Por F. Solano Portela Neto.
A Pena de Morte é um assunto atual. A sua Validade é discutida em todos os
setores da sociedade. À medida em que aumenta a incidência dos crimes
violentos vemos alguns setores movimentando-se para que a Pena Capital seja
instaurada em nosso sistema judiciário. Mas o que diz a Bíblia sobre este
tema? Qual deve ser a posição do servo de Deus, perante assunto tão
controvertido? Poderíamos começar o nosso exame fazendo uma ligeira verificação
do que a Bíblia tem a dizer sobre crimes e punições.
Crimes e Punições na Palavra de Deus
Podemos aprender bastante com os princípios que norteavam o tratamento que a Bíblia
dá aos crimes e punições. Vejamos, mesmo superficialmente, alguns destes
princípios:
Na Bíblia não existe a provisão para cadeias, nem como instrumento de punição
nem como meio de reabilitação. A cadeia era apenas um local onde o criminoso
era colocado até que se efetivasse o julgamento devido. Em Números 15:34
lemos: “...e o puseram em guarda; porquanto não estava declarado o que se lhe
devia fazer...”
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Desta forma, não encontramos, na Palavra de Deus, o conceito de enclausuramento
como remédio, ou a perspectiva de reabilitação através de longas penas na
prisão e, muito menos, a questão de “proteção da sociedade” através da
segregação do indivíduo que nela não se integra, ou que contra ela age.
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O princípio que encontramos na Bíblia é o da restituição. Em Levítico
24:21 lemos, “...quem pois matar um animal restitui-lo-á, mas quem matar um
homem assim lhe fará.” A restituição ou retribuição, era sempre
proporcional ao crime cometido.
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Para casos de roubo, a Lei Civil Bíblica prescreve a restituição múltipla.
Vejamos em Êxodo 22:4 “...se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi,
seja jumento, ou ovelha, pagará o dobro.”
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Nos casos de roubo de propriedade que representa o ganha pão ou meio de subsistência
do prejudicado, a Bíblia prescreve a restituição de quatro ou cinco vezes o
que foi roubado. Assim lemos em Êxodo 22:1 “...se alguém furtar boi ou
ovelha e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha
quatro ovelhas.”
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Em todas as instâncias o direito de cada um de defesa de sua propriedade era um
direito concedido e salvaguardado, como vemos em Êxodo 22:2: “...se o ladrão
for achado a minar e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do
sangue.”
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Aqueles que roubavam alimentos para satisfazer a fome, deviam ser tratados com
clemência, mas mesmo assim, persistia a obrigação de restituir sete vezes o
alimento que furtou do legítimo dono, uma vez que a própria constituição da
sociedade já possuía a provisão para atendimento aos carentes, tornando
desnecessário o furto, como vemos em Deuteronômio 24:19 a 21. Desta forma
lemos em Prov. 6:30, 31: “...não se injuria o ladrão quando furta para
saciar sua alma, tendo fome; mas encontrado, pagará sete vezes tanto: dará
toda a fazenda da sua casa...”
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Vemos então que apenas um exame superficial das diretrizes bíblicas e um
confronto destas com as opiniões que agora surgem, mostra a sabedoria ali
encontrada. Já há milênios antes de Cristo a Bíblia determinava punições
pecuniárias, que o homem, a ela hoje chega, baseado na constatação empírica
de que outras medidas não funcionam. Com efeito os encarceramentos prolongados,
hoje aplicados não produzem reabilitações, não são bem sucedidos em
conservar o criminoso fora de ação e as prisões constituem-se, na realidade,
em verdadeiras fábricas de criminosos piores e mais violentos.
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O sistema bíblico de punição pecuniária é destinado a tornar o crime uma
atividade não lucrativa. No que diz respeito àqueles criminosos que se
recusavam a obedecer as autoridades constituídas, a sentença é a pena de
morte. Lemos isto em Deuteronômio 17:12: “...o homem pois que se houver
soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao
Senhor teu Deus, nem ao juiz, o tal homem morrerá e tirarás o mal de
Israel.”
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Isto equivale a dizer que a condição de reabilitação na sociedade, para o
criminoso primário, era total e absoluta. Ele, pagando a indenização devida,
estava pronto a se reintegrar na sociedade atingida pelos seus desmandos, que não
deveria discriminá-lo de nenhuma forma, pois restituição havia sido
efetivada.
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Por outro lado, havia aqueles que se recusavam a obedecer, reincidindo no
caminho do crime. A Bíblia reconhece a necessidade de proteger a sociedade
desses elementos, mas não através de uma forma pseudo-humanitária somente
onerosa, imperfeita e impossível de produzir resultados. O sistema encontrado
na Bíblia apresenta a efetivação desta proteção de uma forma radical, mas
destinada a produzir frutos permanentes e a gerar a paz e a tranqüilidade em
uma sociedade. Além disso, poderíamos falar no efeito didático, que a aplicação
coerente e sistemática desta pena teria nos reincidentes em potencial.
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Que diferença encontramos na filosofia e no sistema empregado generalizadamente
nos dias atuais! O crime prospera porque é lucrativo e porque corre impune,
sendo isso também uma conseqüência da falta de adequação das penas impostas
aos crimes cometidos.
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Obviamente não há a possibilidade da aplicação direta e total das Leis Civis
prescritas por Deus ao estado teocrático de Israel, na sociedade atual. Nem
podemos advocar a aplicação da Pena de Morte para todas as situações
temporais prescritas na Lei Mosaica (como por exemplo: pela quebra do sábado),
pois destinavam-se a uma nação específica, dentro de específicas circunstâncias,
e com propósitos definidos, da parte de Deus.
Muitos dos princípios encontrados, naquela sociedade agrária, entretanto, são
eternos e válidos até os dias de hoje e merecedores do nosso exame e estudo.
Juristas cristãos muito poderiam contribuir para um aprofundamento deste tema.
Neste estágio, nosso exame do assunto torna-se difícil, sem uma análise maior
do significado da Lei de Deus, o que passamos a fazer:
O Que É a Lei de Deus?
Deus proferiu e revelou diversas determinações e deveres para o homem, em
diferentes épocas na história da humanidade. Sua vontade para o homem,
constitui a sua Lei e ela representa o que é de melhor para os seus. Quando
estudamos a Lei de Deus, mais detalhadamente, devemos, entretanto, discernir os
diversos aspectos, apresentados na Bíblia, desta lei. Muitos mal-entendidos e
doutrinas erradas podem ser evitadas, se possuirmos a visão bíblica do
assunto.
Nossa convicção é a de que podemos dividir a Lei de Deus em três áreas:
Os Três Aspectos da Lei de Deus:
A Lei Civil ou Judicial—Representa a legislação dada à sociedade ou ao
estado de Israel, por exemplo: os crimes contra a propriedade e suas respectivas
punições.
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A Lei Religiosa ou Cerimonial—Esta representa a legislação levítica do
Velho Testamento, por exemplo: os sacrifícios e todo aquele simbolismo
cerimonial.
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A Lei Moral—Representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito
ao seu comportamento e aos seus deveres principais.
Toda a Lei É Aplicável aos Nossos Dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
A Lei Civil: Tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático
de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Os
Sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não
conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
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A Lei Religiosa: Tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e
apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi
cumprida com Sua vinda. Os Sabatistas erram ao querer aplicar parte dela nos
dias de hoje e ao misturá-la com a Lei Civil.
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A Lei Moral: Tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres,
revelando suas carências e auxiliando-o a discernir o bem do mal. Como tal, é
aplicável em todas as épocas e ocasiões. Os Sabatistas acertam ao considerá-la
válida, porém erram ao confundi-la e ao misturá-la com as duas outras,
prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.
Estamos Sob a Lei ou Sob a Graça de Deus?
Muitas interpretações erradas podem surgir de um falho entendimento das
declarações bíblicas de que “não estamos sob a lei mas sob a graça”
(Romanos 6:14). Se considerarmos que os três aspectos apresentados da lei de
Deus são distinções bíblicas, podemos afirmar:
Não Estamos Sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da Graça de Deus, em
que o Evangelho atinge todos os povos, raças tribos e nações.
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Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi
cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças
cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do Evangelho de Cristo, com acesso
direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
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Não Estamos Sob a Condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo
seu sangue, mas nos achamos cobertos por sua graça.
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Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
Estamos Sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a
soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso
semelhante.
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Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez
Mandamentos, representa a trilha traçada por Deus no processo de santificação,
efetivado pelo Espírito Santo em nossas pessoas (João 14:15). Nos dois últimos
aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua Graça,
representando a objetiva e proposicional revelação de Sua vontade.
Vemos então, que qualquer tentativa de descartar as considerações bíblicas e
um estudo mais profundo da Pena de Morte, com a alegação — "Ah, esta
foi uma determinação para o tempo da Lei, e nós estamos agora sob a graça...”
constitui-se em uma afirmação prematura e sem significado, pois não leva em
consideração os diversos aspectos e nuanças da Lei de Deus.
A Lei Moral, Antes dos Dez Mandamentos
A Lei Moral de Deus, constituindo a sua vontade permanente para o homem, e
estabelecendo as obrigações e deveres, do homem para com Deus e do homem para
com o seu semelhante, foi revelada em diversas ocasiões, mesmo antes da
codificação mosaica.
Considerando os três aspectos da Lei e a sua aplicabilidade, vemos que as
determinações de Deus ao homem proferidas antes da legislação mosaica (como
por exemplo: Gn 9:6) possuem considerável significado para nós, pois
certamente não fazem parte nem da lei civil de Israel (que ainda não existia
como nação), nem da lei religiosa daquele povo (que ainda não havia sido
emitida de forma codificada e sistemática). Como exemplo, verificamos que datam
deste período os primeiros registros do dízimo, sendo este um dos principais
argumentos para a sua utilização nos nossos dias, ou seja, ele não estava
somente entrelaçado à legislação civil ou religiosa da nação de Israel. As
determinações deste período que não dizem respeito a procedimentos ou práticas
cerimoniais religiosas, são expressões puras da Lei Moral de Deus,
representando a vontade deste, em todos os tempos, para todas as criaturas.
A Pena de Morte foi instituída por Deus neste período. Foi comandada a Noé e
a seus descendentes, antes das Leis Civis ou Judiciais, numa inferência de sua
aplicabilidade universal. A Pena Capital foi instituída por Deus e não pelo
homem. Sua instituição se deu não porque Deus desse pouca validade à vida do
homem, mas exatamente porque Ele considerava esta vida extremamente importante.
Desta forma, perdia o direito à sua própria vida qualquer um que ousasse
atentar contra a criatura formada à imagem e semelhança do seu Criador. Esta
foi a base da instituição da pena de morte, em Gênesis 9:6, enraizada na Lei
Moral de Deus, como um reforço à sua determinação: não matarás. Esta mesma
santidade de vida, encontraria reflexo posteriormente na codificação da Lei
Moral de Deus, ou seja, no 6º Mandamento.
As Tábuas da Lei
Na dádiva das “Tábuas da Lei”, ou seja nos Dez Mandamentos (Ex 20:1-13),
Deus resumiu a sua Lei Moral apresentando-a formalmente, e registrando-a,
sucinta e objetivamente, para o benefício do seu povo.
É interessante atentar para o contexto histórico da ocasião. Foi a primeira
vez que Deus falou coletivamente ao Seu Povo. Existiram inúmeras preparações
necessárias para ouvi-lo, relatadas a partir do capítulo 19. O temor do povo
perante a santidade de Deus era impressionante! Após ouvi-lo inicialmente, o
povo suplicou a Moisés que intermediasse este contato com Deus, tamanho era o
temor. O incidente da dádiva da Lei., e os acontecimentos que se seguiram,
evidenciam a fragilidade do Povo de Deus e do Homem, em geral. Após tal
demonstração de poder e santidade, logo se esqueceram de suas obrigações e,
mal agradecidamente, caíram em idolatria. Isto mostra o desprezo do homem, caído,
pela Lei.
Os Dez Mandamentos estabelecem obrigações e limites para o Homem. O seu estudo
aprofundado mostra a sabedoria infinita de Deus, bem assim como a harmonia
reinante em Sua Palavra. Revela também nossa insignificância perante Ele,
nossa dependência e necessidade de redenção, em virtude do nosso pecado. O
Homem pecou em Adão e desde então é incapaz de cumprir a Lei de Deus.
Os Dez Mandamentos, reforçam nossas obrigações para com os nossos
semelhantes, em todos os sentidos. Entre estas obrigações, está a de
preservarmos a vida desses. Inferimos, também, que as sanções divinas, sobre
a quebra destes mandamentos, carregam o peso e a importância anteriormente
ordenadas por Deus.
Jesus Cristo e os Dez Mandamentos
Jesus Cristo demonstra sua afirmação de que não veio para anular, ou abolir,
a Lei, mas sim para cumpri-la, no incidente com o Jovem Rico, em Mateus 19:16-26
e em Marcos 10:17-22:
O jovem apresentou-se como tendo cumprido todos os mandamentos, mas mesmo assim
inquiria como alcançar a vida eterna.
-
Jesus começou perguntando sobre os últimos 6 mandamentos, um a um... (nossas
obrigações para com os nossos semelhantes).
-
Ele respondeu que tudo aquilo havia cumprido.
-
Jesus, entretanto, não chegou a enunciar o último mandamento (Não cobiçarás...).
-
Em vez disso colocou um teste prático sobre a cobiça, mandando que ele
vendesse tudo o que tinha e distribuísse com os pobres.
-
Nesse momento ele evidenciou a cobiça existente no seu coração e retirou-se
triste, mostrando que não cumprira nem o primeiro mandamento, pois amava algo,
mais do que a Deus.
-
Note que Jesus, nunca aventou a possibilidade de que aquelas obrigações eram
hipotéticas ou superadas pela “nova dispensação”, ou de que o Jovem Rico
não estava mais “sob a Lei Moral de Deus, mas sob a Graça.” Em vez disso,
Cristo derrotou o argumento dentro da própria obrigação que o jovem possuía,
de cumprir a lei, demonstrando que sua alegação de cumprimento era falsa.
Consideramos, desta forma, a Lei Moral de Deus válida para nossa época. A
santidade da vida do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, contida
nesta Lei, ainda subsiste. Subsistem, consequentemente, as sanções à retirada
desta vida, ou seja a aplicação da Pena de Morte não foi revogada, como
estamos ainda a demonstrar.
O 6º Mandamento e a Pena de Morte
Muitos tentam encontrar no 6º Mandamento uma proibição à aplicação da Pena
de Morte, dizendo que o “Não matarás”, proibiria qualquer execução. O
argumento é curioso, porque via de regra é aplicado justamente por aqueles que
negam a validade da Lei Moral de Deus para os nossos dias, mas utilizam esta
mesma lei quando lhes é conveniente. Nosso entendimento, é de que,
precisamente o sexto mandamento, reforça a aplicação da Pena de Morte, ou
seja, ele não é, em momento algum, uma proibição à aplicação da Pena de
Morte.
Este mandamento (Ex. 20:13) enfatiza a santidade da vida. O que temos aqui, é
Deus dando uma determinação bastante objetiva, proibindo o assassinato (“Não
Matarás”, significa, linguisticamente: não cometerás assassinato ), ou
seja: nenhum indivíduo tem o direito de tirar a vida de outro. Não se aplica,
portanto, aos governos constituídos que, exercitando o mandato e a autoridade
concedida por Deus, passassem a aplicar a justiça e a reforçar o sexto
mandamento, com a aplicação da Pena de Morte. A Lei Civil de Israel,
prescrevia a Pena de Morte em várias instâncias e ocasiões e nenhum profeta
ou servo de Deus aventou a possibilidade de que estas leis civis, também dadas
por Deus, estivessem contrárias ao sexto mandamento.
A santidade da vida é uma determinação divina. Por inferência, todas as ações
que prejudiquem a integridade física do próximo, são passos preliminares no
atentado à vida e constituem quebra do 6º Mandamento.
A visão bíblica da santidade da vida, encontrada neste Mandamento e em outras
passagens da Palavra de Deus, contrasta com os costumes dos povos pagãos
daquela época, que rodeavam a nação de Israel, onde a vida humana era algo
sem consideração ou valor, ao ponto de muitas cerimônias religiosas
prescreverem o sacrifício humano, de forma banal e corriqueira. Como vimos
anteriormente, a Bíblia diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, sendo esta uma das principais razões por que sua vida deve ser respeitada
(Gen 9:6). Hoje em dia, observamos cada vez mais uma vulgarização da vida, com
o aumento gradativo da criminalidade e da impunidade que assola a nossa
sociedade.
O Princípio da Retribuição
Voltando ao aspecto da Lei Civil de Israel, dos crimes e de suas punições,
dissemos que a não aplicabilidade da Lei Civil aos nossos dias não deveria nos
isentar de pesquisarmos os princípios por trás daquela legislação.
Verificamos, assim, que um dos princípios básicos nas punições, era o da
retribuição.
A Pena de Morte, estabelecida por Deus previamente à Lei Civil, obedece a este
princípio da retribuição. No detalhamento da Lei Civil ou Judicial, do Estado
de Israel, aprendemos também que a execução desta sentença não foi dada
desqualificadamente a indivíduos ou organizações fora do governo constituído.
Estes não possuem nenhum direito sobre a vida de quem quer que seja, por mais
legítima que venham a parecer as causas ou razões. A prova disto é a própria
instituição das Cidades de Refúgio, estabelecidas por Deus em Números
35:9-34. Nestas cidades, até os assassinos confessos e declarados mereciam
proteção temporária da fúria vingativa dos parentes próximos das pessoas
assassinadas, pois o direito de fazer pagar a vida com a vida não havia sido
delegado indiscriminadamente aos parentes ou aos amigos, mas a instituição do
governo e somente após o julgamento devido. Naquela ocasião, o parente próximo
poderia até ser o executor, mas não recebia sanção para cometer injustiça.
Por estes princípios, o crente deve ser contra os grupos de extermínio, os
chamados vigilantes, e contra os linchamentos. Estes, dando a aparência de
execução de justiça, promovem na realidade a anarquia e a desconsideração
pela vida, eliminando a possibilidade de verificação isenta dos fatos e dos
possíveis crimes cometidos. Estes grupos de pessoas quebram, na realidade, o
sexto mandamento, e agem contra o princípio de santidade da vida, ali
estabelecido.
Os argumentos pragmáticos, contra a pena de morte, por mais aparentemente
verdadeiros que sejam, tais como: “..os nossos governos e governantes são
imorais e não podem praticar a justiça, nem receber esta delegação...”, não
podem se sobrepor às determinações de Deus. Por mais ilegítimos que sejam os
governos, estas determinações de Deus permanecem legítimas. Os governantes de
Israel nem sempre foram justos, corretos e tementes a Deus. Na realidade, em sua
maioria, desrespeitaram abertamente a Deus e a suas Leis, abraçando a
idolatria. Nunca, entretanto, encontramos qualquer profeta indicando: --”Vamos
dar um tempo e suspender as aplicações da Lei de Deus, até que um governo bom
e justo venha a se instalar em nosso país...” Pelo contrário, a mensagem
profética era sempre no sentido de chamar os governantes à obediência destas
mesmas leis. Ao defendermos algo que é determinado por Deus, devemos ter
coragem e ousadia, mesmo caminhando contra a corrente e pensamentos modernos,
talvez politicamente “corretos”, mas que apresentam soluções estranhas aos
parâmetros de justiça de Deus.
1. Confissão de Fé de Westminster (1643-1649):
Aqueles que abraçam os ideais Presbiterianos e a interpretação Calvinista das
Sagradas Escrituras, na crença de que ela faz justiça à Revelação de Deus
para o Homem, e de que representa uma das melhores formas de sistematização
das verdades bíblicas, freqüentemente “esquecem” de consultar a nossa
Confissão, sobre estes temas polêmicos e atuais. A verdade é que a Confissão
não silencia quanto ao assunto da Pena de Morte. Ela é na realidade bastante
específica. Não podemos simplesmente descartar o assunto como sendo apenas
“um reflexo histórico” da Igreja. O que temos na Confissão, na realidade,
é o reflexo do que os teólogos, que a formularam, acreditavam expressar da
forma mais exata possível os ensinamentos da Palavra de Deus. Muitas vezes, as
convicções bíblicas registradas na Confissão de Fé, foram colocadas em
contradição ao contexto histórico em que estavam vivendo aqueles servos de
Deus.
No capítulo XXIII da Confissão de Fé, intitulado “Do Magistrado Civil”,
encontramos a referência ao governo civil, e de que Deus os “...armou com o
poder da espada” para atuação em quatro áreas:
a. para defesa dos bons,
b. para incentivo dos bons,
c. para castigo dos malfeitores,
d. para fazer licitamente a guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.
Da mesma forma que a execução de uma guerra implica em mortes, é óbvio que a
utilização da espada, no castigo dos malfeitores, implica na pena de morte,
dentro dos limites de utilização e de autoridade delegada e traçada por Deus.
2. Catecismo Maior (Perguntas 135 e 136)
O Catecismo Maior é uma extensão da Confissão de Fé e nos ajuda em sua
interpretação. Ele foi formado com a finalidade didática de ensinar as
doutrinas expostas na Confissão de Fé, seguindo aproximadamente o mesmo
roteiro e desenvolvimento. Nas perguntas Nº 135 e 136, e suas respectivas
respostas, encontramos afirmações que não deixam margens a dúvidas, que
aqueles teólogos consideravam a Pena de Morte bíblica e aplicável. Estavam
isentos e imunes dos argumentos humanistas que posteriormente viriam a permear
as convicções éticas, práticas e teológicas do mundo evangélico. Ali
lemos:
Pergunta 135--Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento?
Resposta: ...todo o cuidado e todos os esforços para preservar a nossa vida e a
de outros.
Pergunta 136--Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento?
Resposta: ...o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto:
a. no caso da justiça pública,
b. no caso de guerra legítima,
c. no caso de defesa necessária.
Sem sombra de dúvida, temos que reconhecer que a nossa Confissão de Fé
considera a Justiça Pública, como sendo a legítima aplicadora da Pena
Capital, pelos padrões bíblicos de justiça, visando a santidade e a preservação,
em última análise, da vida dos cidadãos.
A Pena de Morte no Novo Testamento
Nossa convicção é de que a imutabilidade de Deus e de seus preceitos e
desejos para o homem estabelecem uma harmonia e não uma dissociação e divisão
entre o Velho e o Novo Testamento. Os contrastes traçados por Jesus, no Sermão
da Montanha (“...ouvistes o que foi dito aos antigos...”) é muito mais um
contraste entre a tradição dos anciãos e a verdadeira interpretação da
Palavra do Deus, do que entre as determinações do Velho e as do Novo
Testamento. Em muitos casos, Jesus amplia as prescrições e o significado das
determinações do Velho Testamento, mas não as revoga. No Novo Testamento
encontramos não a revogação da Lei Religiosa, mas sim a sua complementação
e término de sua finalidade em Cristo. Encontramos não a revogação da Lei
Civil de Israel, mas sim o registro de uma nação fragmentada, sob o domínio
de outra nação e de outras leis, e a determinação profética da dissolução
desta mesma nação. Quanto à Lei Moral, encontramos na realidade, afirmações
de apoio e exortação da parte de Jesus, e nos demais livros, para o seu
cumprimento e manutenção, como expressão maior do nosso amor para com Deus
(“...se me amardes, guardareis os meus mandamentos...”).
No caso específico da Pena de Morte, temos alguns registros, onde o assunto é
mencionado, não havendo indicação de que os pontos básicos de justiça
divina tivessem agora sido modificados, para a nossa era. Vamos ver alguns
destes trechos:
1. Mateus 26:52—Jesus disse: “...todos os que lançarem mão da espada, pela
espada morrerão.” Parece ser um reconhecimento tácito da legitimidade de
aplicação da Pena Capital, como justa punição aos que vivem pela violência
e desrespeito à vida.
-
2. João 19:11—“...nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse
dado...” Jesus reconhece que o poder de Pilatos de tirar a vida, vem do alto.
Ele não contesta este poder, mas o considera legitimo, ainda que aplicado
ilegitimamente, no caso de Jesus, e talvez desproporcionalmente aos parâmetros
bíblicos, no caso de outras execuções.
-
3. Atos 25:11—Paulo, na sua defesa perante Festo, disse: “Se eu cometi algum
erro e fiz qualquer coisa digna de morte, não recuso morrer.” Verifique que:
a. Paulo reconhece que existiam crimes dignos de morte,
b. Paulo informa que não ofereceria resistência ao recebimento da Pena de
Morte,
c. Paulo, implicitamente, reconhece que alguma autoridade possuía o direito de
condenar alguém à morte.
(John Murray, Principles of Conduct, pp. 120,121)
4. Romanos 1:32—“...que são dignos de morte, os que tais coisas
praticam...” Paulo reconhece que existem pessoas “dignas de morte”
dependendo dos atos praticados.
5. Romanos 13:1 e versículos seguintes—O conhecido trecho, que especifica as
obrigações do governo, já tratado na abordagem dada pela Confissão de Fé,
coloca claramente a espada nas mãos do Governo, como instrumento legítimo de
punição. -
6. 1 Pedro 2:13-14: “...sujeitai-vos à toda ordenação humana...” Os
governos recebem a autoridade das mãos de Deus. Devemos clamar contra as
injustiças, mas não recebemos sanção para considera-los ilegítimos
aplicadores da justiça, por mais distanciados que estejam de Deus. Não
recebemos sanção, de igual modo, para desobedecê-los, mesmo quando são
injustos ( “...sujeitai-vos não somente aos bons e humanos, mas também aos
maus...”—1 Pedro 2:18), a não ser quando nos impelem a que desobedeçamos
às próprias determinações de Deus. Neste caso, devemos agir e responder como
o próprio Pedro em Atos 5:29: “Mais importa obedecer a Deus, do que aos
homens.” -
7. Apocalipse 13:10--”Se alguém matar à espada, necessário é que à espada
seja morto.” Em harmonia com a afirmação de Cristo, em Mateus 26:52, numa
inferência de que o princípio de justiça da retribuição, continua válido
no Novo Testamento.
Semelhantemente ao verificado no Velho Testamento, as determinações eternas de
Deus não estavam atreladas à bondade ou não dos governos temporais. O governo
do contexto do Novo Testamento era bastante injusto, ruim e primitivo, mas mesmo
assim a legitimidade dos governos não foi retirada.
Existem Situações, na Bíblia, em Que a Pena de Morte Foi Comutada?
Alguns dizem que em duas instâncias na Palavra de Deus a Pena de Morte foi
comutada, portanto a vontade de Deus seria a sua não aplicabilidade. Não
concordamos com esta conclusão. Vejamos os dois casos:
O caso do adultério de David. O que podemos concluir é que Deus lidou pessoal
e especificamente com a questão, a punição a ser aplicada seria,
consequentemente, sua prerrogativa, independentemente de qualquer legislação,
diga-se de passagem, dada pelo próprio Deus, para uma aplicação generalizada.
-
O caso da mulher adúltera (João 7:53-8:11). Sem entrar na polêmica da
contestação textual da passagem, o que vemos é que Jesus chamou para si a
administração da questão, exercitando suas prerrogativas de perdão, e não
permitiu um processo indevido sem testemunhas. Isto não significa uma rejeição
da pena em si. Além do mais, é uma passagem histórica e não prescritiva.
Apresentamos algumas opiniões de vários teólogos sobre aspectos diversos da
Pena Capital:
1. “O ponto focal da discussão, do ponto de vista do crente, não é se a
pena de morte serve ou não para diminuição da criminalidade. Deus não a
instituiu apenas para ser um “freio” com relação aos crimes. Ele a comanda
porque a vida humana é sagrada. A vida é de Sua propriedade e o poder de
tira-la pertence a Ele. Quando uma pessoa tira a vida de alguém ele está
assumindo o lugar de Deus...Quando as pessoas se opõem à Pena de Morte com
bases “humanitárias”, estão na realidade minimizando a Deus e Seus
Mandamentos, sujeitando-O ao raciocínio humano. Estes degradam a vida, pois não
a consideram tão sagrada quanto Deus a considera. Não vêem o crime do ponto
de vista de Deus.” (Norman Olson, Confident Living, July/August 1988).
2. Ocorre, entretanto, que Deus também intencionou a pena de morte também como
um fator na diminuição da criminalidade. Veja Deut. 21:21 (...o apedrejarão...
e tirarás o mal do meio de ti, para que todo Israel o veja e o tema), Deut
19:20, Josué 7:25 e Num 15:36.
3. O argumento (não calvinista) de que a pena de morte não pode ser advocada
pelo crente, porque o condenado assim perde a “chance” de ser atingido pelo
evangelho e salvo, é uma falácia. Apenas para registrar a posição ilógica
desta colocação, veja dois contra-argumentos, baseados nas mesmas premissas:
a. Muitos condenados seriam atingidos exatamente porque são confrontados com a
morte e não vêem escapatória...
b. Considerando que muitos dos criminosos, por não serem executados, voltam às
ruas para matar, o que dizer das vítimas inocentes, que morrerão sem terem
tido a “chance” de serem atingidas pelo evangelho, porque aquele criminoso
havia-lhes tirado, prematuramente, as vidas?
4. “A Lei antiga do oriente prescrevia a Pena de Morte para crimes contra a
propriedade, mas no Velho Testamento nenhum crime contra a propriedade é
merecedor da pena capital. Mais uma vez, o ponto focal é o de que a vida é
sagrada, não as coisas são sagradas. Qualquer que pretendesse destruir a
qualidade sagrada da vida cometia uma ofensa capital contra Deus.” (Walter
Kaiser Jr., Old Testament Ethics.)
5. “Depois do julgamento de Deus, aplicando a pena capital contra a sociedade
humana, pelo dilúvio, Deus manifestou sua graça na efetivação de provisões
para a conservação e promoção da vida, como uma antítese à morte.
Estas provisões são exemplificadas em três instituições:
a. A propagação da vida: Gênesis 9:1-7,
b. A sustentação da vida: Gênesis 8:22; 9:2b,3,
c. A proteção da vida: Gênesis 9: 2a, 5, 6 - (John Murray, Principles of
Conduct )
6. “Quando Deus diz que ele requererá a punição dos animais quando violarem
a vida de um homem, Ele nos dá isto como um exemplo. Se, tomando o lado do
homem, Ele se enfurece contra a criatura bruta, apressadas por uma impetuosidade
de alimentação, em cair sobre o homem, o que será de um homem que, injusta e
cruelmente, contrariando o sentido da natureza, ataca um de seus irmãos?”
(Calvino, Comentário em Gênesis 5:9).
7. “A pena de morte pertence apenas a Deus e ao Estado, não está disponível
para indivíduos, grupos de vigilantes, ou para a família (”para o matar não
alcançarás misericórdia...”) (Walter Kaiser Jr., Old Testament Ethics.)
A defesa da Pena de Morte, contra assassinatos, baseada nos princípios e
determinações, inicialmente expostas em Gênesis 9, é uma atitude coerente
com o horror à violência demonstrado na Palavra de Deus. A Bíblia é contra a
impunidade que reina em nossos dias, contra o desrespeito à vida. Esta violência,
que é fruto do pecado e uma prova irrefutável da necessidade de regeneração
do homem sem Deus, não pode ser combatida com a mesma violência da parte de
indivíduos ou grupos, mas sim pelos governos constituídos. A Bíblia é,
portanto, pela lei e pela ordem, pelo respeito à propriedade e à vida, pelo
tratamento da violência dentro dos parâmetros legais do governo, pela Pena de
Morte, para que a Sua Palavra seja respeitada e a violência diminua na terra.
*O autor é conferencista, pregador leigo e presbítero da Igreja Presbiteriana
de Santo Amaro, em São Paulo. Fez o Mestrado em Teologia no Biblical
Theological Seminary, nos Estados Unidos. Lecionou no Seminário Presbiteriano
do Norte, em Recife, e em institutos bíblicos da sua denominação em Recife,
Manaus e São Paulo. É executivo de um importante grupo brasileiro.
F. Solano Portela Neto*
11/17/2003
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