimento surgido nos Estados Unidos durante e
imediatamente após a 1ª Guerra Mundial, a fim de reafirmar o cristianismo
protestante ortodoxo e defendê-lo contra os desafios da teologia liberal,
da alta crítica alemã, do darwinismo e de outros pensamentos considerados
danosos para o cristianismo.
3
Segundo a comparação clássica entre Deus e o fabricante de um relógio,
Deus, no princípio, deu corda ao relógio do mundo de uma vez para sempre,
de modo que ele agora continua com a história mundial sem a necessidade de
envolvimento da parte de Deus.
4
O Iluminismo enfatizava a razão e a independência e promovia uma
desconfiança acentuada da autoridade. A verdade deveria ser obtida por
meio da razão, observação e experiência. O movimento foi dominado pelo
anti-sobrenaturalismo e pelo pluralismo religioso.
5
ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? Edições Vida
Nova, p.54.
Só use as duas Bíblias traduzidas rigorosamente por equivalência formal a partir do Textus Receptus (que é a exata impressão das palavras perfeitamente inspiradas e preservadas por Deus), dignas herdeiras das KJB-1611, Almeida-1681, etc.: a ACF-2011 (Almeida Corrigida Fiel) e a LTT (Literal do Texto Tradicional), que v. pode ler e obter em BibliaLTT.org, com ou sem notas).
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