[Excerto do Comentário da Epístola aos Gálatas • Exposição do Capítulo 5, versos de 16 a 26]
“Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne. Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito. Não sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros” (Gálatas 5:16-26).
Verso 16
Digo, porém: Andai em Espírito; o conselho que o apóstolo acha apropriado, e que ele teria observado, é “andar no Espírito”, ou seja, perante o Espírito de Deus; fazendo da palavra inspirada por Ele a regra de comportamento, a qual é o padrão da fé, e também de prática, e que é a lâmpada para nossos pés, e luz para nossos caminhos; tendo o próprio Deus como guia, que não apenas guia em toda verdade, mas no caminho da santidade e justiça na terra da retidão; e dependendo de Sua graça e força para dá-los assistência ao longo de toda nossa caminhada e conversação: ou no exercício das graças do Espírito de Deus; como no exercício da fé na Pessoa e graça de Cristo, do qual o Espírito é o autor; e em amor a Deus, Cristo, e uns para com os outros, que é o fruto do Espírito; e em submissão, humildade de espírito, mansidão e condescendência; tudo isso é andar no Espírito, ou espiritualmente, e fortalece o argumento do apóstolo acerca do amor: ele encoraja-os nessas coisas ao observar,
e não cumprireis a concupiscência da carne; ele não diz que não haverá carne, nem qualquer concupiscência neles, se eles andarem espiritualmente; ou que a carne não agirá nem operará neles; ou que eles não praticarão ações pecaminosas; pois tudo isso só é verdade quanto a Cristo; e o contrário pode ser encontrado e observado em Cristãos verdadeiros, embora andem no Espírito; mas [o apóstolo adverte] para que não cumpram ou realizem as concupiscências da carne; eles não devem se entregar inteiramente ao poder e aos ditames da carne, como se estivessem debaixo dela e de seu comando, e não devem ser servos e escravos dela; pois, nesse sentido, apenas, aqueles que são espirituais não se comprometem com o pecado, eles não negociam com o pecado, eles não pecam com frequência ou andam no curso de más conversações.
Verso 17
Porque a carne cobiça contra o Espírito. Por “carne” compreende-se não o sentido carnal ou literal da Escritura, que é a interpretação de Orígenes, como que militando contra o sentido espiritual da coisa; nem a sensualidade do homem rebelando-se contra seus poderes racionais; mas a corrupção da natureza, que ainda permanece nas pessoas regeneradas: e assim é chamada porque é propagada pela descendência segundo a carne; tem por objeto coisas da carne; suas concupiscências e obras são carnais; e embora se assente no coração, mostra-se na carne ou membros do corpo, os quais são usados como instrumentos de injustiça; isso torna e faz com que os homens sejam carnais, mesmo os próprios crentes na medida em que prevalece: por “o Espírito” compreende-se a fonte interna de graça no homem regenerado, e assim é chamado por causa de seu autor, o Espírito de Deus, cujo nome leva, uma vez que Ele é quem executa; e por causa do sujeito do mesmo, a alma, ou espírito, do homem; e por causa de sua natureza, é espiritual, um novo coração e um novo Espírito; os que o recebem são espirituais, eles meditam, saboreiam e deleitam-se nas coisas espirituais: e a razão pela qual um cobiça contra o outro, pois é recíproco, visto o que se segue,
e o Espírito contra a carne; a vontade de um, suas escolhas, desejos e emoções são contrários ao outro; assim, a carne, ou o velho homem, o eu carnal, em pessoas regeneradas, tem vontade, escolhe, deseja, e ama as coisas carnais, que são contrárias ao Espírito ou à fonte de graça na alma; e por outro lado, o Espírito, ou o novo homem, o eu espiritual, tem vontade, escolhe, deseja, aprova, e ama as coisas espirituais, que são contrárias à natureza corrupta; pode-se perceber melhor esse sentido nas versões Orientais. Na versão Siríaca lê-se, “pois a carne deseja aquilo”, ????, “que fere,” ou é contrário “ao Espírito”; e “o Espírito deseja aquilo que fere,” ou é contrário à “carne”; e de maneira semelhante, na versão Arábica lê-se, “pois a carne deseja aquilo que milita contra o Espírito, e o Espírito deseja aquilo que milita contra a carne”; com a qual a versão Etíope concorda, “pois a carne deseja o que o Espírito não deseja, e o Espírito deseja o que a carne não deseja”; a razão disso é sugerida na próxima cláusula:
e estes opõem-se um ao outro; como luz e trevas, fogo e água, ou quaisquer dois opostos nos quais se pode pensar; eles são contrários em sua natureza, em suas ações, e consequências; não há apenas uma repugnância um para com o outro, mas uma guerra, conflito, e combate contínuos se mantém entre eles; a carne é a lei dos membros, ou a força do pecado, que guerreia contra o espírito, a lei na mente, ou contra a força e o poder da fonte de graça; estes são uma companhia de dois exércitos, que podem ser vistos na Sulamita [Cânticos 6:13], lutando um contra o outro. Os judeus dizem algo1acerca da boa e da má imaginação, com o que eles intendem o mesmo sentido, que eles são como Abraão e Ló; e que:
“embora eles sejam irmãos, unidos em um corpo, ?????? ?? ??? ???, são inimigos um do outro”;
daí, segue-se,
para que não façais o que quereis. O que deve ser entendido tanto acerca das coisas más como das boas. Esse último parece ser a acepção principal do apóstolo; uma vez que todo esse texto é um argumento de o porquê aqueles que andam espiritualmente não devem cumprir as concupiscências da carne, pois eles têm uma fonte de graça poderosa neles, o Espírito, ou graça; e embora as concupiscências da carne cobicem contra o Espírito, e se opõem a Ele, ainda assim a graça se levanta contra a carne, e com frequência a impede de fazer suas obras e satisfazer suas concupiscências. Há no homem regenerado uma propensão e uma inclinação para o pecado, um eu carnal, que quer e deseja o pecado, e anseia por uma oportunidade para pecar, que quando se apresenta a carne fortemente a ambiciona; mas o Espírito, ou a fonte interna de graça, se opõe a esse impulso; e como outro Josefo diz: “como posso me comprometer com tamanha perversidade e pecado contra um Deus de tanto amor e graça?”. É uma voz no crente, que, quando é tentado a se desviar para direita ou para esquerda, diz: “esse é o caminho, ande nele e não entrarás pelos caminhos tortuosos com os iníquos”; e assim o pecado não pode ter domínio sobre ele, pois ele está sob a graça como uma fonte soberana; e o velho homem não pode fazer as coisas más que faria, pois está sujeito à graça poderosa. Essa é a ideia principal do apóstolo, que se adequa melhor à argumentação do contexto; mas como a cobiça e oposição desses dois princípios são mútuos e recíprocos, o outro sentido também pode ser aceito; pois muitas vezes, por causa do predomínio da natureza corrompida, e do poder do pecado interior, o homem regenerado pratica o mal que ele não quer, e não pode fazer o bem que ele quer; pois ele quer sempre fazer o bem e nada mais, como os anjos o fazem no Céu; mas ele não pode, por causa dessa fonte oposta, a carne.
Verso 18
Mas, se sois guiados pelo Espírito; isto é, de Deus, que é o guia e líder de Seu povo. Essa é uma metáfora tirada do liderar de pessoas cegas; como que antes da conversão, a quem o Espírito de Deus guia por caminhos desconhecidos, e por veredas em que nunca estiveram: ou do liderar crianças, e do ensiná-las a ir; assim o Espírito conduz as pessoas regeneradas, e as ensina a andar pela fé em Cristo. Esse ato de guiar supõe vida nas pessoas que são guiadas, pois homens mortos não podem ser guiados; o Espírito, primeiro, antes de ser um guia, é um Espírito de vida a partir de Cristo; e também supõe alguma força, apesar de uma boa dose de fraqueza; se não houvesse força espiritual da parte de Cristo, eles não poderiam ser conduzidos; [por outro lado] se não houvesse nenhuma fraqueza, também não haveria necessidade de serem guiados; esse é um exemplo da graça poderosa e eficaz sobre eles, ainda que não seja contrária à vontade deles, pois apesar de serem levados, eles não são forçados; eles vão livremente, sendo guiados, pois há boa razão para isso; pois o Espírito de Deus sempre os guia para seu benefício e proveito, e para seu deleite espiritual, prazer, e conforto de suas almas; ele guia para fora dos caminhos de pecado, e, portanto, da ruína e destruição, e do Monte Sinai, e de toda dependência da justiça moral e legal; Ele guia a Cristo, à Sua Pessoa, para abrigo, segurança e salvação, para Seu sangue, para perdão e purificação, para Sua justiça, para a justificação, e para Sua plenitude, para toda a fonte de graça; Ele guia à Presença de Deus, e à Sua casa e Suas ordenanças; Ele guia ao Pacto da Graça, às bênçãos, às promessas, e ao Mediador delas; Ele guia em toda a verdade em Cristo, nos caminhos da fé e verdade, e nas veredas da justiça e santidade, e sempre no caminho certo, apesar de, às vezes, ser acidentado, à cidade de Sua habitação; Ele guia de graça em graça, e finalmente, para a glória: tudo isso Ele faz gradualmente; Ele guia aos poucos para longe do pecado, para que o homem veja sua participação em Cristo, e aos poucos nas doutrinas do Evangelho, e ao amor eterno das três Pessoas; e proporcionalmente os fortalece, na medida em que são capazes de suportar: agora essas pessoas não têm nada a temer da lei de Deus:
não estais debaixo da lei; tais não estão apenas livres da lei, de fato, mas de suas próprias apreensões; eles têm e experimentam o conhecimento confortante; a lei não mais os aterrorizam; ela não opera a ira neles; eles são salvos do espírito de escravidão do medo, pelo Espírito de Deus, por quem são guiados; eles não estão debaixo da lei, nem dela precisam ser forçados a cumprirem os deveres da lei; eles se deleitam nela, e a servem alegremente, sendo constrangidos pelo amor, e não possuídos de medo; também o peso e as acusações da lei não são mais considerados, e nem devem, por aqueles que são guiados pelo Espírito de Cristo, o fim da lei para a justiça; e eles são completamente livres da maldição da lei e da condenação; eles estão sob o reinado de Cristo; e sob a influência e orientação do Espírito, permanecem em obediência alegre e evangélica.
Verso 19
Porque as obras da carne são manifestas; por “carne” quer-se dizer natureza corrupta, como antes, e por obras da carne, não apenas os atos externos do pecado, mas as concupiscências internas; entre as que aqui são mencionadas estão o “ódio”, a “ira”, “invejas”, etc., e ambos os atos internos e internos são assim chamados, pois brotam da carne, ou a natureza corrupta, e são o que incita e estimula, o que forja, e o que chama os homens para serem carnais: dessas coisas diz-se que são “manifestas”; não que todas e sempre são praticadas publicamente, e à vista dos homens; pois são obras das trevas, e muitas vezes são feitas em segredo, apesar de serem sempre conhecidas por Deus, que sonda os corações; elas serão trazidas à luz no dia do julgamento; em alguma medida sabe-se, à luz da natureza, que são pecado, e especialmente pela lei de Deus; e claramente são contrárias ao Espírito, tanto ao Espírito de Deus, como à fonte de graça que produz no coração; e aqueles que vivem praticando as obras da carne não são guiados por Ele, nem estão sob a influência de Sua graça:
as quais são; embora nem todas sejam mencionadas, apenas algumas das principais, pelas quais pode-se julgar as demais:
adultério; essa não se encontra nas versões Vulgata Latina, Siríaca, e Etíope, e na cópia Alexandrina; é uma profanação do leito conjugal, e é o pecado da impureza cometido por duas pessoas, uma das quais, pelo menos, é casada; é condenado pela lei de Deus e pela luz da natureza;
fornicação; que apesar de não ser considerado pecado por muitos gentios, ou ser um pecado muito pequeno, permanece aqui entre as obras da carne, que são manifestas e devem ser evitadas; é pecado de impureza cometido pelas pessoas solteiras;
impureza; nome geral para tudo que não é virtuoso, em pensamentos, palavras, ou ações; e aqui pode significar, mais especificamente, toda concupiscência anormal, como:
sodomia; autoerotismo, etc.
lascívia; ou licenciosidade, cortejos lascivos, tudo o que leva a atos de impureza ou os satisfaz, como palavras impuras, gestos obscenos, e coisas semelhantes.
Verso 20
Idolatria; que alguns entendem como avareza, que assim é chamada; mas aqui significa a adoração a outros deuses, ou de imagens de escultura;
feitiçaria; qualquer associação real ou pretendida com o demônio, que procura conversar com espíritos de familiares, ou para adquirir conhecimento ilegítimo, ou para causar dano a outras criaturas; que, ao honrar a Satã, rouba de Deus Sua glória, e assim se segue a idolatria; encantamentos, adivinhação, necromancia, e todo tipo de mágica estão aqui incluídos e condenados;
ódio; ódio, no íntimo, a quaisquer pessoas, mesmo contra nossas inimigos, é proibido; no texto original, lê-se “inimizades”: pois a mente carnal nada mais é senão inimizade contra Deus e Cristo, contra a lei e o Evangelho, e contra todos os homens bons, e contra tudo o que é bom;
porfias; ou “contendas”; lutas e brigas, por palavras escandalosas e réprobas, que frequentemente censuramos;
emulações; ou “paixões”; não as boas, mas as más: insurgir e levantar-se com ardor contra a honra e a alegria do outro;
iras; emoções violentas da mente, à procura de vingança, e para causar dano ou prejuízos a outros;
pelejas; contradições e objeções capciosas perpétuas, expressas com palavras, ou maquinações da mente; essas pelejas podem estar no coração dos homens, de acordo com Tiago 3:14;
dissensões; ou “divisões”: separações e facções, dissenções em questões domésticas, civis, e religiosas;
heresias; princípios e dogmas maus, no que diz respeito à doutrina, que são subversivas aos fundamentos do Evangelho e à Religião Cristã; e são produtos das próprias invenções humanas, e fruto de suas escolhas, sem qualquer fundamento na palavra de Deus; e essas são as obras da carne, pois elas surgem da mente corrupta e carnal, e são propagadas com visões carnais, e pelos aplausos do povo, com vantagens mundanas, entregando-se aos desejos da carne.
Verso 21
Invejas; torturas inquietantes e angustiantes da mente, afligindo-se por causa dos bens dos outros, como se ninguém pudesse estar em condição igual ou melhor que a deles mesmos;
homicídios; destruindo a vida dos homens, o que frequentemente é uma consequência dos maus acima;
bebedices; excesso ao beber vinho ou bebida forte, de maneira que o estômago esteja sobrecarregado, a mente intoxicada, e o corpo debilitado e incapaz de cumprir seus deveres; essa é, frequentemente, a fonte de muitos, senão todas, as obras da carne mencionadas anteriormente;
glutonarias; excesso na alimentação, tumultos noturnos para comer, beber, dançar, cantar, com impudicícias e dissoluções. Na versão Siríaca lê-se: ????, “cantorias lascivas”; e na versão Arábica, “músicas”, que fazem parte de orgias noturnas: e coisas como essas que são da mesma natureza e tipo; assim o apóstolo termina a lista, sendo muito tedioso enumerar todas as obras da carne; isso não era necessário, pois por essas pode-se julgar as demais; também poderia não ser tão adequado, uma vez que o coração carnal encontra prazer, e é irrigado, apenas pelo mencionar de coisas más;
e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro; antes que o Juiz venha e o terrível julgamento se suceda, quando todas essas coisas serão feitas manifestas, e todo homem será julgado segundo suas obras: isso o apóstolo lhes declarou, como que lembrando-lhes da natureza má dessas coisas, e assegurando-lhes das más consequências que se seguiriam, se a graça não prevenisse;
como já antes vos disse; quando ele pregou pela primeira vez entre eles, e os advertiu a fugir da ira vindoura; ele então expõe a natureza má dessas coisas, o efeito mortífero delas, e mostra como não há salvação delas, senão por Cristo;
que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus; pelo que se entende a glória celeste, chamada de “reino”, por causa de sua grandeza e magnificência; e “de Deus”, porque é Ele quem o prepara e dá aos que Ele chama de Seus por sua graça, e onde Ele reina e reinará para sempre, e manifestará a glória de Sua majestade: o reino é possuído por meio de herança, que é um legado de nosso Pai celestial, um dom de Sua livre graça, e que não pode ser obtido por obras da lei, ou mérito dos homens; mas que pertence, e é peculiar aos filhos de Deus, que o são pela graça adotiva: agora eles praticam as obras da carne, como enumeradas anteriormente; ou seja, que vivem na prática dessas coisas, cujas vidas são empregadas completamente nessas obras, vivendo e morrendo em tal estado, sem arrependimento para com Deus e fé em Cristo, nunca desfrutarão da vida e alegria eterna. Aqueles que praticam tais coisas, sendo trazidos ao conhecimento de si mesmos, e do sangue e justiça de Cristo para perdão e justificação, para a vida e salvação herdarão, através da livre graça de Deus, e do sacrifício propiciatório de Cristo, o reino e a glória de Deus, não obstante as obras da carne neles.
Verso 22
Mas o fruto do Espírito; não da natureza ou do livre arbítrio do homem, como corrompido pelo pecado, pois nenhum bom fruto pode vir daí; mas da fonte interna de graça, chamada de Espírito, Gálatas 5:17, ou de Espírito Santo, como se lê na versão Etíope; as graças são chamadas de “fruto”, e não “obras”, como as ações da carne, pois elas se devem à eficácia da influência Divina, e generosidade, como os frutos da terra, aos quais se faz alusão; e não ao próprio homem, aos poderes e fontes da natureza; e porque elas surgem de uma semente, a semente incorruptível da graça, que contém todas as graças em si, ou o Espírito bendito, que é a semente que permanece nos crentes; e porque eles as praticam de maneira aceitável perante Deus por meio de Cristo, e são gratos e deleitam-se no próprio Cristo, sendo “seus frutos excelentes”; vindo dEle, seu autor, são também exercidos nEle, sob a influência do Espírito; e porque são muito proveitosos aos que os possuem, pois eles veem a promessa dessa vida e da vindoura anexada nesse fruto; e as boas obras que são praticadas como consequência do fruto, também são proveitosas aos homens: mais uma vez, como as obras da carne são as obras infrutíferas das trevas, e fazem com que os homens sejam infrutíferos, elas não podem ser chamados de frutos, propriamente; este, por sua vez, sendo fruto, e correta e propriamente assim chamado, faz com que os homens sejam frutíferos, e abundem nas coisas Divinas, que são as seguintes:
amor; o apóstolo começa com esse, sendo o amor o cumprimento da lei, o vínculo da perfeição, e sem o qual, a profissão de fé é insignificante; pode ser entendido como o amor a Deus, do qual o coração de todo homem é destituído, tendo inimizade contra Deus até que seja regenerado pelo Espírito de Deus; quando Ele derrama o amor de Deus no coração, amor esse que é o fundamento e a razão do amor verdadeiro dos homens para com Deus: e também do amor a Cristo, que o homem natural não sente até que o Espírito de sabedoria e revelação, no conhecimento de Cristo, abra seus olhos para ver a beleza de Sua Pessoa, a idoneidade de Sua graça, justiça e plenitude, e a necessidade de olhar para Ele para se obter vida e salvação; e de modo semelhante, o amor aos santos, que é estranho ao homem carnal, até que seja renovado pelo Espírito Santo, que ao regenerá-lo, ensina o amor para com os irmãos; e que é a evidência de que ele passou da morte para a vida, por meio do poder soberano da graça. Além disso, amor para com a casa de Deus e à adoração de Deus, para com as verdades e ordenanças do Evangelho, podem ser incluídos nesse primeiro fruto do Espírito; quanto a todas essas coisas, o homem natural tem aversão. O próximo que se segue é:
gozo; mesmo aquele que há no Espírito Santo, e o tem como seu autor. O objeto da alegria é Deus, não como um Deus absoluto, mas como o Deus do pacto e Pai em Cristo; como o Deus da Salvação, vestido do manto da justiça de Seu Filho, e que perdoa a iniquidade, transgressão, e pecado, tendo o sacrifício perfeito sido feito por Cristo; que também é objeto dessa alegria em Sua Pessoa, plenitude, justiça, ofícios, relações, e quando contemplado, abraçado, e desfrutado por meio da comunhão. Esse gozo também é produzido pelo Espírito, está nas coisas espirituais, e surge de uma apreensão ou da esperança da participação nelas, a justificação, perdão, paz, adoção, e glória eterna; e é peculiar àqueles que têm o Espírito, pois um estranho não pode ser desfrutado por estranhos, nem pode formar qualquer juízo acerca dela, visto que é indizível até para o próprio crente. Além disso, alegria pelo bem dos outros, de criaturas e companheiros Cristãos, em sua prosperidade externa e interna, em seu bem temporal, espiritual e eterno, que, por ser uma graça do Espírito, pode muito bem ser entendido como, pelo menos, uma parte do sentido da palavra; uma vez que resulta do amor, e se une a ele, e permanece entre ele e a
paz; que é outro fruto do Espírito: e projeta a paz de Deus na própria consciência do homem, paz produzida pelo Espírito de Deus, como consequência da paz feita pelo sangue de Cristo; e isso através da aplicação do sangue de Cristo para o perdão, e de sua justiça para justificação para a alma de um pecador sensibilizado pelo bendito Espírito, cujo efeito é paz, quietude tranquilidade na mente; também paz com os homens, com os santos, e com todos os outros; pois aqueles que estão sob a obra do Espírito de Deus, e são influenciados e guiados por ele, procuram as coisas que produzem paz e edificação entre os irmãos, e são desejosas se possível para viver pacificamente com todos os homens: daí, surge outra graça neles,
longanimidade; que quer dizer nem tanto a paciência no esperar por coisas boas por vir, por mais graça, e pela glória, através do Espírito; mas o suportar paciente e duradouro dos males do presente com alegria, sendo fortalecidos pelo Espírito, segundo Seu glorioso poder; sendo lentos para irar-se, prontos para perdoar as injúrias, deixar as afrontas, suportar e tolerar uns aos outros: o que normalmente é acompanhado de mansidão, a humanidade, afabilidade, cortesia, demonstrado tanto em palavras, gestos e ações; na imitação da bondade de Cristo, de acordo com a sabedoria, e a doutrina celestial do Evangelho, que, dentre outras coisas, das quais se diz que são gentis, e fáceis de solicitar. Às quais se adiciona a
benignidade, bondade; e o que mais poderia vir do bom Espírito de Deus, o autor da boa obra da graça sobre a alma? E que mostra isso em atos de bondade para com o homem, de modo natural, civil, moral, espiritual e evangélico, para o benefício tanto da alma como do corpo? Essa benignidade deve ser entendida e é agradável a Deus quando praticada no exercício da graça que se segue, a
fé; embora possa significar fidelidade, tanto de palavras como de ações, o que embeleza o Evangelho; ainda assim não se pode excluir a fé em Cristo, como geralmente é interpretado; pois essa fé não é própria do homem, nem todos a têm: é um dom de Deus, uma operação de Seu poder, e a obra de Seu Espírito, por causa do que Ele é chamado de Espírito da fé; e que, portanto, deve ter lugar entre Seus frutos; e que está e se mostra quando [alguém] crê em Cristo para a salvação, ao abraçar as doutrinas do Evangelho, e ao professá-las, o que é chamado de profissão de fé; tudo isso, quando de fato é, vem do Espírito de Deus.
mansidão; submissão e humildade de espírito, do que Cristo é um exemplo eminente e padrão; e que o Espírito Santo transcreve para o coração das pessoas regeneradas; e reside nos pensamentos de si mesmo, no caminhar em humildade com Deus, reconhecendo cada favor, sendo grato por toda bênção, e dependendo de Sua graça, e comportando-se com modéstia e humildade entre os homens. O último fruto do Espírito mencionado é:
temperança; ou “continência”; que produz tanto pureza como sobriedade, e mais especificamente, moderação no comer e no beber. Pode-se observar que o fruto do Espírito se opõe às obras da carne. Assim, o amor se opõe à inimizade, gozo se opõe às emulações e invejas; paz às porfias, pelejas e dissensões; longanimidade, benignidade, bondade e mansidão às iras e homicídios; fé à idolatria, feitiçaria e heresia; e temperança ao adultério, à fornicação, impureza, lascívia, bebedices e glutonarias.
Verso 23
Contra estas coisas não há lei; ou seja, contra tais frutos, graças, e coisas boas; sendo estes perfeitamente agradáveis à lei de Deus, que é santa, justa, e boa, e espiritual; e estão longe de ser proibidas por ela, mas que são altamente estimadas e aprovadas: ou contra pessoas que possuem tais frutos; pois estes parecem estar no Espírito, e parecem ser guiados pelo Espírito; e, portanto, não estão sob a lei, e da lei nada têm a temer, sendo ela uma lei aterrorizante, acusadora, e condenadora. As obras da carne, e aqueles que são da carne, estão sob o chicote da lei, e não têm o fruto do Espírito e não são como os que andam no Espírito, e que são participantes do Seu fruto.
Verso 24
E os que são de Cristo; nem todos, pois alguns que foram escolhidos nEle e por Ele, ainda não se converteram, eles são dados pelo Pai a Cristo por causa do Pacto, eles foram comprados pelo sangue de Cristo, e são considerados Seu povo, Seu rebanho, e Seus filhos, apesar de ainda não terem sido chamados por Sua graça; desses, ainda, o que se segue não se pode dizer e, portanto, se refere apenas aos que publicamente são de Cristo, a quem Ele possui como Seu próprio [povo] no chamado eficaz, eles têm Seu Espírito como um espírito de regeneração e santificação, e verdadeiramente creem em Cristo, e desistiram de si mesmos.
crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Por carne, quer-se dizer não o corpo natural, que será mortificado, e afligido com jejuns e vigílias, etc., mas a corrupção da natureza, o velho homem e o coração de carnal. Na versão Latina, lê-se: “sua própria carne”; e assim também as versões Siríaca e Etíope; sua preocupação [do velho homem] é consigo mesmo, e não com as corrupções, paixões e concupiscências dos outros. Por “as paixões e concupiscências” quer-se dizer não as afeições naturais e paixões da alma com seus desejos; mas suas afeições desordenadas e infames, suas inclinações corruptas, vontades malignas, e cobiças enganosas; tudo isso foi crucificado, primeiro, “com Cristo”, como se lê na versão Arábica; veja Romanos 6:6, e que foram abolidas, aniquiladas, e destruídas pelo sacrifício de Cristo, de modo que o poder dessas coisas para condenar Seu povo, se foi. E, por causa dessa crucificação do corpo do pecado, com Cristo na cruz, quando Ele terminou e deu fim ao mesmo, o pecado, com suas paixões e concupiscências, é crucificado pelo Espírito de Deus na regeneração e santificação; de modo que perde seu poder para governar, e não tem mais domínio de antes: a carne, ou a natureza corrompida, com suas afeições malignas, e concupiscências carnais, ainda existem e estão vivas; como uma pessoa presa na cruz pode estar viva, embora não possa agir e mover como antes, assim é o velho homem, embora crucificado, e restringido pela graça soberana, não pode reinar e governar como antes, mas ainda está vivo, e age e opera, e frequentemente tem grande influência; mas apesar disso, está despojado de seu poder para governar, está crucificado: e embora esse ato é atribuído àqueles que são de Cristo, ainda assim não é praticado por eles em sua própria força, pois não são capazes de lidar com a corrupção, mas pela influência da graça de Cristo, e através do poder de seu Espírito; veja Romanos 8:13.
Verso 25
Se vivemos em Espírito; ou “pelo Espírito”, como todos os que estão espiritualmente vivos. O pecado não trouxe apenas a morte física aos homens, e os fez passíveis de morrerem eternamente, mas também introduziu sobre eles a morte espiritual, ou moral; eles estão mortos em pecados e delitos, e não podem salvar-se, e nenhuma outra criatura pode dar-lhes vida; nem os ministros da palavra, nem os anjos no Céu, somente o bendito Espírito que é o espírito de vida de Cristo; que faz morada neles e os livra da lei do pecado e da morte, e neles implanta uma fonte de vida espiritual, e pelo qual eles vivem uma vida de fé em Cristo, de santidade nEle, e comunhão com Ele: o apóstolo faz uso dessas palavras como um argumento para que os crentes andem segundo o Espírito:
andemos também em Espírito. Ou “pelo Espírito”; por meio de Sua ajuda e assistência, de acordo com a regra de Sua Palavra, e sob Sua influência e direção como guia, como antes já nos aconselhara em Gálatas 5:18.
Verso 26
Não sejamos cobiçosos de vanglórias; ambicionando ser mais sábio, e rico, e mais valorizado pelos outros; ou tendo preeminência em todas as questões, tendo honra, estima, e aplauso dos homens: essas coisas podem muito bem ser chamadas de vanglórias, uma vez que são coisas exteriores, como sabedoria, riqueza, força e honra, e sabendo que Deus pode tirá-las facilmente e, portanto, é senão por um tempo, e logo se vai, e fica apenas na memória dos homens.
provocando-nos uns aos outros; [tradução literal] não às boas obras, o que seria correto, mas ao ódio e à ira, o que é contrário à caridade Cristã, ou ao amor verdadeiro; que, não pode se irritar facilmente, nem provocar outros às coisas ruins. Na versão Siríaca, lê-se: ?????, “desprezando”, ou “menosprezando uns aos outros”; e na versão Arábica: “insultando uns aos outros”; vícios aos quais os homens, e mesmo os Cristãos na mesma comunhão, são propensos.
invejando-nos uns aos outros. Seus dons e habilidades, naturais e espirituais; sua posição no mundo, ou na igreja. Esses eram os pecados aos quais os gálatas muito provavelmente se sujeitavam; e onde [esses pecados] prevaleciam, havia confusão, e todo tipo de más obras e, portanto, eles deviam vigiar e se resguardar.
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Nota
[1] Tzeror, Hammor, fol. 15. 3.
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