A Pena Capital e a Lei de Deus

Uma Posição Bíblica para os Evangélicos

“O que absolve o ímpio, e o que condena o justo, são ambos abomináveis ao Senhor”. Provérbios 17.15

 


Introdução

 

A pena capital, ou pena de morte, é um assunto atual.  A sua validade tem sido discutida em todos os setores da sociedade.  À medida em que aumenta a incidência dos crimes violentos observamos muitos movimentando-se para que a pena capital seja instaurada em nosso sistema judiciário.[1]  As revistas semanais têm trazido reportagens constantes sobre a violência, relatando uma pressão cada vez maior das pessoas para a aplicação de punições mais severas. Uma dessas reportagens fala sobre a insegurança assustadora e relata: “Assassinatos brutais, estupradores frios e estatísticas assombrosas transformam a violência no maior temor do brasileiro”. Indicando que o número de assassinatos ocorrentes em nossa sociedade “são de uma guerra civil”, a reportagem mostra que o crescimento nos últimos 7 anos (97%) é espantoso. Atualmente, mais de 50.000 pessoas são assassinadas por ano em nosso país. “É uma estatística demoníaca”, diz a revista.[2] Outra publicação, relata a reinstalação da pena de morte nos Estados Unidos, em 1976, indicando as discussões e estatísticas conflitantes existentes em relação à questão.[3] Já um ensaio publicado na revista Veja, faz troça com os que oram e lêem as Escrituras todos os dias e têm “Jesus sempre no coração”, mas favorecem a pena de morte.[4]

Os evangélicos estão perplexos e divididos. Sabem que a violência tem raízes no pecado. Reconhecem a necessidade de que algo deve ser feito. Observam a lentidão e falta de resposta adequada da justiça e o seu afastamento dos princípios bíblicos. Por outro lado, verificam que muitos sentimentos dos que são a favor da pena de morte, na sociedade secular, são incompatíveis com a postura do cristão. Avaliam que não existe verdadeira “sede de justiça”, mas um desejo baixo de vingança, ou de causar um mal maior ao criminoso do que o que foi feito à vítima. Outros, estão conscientes de suas obrigações na pregação do evangelho da vida, mas não separam as extensas responsabilidades do governo, perante Deus, das nossas obrigações individuais. Confundem a missão pessoal dos cristãos (de ir e pregar) com as atividades do governo (reconhecer os que praticam o bem e punir os que praticam o mal – Rm 13). Passam, portanto, a defender, para as instituições, determinações bíblicas que foram prescritas para as pessoas, para o indivíduo, não para os governos e governantes. Via de regra, extraem desse dilema um entendimento que não é coerente com os princípios de justiça estabelecidos por Deus para as nações, nem com o apreço e seriedade que as Escrituras dão à vida humana. Assim fazendo, alinham-se, em sua grande maioria, com os oponentes da pena capital.

 

 

A Posição de muitos Evangélicos – Alicerçada na Palavra?

 

Um documento da Associação Evangélica Brasileira, de 1993, exemplifica a posição sobre a pena de morte que normalmente encontramos no meio evangélico. A AEvB emitiu e distribuiu à nação e aos cristãos esse “manifesto”, contra um projeto que, na época, tramitava na Câmara dos Deputados visando a instituição da pena de morte no país. O “manifesto”, escrito em linguagem persuasiva, mas sem conter uma única citação das Escrituras, se propunha a indicar a visão cristã do assunto, colocando-se frontalmente contra a pena de morte. Conclamava, ele, o povo, os deputados[5] e a nação “à pena de Vida”, para que a “sociedade brasileira não precisasse cogitar executar os seus filhos”.

Algumas das reproduções desse documento trazem a citação de João 10.10 “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”,[6] mas o manifesto em si, é silente com relação a qualquer fundamentação de seus argumentos na Palavra de Deus. As razões do “manifesto” contra a pena de morte, são: (1) A pena já existiu e foi abolida no Brasil, em 1855, em função de erros judiciários; (2) A pena de morte não resolve a causa da violência; (3)  Existem muitas desigualdades sociais no Brasil e muitos privilégios que promovem injustiça; (4) Nossa sociedade tem muitos males próprios; (5) Os evangélicos devem insistir na esperança, no perdão, na restauração da vida; (6) Uma visão positiva da sociedade, sem injustiça e desigualdades sociais e com um sistema penitenciário reformulado fará com que ela não tenha que “executar seus filhos”. No final do “manifesto”, aqueles que forem a favor da pena capital são rotulados de “os que decidem sobre a morte”, enquanto que os que são contrários, como a AEvB, são os que “se mobilizam pela vida”.

Se a persuasão ética e teológica do povo de Deus fosse formada através da dialética e síntese de posições contraditórias; se ela fosse um mero reflexo da posição da maioria – ou de organizações de peso, como a OAB[7] – ; ou se fosse meramente baseada em trocadilhos inteligentes;[8] não precisaríamos dar mais um passo. A questão já estaria resolvida com o “manifesto” – deveríamos todos fazer oposição fechada contra a pena capital. Ocorre que os cristãos necessitam alicerçar suas convicções na Palavra de Deus. Não pode ser a “voz corrente da sociedade” que vem ditar o nosso testemunho, nem o fazer coro com uma visão humanista da vida que determina o que devemos ou não acreditar.

Em 1996, após realizar algumas palestras sobre a pena capital, fui procurado por uma jornalista da Revista Vinde, que iria publicar um artigo sobre o tema. Durante a entrevista, pela condução das perguntas, ficou clara a sua persuasão contra a pena de morte. Insensível aos argumentos bíblicos que eu apresentava, ela retrucava: “...a maioria dos países está deixando a aplicação da pena de morte..”. Por mais veraz que seja a constatação ela não é suficiente para estabelecer novos padrões de justiça, nem para firmar uma posição evangélica sobre a questão. Certamente a maioria dos países não abandona a pena de morte por estar abraçando a “lei maior do amor”, no sentido bíblico. Constatamos, também que a maioria dos países abriga a pornografia, aceita cada vez mais o divórcio e a dissolução familiar como normal, o casamento entre homossexuais, e por aí vai. Nada disso significa que estas coisas sejam certas em si—elas foram erradas e continuam erradas. Os evangélicos não podem firmar suas posições éticas com base nessas argumentações.

A reportagem realmente refletiu as pressuposições da repórter e da linha editorial da revista. Sob o título “A pena de morte no Banco dos Réus”, trazia o subtítulo: Discussão sobre a adoção da sentença capital divide opiniões até entre os crentes.[9] Ela traz exemplos de criminosos convertidos e declarações e argumentos não bíblicos, ou falaciosos, de várias personalidades, tais como: Antônio Carlos Berenhauser, presidente da Comissão dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro (“... a pena de morte seria um retrocesso... ela não faz justiça); do pastor Martinho Monteiro, da Assembleia de Deus (“... o criminoso deve pagar sendo útil à sociedade – doando órgãos... a pena de morte é uma maneira muito rápida de se resolver um problema”); da pastora Regina Célia, da Comunidade evangélica Agápe (“... só Deus é o Senhor da vida e da morte..”.); do deputado federal, líder da bancada evangélica, Salatiel Carvalho (“... a vida pertence a Deus e só ele pode tomá-la... a sentença capital não ajudaria a diminuir os índices de criminalidade e nos países onde ela existe, não ocorreu a redução esperada”); do diretor da Anistia Internacional no Brasil, Carlos Idoeta (“... o homicídio estatal... desvaloriza a vida”). São citadas apenas duas vozes a favor da pena de morte, no campo evangélico, e o comentário, com relação às citações à favor: “... há quem discorde deles”. Estatísticas que pretendem demonstrar que a maioria dos países rejeita a pena de morte, e alguns números, meio duvidosos, relatando uma enormidade de execuções de “inocentes”, nos Estados Unidos, completam o quadro apresentado pela reportagem, refletindo o posicionamento evangélico, contrário à pena capital.

Não obstante um eventual consenso da maioria, muito mais importante do que o que a voz corrente do povo está propagando, é irmos até a Palavra e verificarmos quais os padrões de Deus que nos são ensinados e como aplicá-los aos nossos dias. Não podemos superar a sabedoria e determinações de Deus. O que é requerido de nós é que nos acheguemos aos seus preceitos, com contrição, humildade e predisposição de aceitá-los, mesmo que estejam contra nossas convicções anteriores. Ele sabe o que é melhor para nós e, em seu tempo determinado, nos dará toda paz de espírito e confiança em seus caminhos.

A grande pergunta é, portanto, o que diz a Bíblia sobre este tema?  Qual deve ser a posição do servo de Deus, perante este assunto? Gostaríamos de que o leitor caminhasse conosco, em oração, nessa estrada do exame desapaixonado de pontos essenciais contidos na palavra de Deus, sobre assunto tão controvertido, mas tão contemporâneo e importante. Podemos começar o nossa jornada fazendo uma ligeira verificação do que a Bíblia tem a dizer sobre crimes e punições.

 

 

Crimes e Punições na Palavra de Deus

 

   Podemos aprender bastante com os princípios que norteavam o tratamento que a Bíblia dá aos crimes e punições.  Estamos tão enraizados em nossa cultura, em como ela trata a questão da quebra da lei, que talvez até nos surpreendamos com o encaminhamento dado pela Palavra de Deus à manutenção da lei e da ordem na sociedade civil de Israel. Vamos, portanto, dar uma rápida olhada em alguns princípios que encontramos, quando estudamos esse assunto nas Escrituras:

 

   1.  A primeira coisa que nos chama a atenção, é que na Bíblia não existe a provisão para cadeias. Isso mesmo! Elas nem existiam como instrumento de punição, nem como meio de reabilitação.  Isso realmente nos intriga, pois estamos tão acostumados com essa instituição que não podemos imaginar uma sociedade sem cadeias. Quando um crime é cometido, a punição que pensamos de imediato é a cadeia. “Merece cadeia!; devia estar na cadeia”! Dizemos com tanta freqüência. Mas na sociedade de Israel, no Antigo Testamento, a cadeia era apenas um local onde o criminoso era colocado até que se efetivasse o julgamento devido.  Em Números 15.34 lemos:  “...e o puseram em guarda; porquanto não estava declarado o que se lhe devia fazer...”. Logicamente encontramos na Bíblia o registro da existência de cadeias. Jeremias foi encarcerado e Paulo, igualmente, diversas vezes, dentro do sistema romano de punições. Mas estes encarceramentos eram estranhos às determinações de Deus.

 

   2.  Desta forma, por mais familiarizados que estejamos com esse conceito, não encontramos, na Palavra de Deus, o encarceramento como remédio, ou a perspectiva de reabilitação através de longas penas na prisão. Muito menos, encontramos a idéia de “proteção da sociedade” através da segregação do indivíduo que nela não se integra, ou que contra ela age. Ou seja, não encontramos, nas prescrições dadas ao povo de Deus, cadeias para punir, remediar, reabilitar ou proteger.

 

   3.  O princípio que encontramos na Bíblia é o da restituição.  Em Levítico 24.21 lemos, “...quem pois matar um animal restituí-lo-á, mas quem matar um homem assim lhe fará”.  A restituição ou retribuição, era sempre proporcional ao crime cometido. Como a restituição da vida era impossível, ao criminoso, no seu caso a punição era a perda da própria vida.

 

   4.  Isso significa que aquela sociedade não tinha meios para lidar com o crime? Ou aplicava a pena de morte em todos os casos de quebra da lei? Não. Ela possuía determinações bem precisas e eficazes contra a banalização e proliferação da criminalidade. Ela responde à quebra da lei com medidas rápidas e que representavam prejuízo econômico para o infrator. Para os casos de furto, a Lei Civil Bíblica prescrevia a restituição múltipla.  Vejamos em Êxodo 22.4 “...se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, seja jumento, ou ovelha, pagará o dobro”.

 

   5.  Nos casos de furto de propriedade que representa o ganha pão ou meio de subsistência do prejudicado, a Bíblia prescrevia a restituição de quatro ou cinco vezes o que foi subtraído.  Assim lemos em Êxodo 22.1  “...se alguém furtar boi ou ovelha e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas”.

 

   6.  As determinações das Escrituras procuravam proteger a vítima e colocar temor no criminoso, tirando qualquer idéia de proteção que viesse tornar a vítima em acusado também. O que queremos dizer é que, contrariamente aos nossos dias, quando as vítimas ou agentes da lei possuem as mãos amarradas pela excessiva proteção ao criminoso, o direito de cada um de defesa de sua propriedade era algo abrigado, concedido e salvaguardado, na legislação mosaica. Vemos isso em Êxodo 22.2:  “...se o ladrão for achado a minar e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue”.

 

   7.  Aqueles que roubavam alimentos para satisfazer a fome, deviam ser tratados com clemência, mas mesmo assim, persistia a obrigação de restituir sete vezes o alimento que furtou do legítimo dono, uma vez que a própria constituição da sociedade já possuía a provisão para atendimento aos carentes, tornando desnecessário o furto, como vemos em Deuteronômio 24.19 a 21.  Desta forma lemos em Pv. 6.30, 31:  “...não se injuria o ladrão quando furta para saciar sua alma, tendo fome;  mas encontrado, pagará sete vezes tanto: dará toda a fazenda da sua casa..”.

 

   8.  Vemos então, em apenas um rápido exame das diretrizes bíblicas e um confronto destas com as opiniões que agora surgem, a sabedoria ali encontrada.  Já há milênios antes de Cristo a Bíblia determinava punições pecuniárias, que o homem, a elas hoje chega, baseado na constatação empírica de que outras medidas não funcionam.  Com efeito os encarceramentos prolongados, hoje aplicados, não produzem reabilitações, não são bem sucedidos em conservar o criminoso fora de ação e as prisões constituem-se, na realidade, em verdadeiras fábricas de criminosos piores e mais violentos.

 

   9.  O sistema bíblico de punição pecuniária é destinado a tornar o crime uma atividade não lucrativa.  No que diz respeito àqueles criminosos que se recusavam a obedecer as autoridades constituídas, a sentença é a pena de morte.  Lemos isto em Deuteronômio 17.12:  “...o homem pois que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, o tal homem morrerá e tirarás o mal de Israel”.[10] 

 

   10. Isto eqüivale a dizer que a condição de reabilitação na sociedade, para o criminoso primário, era total e absoluta.  Indo na direção contrária à nossa sociedade, que coloca o criminoso iniciante enjaulado, em condições subumanas, como criminosos experientes – que se encarregam de formá-lo na escola do crime, o criminoso primário em Israel, pagando a indenização devida, estava pronto a se reintegrar na sociedade atingida pelos seus desmandos. Essa sociedade não deveria discrimina-lo de nenhuma forma, pois restituição havia sido efetivada.

 

   11. Por outro lado, havia aqueles que se recusavam a obedecer, reincidindo no caminho do crime.  A Bíblia reconhece a necessidade de proteger a sociedade desses elementos, mas não através do encarceramento – uma forma pseudo-humanitária, somente onerosa, imperfeita e impossível de produzir resultados.  O sistema encontrado na Bíblia apresenta a efetivação desta proteção de uma forma radical, mas destinada a produzir frutos permanentes e a gerar a paz e a tranqüilidade em uma sociedade.  Além disto, poderíamos falar no efeito didático, que a aplicação coerente e sistemática desta pena teria nos reincidentes em potencial.

 

   12.  Que diferença encontramos entre a forma de tratar o crime na sociedade de Israel e na filosofia e sistema empregados nos dias atuais! Em nossos dias, o crime prospera porque é lucrativo e porque corre impune, sendo isto também uma conseqüência da falta de adequação das penas impostas aos crimes cometidos. O sistema penal do Antigo Testamento previa não somente a adequação da penalidade aos crimes cometidos, mas a sua rápida aplicação. Lentidão da justiça é reconhecida até os dias de hoje como uma manifestação de injustiça. Nesse sentido, temos o registo apropriado da Palavra de Deus, em Eclesiastes 8.11:“Porquanto não se executa logo o juízo sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para praticar o mal”.

 

   13.  Obviamente não há a possibilidade da aplicação direta e total das Leis Civis prescritas por Deus ao estado teocrático de Israel, na sociedade atual. Nem podemos advocar a aplicação da pena de morte para todas as situações temporais prescritas na Lei Mosaica (como, por exemplo, pela quebra do sábado), pois destinavam-se a uma nação específica, dentro de específicas circunstâncias, e com propósitos definidos, da parte de Deus.

   Muitos dos princípios encontrados, naquela sociedade agrária, entretanto, são eternos e válidos até os dias de hoje e merecedores do nosso exame e estudo.  A rapidez das sentenças; as penas pecuniárias e o peso econômico sofrido pelos infratores, em benefício das vítimas; a visão clara de quem é vítima e de quem é infrator, sem cometer a inversão de valores de considerar os criminosos “vítimas do sistema”; o apreço pela vida humana, acima de qualquer outra perda; o cuidado todo especial pela preservação de uma sociedade na qual liberdade também significasse ausência de violências e de ameaças trazidas por indivíduos incorrigíveis; o chamado constante ao bom senso e à preservação da lei e da ordem, não apenas com meras palavras, mas com duras penas contra os malfeitores; a ênfase, respaldada igualmente em penas severas, no respeito aos anciãos e às autoridades; são alguns desses princípios que deveriam estar presentes em qualquer sociedade. Juristas cristãos muito poderiam contribuir para um aprofundamento deste tema, penetrando a fundo na regulamentação da sociedade veto-testamentária e procurando uma adequação desses princípios às nossas condições.

 

   A questão de crimes, punições e determinações divinas está alicerçada no tema maior da Lei de Deus. Mas o que realmente significa este termo. O que a Bíblia tem a nos dizer sobre os seus diferentes aspectos? Seria difícil prosseguir em nossa caminhada, se não fizermos uma exploração, neste estágio, do significado da Lei de Deus, e da sua relevância aos nossos dias:

 

 

A Lei de Deus

 

            O que é a Lei de Deus?

   Deus proferiu e revelou diversas determinações e deveres para o homem, em diferente épocas na história da humanidade.  Sua vontade para o homem, constitui a sua Lei e ela representa o que é de melhor para os seus. Quando estudamos a Lei de Deus, mais detalhadamente, devemos, entretanto, discernir os diversos aspectos, apresentados na Bíblia, desta lei.  Muitos mal-entendidos e doutrinas erradas podem ser evitadas, se possuirmos a visão bíblica do assunto.

   Nossa convicção é a de que podemos dividir a Lei de Deus em três aspectos:

 

            Os três Aspectos da Lei de Deus.

   1.  A Lei Civil ou Judicial—Representa a legislação dada à sociedade ou ao estado de Israel, por ex.: os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.

   2.  A Lei Religiosa ou Cerimonial—Esta representa a legislação levítica do Velho Testamento, por ex.: os sacrifícios e todo aquele simbolismo cerimonial.

   3.  A Lei Moral—Representa a vontade de Deus para com o homem, no que diz respeito ao seu comportamento e seus deveres principais.

 

            É toda a Lei Aplicável aos Nossos Dias?

   Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:

   1.  A Lei Civil: Tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Era temporal e necessária para época à qual foi concedia, mas foi específica para aquele estado teocrático. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade.  Um exemplo de erro de compreensão é encontrado nos Sabatistas (Adventistas do Sétimo Dia). Eles erram em querer aplicar parte dela, ao nosso dia-a-dia, mas terminam em incoerência, pois nunca vão conseguir aplica-la, nem fazê-la requerida, em sua totalidade.

   2.  A Lei Religiosa: Tinha a finalidade de impressionar aos homens a santidade de Deus e concentrar suas atenções no Messias prometido, Cristo,  fora do qual não há esperança.  Como tal, foi cumprida com Sua vinda e não se aplica aos nossos dias.  Mais uma vez, como exemplo, de falta de compreensão desse aspecto da lei, temos os Adventistas, que erram em querer aplicar parte dela nos dias de hoje (como por exemplo as determinações dietéticas) e em mistura-la com a Lei Civil.

   3.  A Lei Moral: Tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir o bem do mal.  Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões e assim foi apresentada por Jesus, que nunca a aboliu.  Neste caso, os Adventistas acertam em considera-la válida, porem erram em confundi-la e em mistura-la com as duas outras, prescrevendo uma aplicação confusa e desconexa.

   O seguinte gráfico nos auxilia na visualização da aplicabilidade das Leis de Deus, ao período atual em que vivemos:                        

A APLICABILIDADE DA LEI DE DEUS EM NOSSOS DIAS

LEI

 

   Validade

Lei Civil ou Judicial

Lei Religiosa ou Cerimonial

Lei Moral

(Resumida nos 10 Mandam.)

 

Intensidade da Validade

 

HISTÓRICA

 

 

 

 

 

 

TOTAL

 

 

DIDÁTICA

 

 

 

 

 

 

BASTANTE

 

 

REVELADORA

 

 

 

 

 

 

ALGUMA

 

 

NORMATIVA

 

 

 

 

 

 

NENHUMA

 

 

 

 

            Estamos Sob a Lei ou Sob a Graça de Deus?

   Muitas interpretações erradas podem surgir de um falho entendimento das declarações bíblicas sobre esta questão.  Com efeito, Paulo ensina que “não estamos sob a lei mas sob a graça” (Romanos 6:14).  Mas o que quer dizer “não estar sob a lei de Deus?” Perdeu ela a sua validade? É apenas um registro histórico? Estamos em uma situação de total desobrigação para com ela? Vamos apenas subjetivamente, “amar”, sem direcionamento ou ações concretas que comprovem este amor? Como vimos acima, temos que considerar os múltiplos aspectos da “lei de Deus”: Lei Civil ou Judicial, Lei Religiosa ou Cerimonial e Lei Moral. Se considerarmos que esses três aspectos apresentados da lei de Deus são distinções bíblicas, podemos afirmar:

   • Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da Graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.

   • Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.

   • Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos acharmos cobertos por sua graça.

   • Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nestes sentidos.

Entretanto...

   • Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.

   • Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa a trilha traçada por Deus no processo de  santificação, efetivado pelo Espírito Santo em nossas pessoas (João 14.15).  Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua Graça, representando a objetiva e proposicional revelação de Sua vontade.

   É verdade, portanto, que, nos sentidos acima, não estamos sob a lei, mas sob a graça de Deus. Devemos cuidar, entretanto, para nunca entender essa expressão como algo que invalida a lei moral de Deus aos nossos dias. Mais importante, ainda, devemos cuidar para não transmitir conceitos falsos e não bíblicos, estabelecendo uma falso contraste entre a lei e a graça, como se ambos não procedessem de Deus. Teologicamente, chamamos de antinomianismo, a filosofia que expressa total independência das pessoas para com a lei de Deus; que declara a invalidade dela para os nossos dias. Muitos ensinamentos no campo evangélico são, na prática e em essência, antinômios e totalmente subjetivos – ou seja, desprezam a lei de Deus, negam a sua validade e colocam a interpretação subjetiva de cada um acima das determinações objetivas reveladas por Deus, na Bíblia. Quando os reformadores defenderam a expressão Sola Scriptura – somente as escrituras, estavam reafirmando exatamente isso, que devemos sempre nos prender à objetiva revelação de Deus em sua palavra, e não nas especulações ou tradições dos homens.

   Quando examinamos a lei de Deus sob esses aspectos, muitas perguntas são pertinentes e devem ser individualmente respondidas. Será que temos a percepção correta de nossas obrigações para com Deus e para com o nosso próximo? Será que prezamos adequadamente a lei de Deus? Será que estamos utilizando o fato de estarmos “sob a graça” como desculpas para desprezarmos a lei de Deus?

Vemos, também, que qualquer tentativa de descartar as considerações bíblicas e um estudo mais profundo da pena de morte, com a alegação — “Ah, esta foi uma determinação para o tempo da lei, e nós estamos agora sob a graça...”, constitui-se em uma afirmação precipitada e sem significado, pois não leva em consideração os diversos aspectos e nuanças da Lei de Deus.

 

            A Lei Moral Existiu Antes dos Dez Mandamentos?

   A Lei Moral de Deus, constituindo a  sua vontade permanente para o homem, e estabelecendo as obrigações e deveres, do homem para com Deus e do homem para com o seu semelhante, foi revelada em diversas ocasiões, mesmo antes da codificação mosaica.

   Considerando os três aspectos da Lei e a sua aplicabilidade, vemos que as determinações de Deus ao homem proferidas antes da legislação mosaica (como por exemplo: Gen 9.6) possuem considerável significado para nós, pois certamente não fazem parte nem da lei civil de Israel (que ainda não existia como nação), nem da lei religiosa daquele povo (que ainda não havia sido emitida de forma codificada e sistemática). Como exemplo, verificamos que datam deste período os primeiros registros do dízimo, sendo este um dos principais argumentos para a sua utilização nos nossos dias, ou seja, ele não estava somente entrelaçado à legislação civil ou religiosa da nação de Israel.  As determinações deste período que não dizem respeito a procedimentos ou práticas cerimoniais religiosas, refletem a Lei Moral de Deus, representando a vontade deste, em todos os tempos, para todas as criaturas.

   A pena de morte foi instituída por Deus exatamente nesta época. Foi comandada a Noé e a seus descendentes, em Gn 9.5 e 6, antes das Leis Civis ou Judiciais, numa inferência de sua aplicabilidade universal. Nesse trecho lemos: “Certamente requererei o vosso sangue, o sangue das vossas vidas; de todo animal o requererei; como também do homem, sim, da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem. Quem derramar sangue de homem, pelo homem terá o seu sangue derramado; porque Deus fez o homem à sua imagem”.

O conceito da pena de morte originou-se, portanto, em Deus e não no homem. Não foi o homem cruel que, maquinando uma forma mais cruel ainda e sádica de punição, inventou uma forma rasteira de vingança. Foi o Deus todo poderoso e sábio, que exercendo os seus princípios de máxima justiça e santidade, sabendo o que é melhor para as pessoas, comanda o próprio governo humano para que execute justiça e puna com a morte todo aquele que ousar atentar contra o ser criado à imagem e semelhança de Deus. O teólogo John Murray faz a seguinte colocação sobre essa questão: “Depois do julgamento de Deus, aplicando a pena capital contra a sociedade humana, pelo dilúvio, Deus manifestou sua graça na efetivação de provisões para a conservação e promoção da vida, como uma antítese à morte. Estas provisões são exemplificadas em três instituições:

   a.  A propagação da vida:  Gênesis 9.1-7

   b.  A sustentação da vida:  Gênesis 8.22; 9.2b,3

   c.  A proteção da vida: Gênesis 9. 2a, 5, 6”. [11]

 

A instituição da pena capital se deu, assim, não porque Deus desse pouca validade à vida do homem, mas exatamente porque Ele considerava esta vida extremamente importante.  Desta forma, perdia o direito à sua própria vida qualquer um que ousasse atentar contra a criatura formada à imagem e semelhança do seu criador.  Esta foi a base da instituição da pena de morte, em Gênesis 9.6, enraizada na Lei Moral de Deus, como um reforço à sua determinação:  não matarás.  Esta mesma santidade de vida, encontraria reflexo posteriormente na codificação da Lei Moral de Deus, ou seja, no 6º Mandamento.

 

 

 

A Pena de Morte e o Decálogo.

 

            As Tábuas da Lei

   Na dádiva das “Tábuas da Lei”, ou seja nos Dez Mandamentos (Ex. 20.1-13), Deus resumiu a sua Lei Moral apresentando-a formalmente, e registrando-a, sucinta e objetivamente, para o benefício do seu povo.

   É interessante atentar para o contexto histórico da ocasião.  Foi a primeira vez que Deus falou coletivamente ao Seu Povo.  Existiram inúmeras preparações necessárias para ouvi-lo, relatadas a partir do capítulo 19.  O temor do povo perante a santidade de Deus era impressionante!  Após ouvi-lo inicialmente, o povo suplicou a Moisés que intermediasse este contato com Deus, tamanho era o temor. O incidente da dádiva da ei, e os acontecimentos que se seguiram, evidenciam a fragilidade do Povo de Deus e do homem, em geral.  Após tal demonstração de poder e santidade, logo se esqueceram de suas obrigações e, demonstrando ingratidão, caíram em idolatria.  Isto mostra o desprezo do ser humano, caído, pela lei.

   Os Dez Mandamentos estabelecem obrigações e limites para o homem.  O seu estudo aprofundado mostra a sabedoria infinita de Deus, bem assim como a harmonia reinante em Sua Palavra.  Revela também nossa insignificância perante  Ele, nossa dependência e necessidade de redenção, em virtude do nosso pecado. Todas as pessoas pecaram em Adão e desde então somos incapazes de cumprir a lei de Deus.

   Os Dez Mandamentos reforçam nossas obrigações para com os nossos semelhantes, em todos os sentidos.  Entre estas obrigações, está a de preservarmos a vida desses. Inferimos, também, que as sanções divinas, sobre a quebra destes mandamentos, carregam o peso e a importância anteriormente ordenadas por Deus.

 

            Jesus Cristo e os Dez Mandamentos

       Um incidente bíblico reafirma a validade da Lei Moral de Deus em todos os tempos, tanto na antiga como na nova aliança, e relaciona a lei com amor. Encontramos ele em Mt 22.34-40. Os Fariseus não estavam inquirindo em sinceridade, mas queriam, como sempre, confundir a Jesus. Perguntaram a ele qual o maior dos mandamentos. Eles se entregavam a esse tipo de discussão continuamente e geravam grande controvérsia, com a defesa de um ou de outro mandamento. Nesse sentido, pensavam que qualquer que fosse a resposta de Jesus, iriam indispô-lo com um grupo ou com outro. Jesus, entretanto, não cita nenhum mandamento específico do decálogo, mas faz referência, conjuntamente, a dois trechos conhecidos das Escrituras (Dt 6.5 e Lv 19.18), fornecendo um resumo dos dez mandamentos:

 

Os dez mandamentos podem ser divididos da seguinte forma:

Mandamentos 1 a 4

Nossas obrigações para com o nosso criador – Deus

Mandamentos 5 a 10

Nossas obrigações para com o nossos semelhantes

 

Jesus apresenta exatamente esse entendimento da Lei, em Mt 22.37-40:

Mandamentos 1 a 4 – Nossas obrigações para com Deus.

V. 37 – Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.

Mandamentos 5 a 10 – Nossas obrigações para com o próximo.

V. 39 – Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

 

   Não encontramos, portanto, Jesus Cristo, descartando a lei, mas cumprindo-a e resumindo-a em declarações do próprio Antigo Testamento. O seu ensino expande o entendimento anterior. Deus está interessado não apenas no cumprimento externo da lei – naquele evidenciado aos circunstantes, mas naquele cumprimento que procede de uma profunda convicção interna: do amor tanto por Deus como pelo próximo. Esse é o cumprimento que surge de uma vida transformada, tocada e operada pelo Espírito Santo de Deus. O verdadeiro amor se demonstra em ações concretas que agradam a Deus, pelo cumprimento de suas diretrizes (Jo 14.15 – “se me amais, guardareis os meus mandamentos”).

 

Com efeito, Jesus Cristo demonstra sua afirmação de que não veio para anular, ou abolir, a Lei, mas sim para cumpri-la, em outro incidente. Referimo-nos ao encontro com o Jovem Rico, registrado em  Mateus 19.16-26 e em Marcos 10.17-22. Note o desenvolvimento do que ocorreu, naquela ocasião:

   a.  O jovem apresentou-se como tendo cumprido todos os mandamentos, mas mesmo assim inquiria como alcançar a vida eterna. 

   b. Jesus começou  perguntando sobre os últimos 6 mandamentos, um a um... (nossas obrigações para com os nossos semelhantes).    

   c. Ele respondeu que tudo aquilo havia cumprido. 

   d. Jesus, entretanto,  não chegou a enunciar o último mandamento (Não cobiçarás...). 

   e. Em vez disso colocou um teste prático sobre a cobiça, mandando que ele vendesse tudo o que tinha e distribuísse com os pobres. 

   f. Nesse momento ele evidenciou a cobiça existente no seu coração e retirou-se triste, mostrando que não cumprira nem o primeiro mandamento, pois amava algo, mais do que a Deus.

   g. Note que Jesus, nunca aventou a possibilidade de que aquelas obrigações eram hipotéticas ou superadas pela “nova dispensação”, ou de que o Jovem Rico não estava mais “sob a Lei Moral de Deus, mas sob a Graça”.  Em vez disso, Cristo derrotou o argumento dentro da própria obrigação que o jovem possuía, de cumprir a lei, demonstrando que sua alegação de cumprimento era falsa.

 

   Consideramos, desta forma, a Lei Moral de Deus válida para nossa época.  A santidade da vida do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, contida nesta Lei, ainda subsiste. Subsistem, consequentemente, as sanções à retirada desta vida, ou seja a aplicação da pena de morte não foi revogada, como estamos ainda a demonstrar.

 

 

O 6º Mandamento e a Pena de Morte

 

   Muitos tentam encontrar no 6º Mandamento uma proibição à aplicação da pena de morte, dizendo que o “Não matarás”, proibiria qualquer execução.  O argumento é curioso, porque via de regra é aplicado justamente por aqueles que negam a validade da Lei Moral de Deus para os nossos dias, mas utilizam esta mesma lei quando lhes é conveniente.  Nosso entendimento, é de que precisamente o sexto mandamento reforça a aplicação da pena de morte, ou seja, ele não é, em momento algum, uma proibição à aplicação da pena capital.

          Este mandamento (Ex. 20.13) enfatiza a santidade da vida.  O que temos aqui, é Deus dando uma determinação bastante objetiva, proibindo o assassinato. A palavra, no original, ocorre 49 vezes no Antigo Testamento, sempre para descrever o assassinato premeditado. Nunca é utilizada com relação a animais, Deus, anjos, ou na morte de inimigos no campo de batalha. O mandamento não está ensinando que toda a morte é errada. O “não matarás”, aqui, significa, muito corretamente, não cometerás assassinato.

Ou seja: nenhum indivíduo tem o direito de tirar a vida de outro.  A proibição não se aplica, portanto, aos governos constituídos que, exercitando o mandato e a autoridade concedida por Deus, passassem a aplicar a justiça e a reforçar o sexto mandamento, com a aplicação da pena de morte. Isso é óbvio porque a própria Lei Civil de Israel, prescrevia a pena de morte em várias instâncias e ocasiões exatamente pela quebra do sexto mandamento – por exemplo, Ex 21.12 e Nm 35.16-21. Com efeito, nenhum profeta ou pronunciamento registrado na Palavra de Deus levanta a possibilidade de que estas leis civis de Israel, também dadas por Deus, estivessem contrárias ao sexto mandamento.

   A santidade da vida é uma determinação divina.  Por inferência, todas as ações que prejudiquem a integridade física do próximo, são passos preliminares no atentado à vida e constituem quebra do 6º Mandamento.

   A visão bíblica da santidade da vida, encontrada neste Mandamento e em outras passagens da Palavra de Deus, contrasta com os costumes dos povos pagãos daquela época, que rodeavam a nação de Israel, onde a vida humana era algo sem consideração ou valor, ao ponto de  muitas cerimônias religiosas prescreverem o sacrifício humano, de forma banal e corriqueira.  Esse ponto é enfatizado por Walter Keiser, no seu livro Old Testament Ethics“A Lei antiga do oriente prescrevia a pena de morte para crimes contra a propriedade, mas no Velho Testamento nenhum crime contra a propriedade é merecedor da pena capital.  Mais uma vez, o ponto focal é o de que  a vida é sagrada, não as coisas são sagradas.  Qualquer que pretendesse destruir a qualidade sagrada da vida cometia uma ofensa capital contra Deus”.

Como vimos anteriormente, a Bíblia diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, sendo esta uma das principais razões por que sua vida deve ser respeitada (Gen 9.6).  Hoje em dia, observamos cada vez mais uma vulgarização da vida, com o aumento gradativo da criminalidade e da impunidade que assola a nossa sociedade.

 

Voltando ao Princípio da Retribuição

 

   Quando tratamos sobre a questão da Lei Civil de Israel, sobre  os crimes e suas punições, dissemos que a não aplicabilidade da Lei Civil aos nossos dias não deveria nos isentar de pesquisarmos os princípios por trás daquela legislação.  Como já nos referimos, naquela ocasião, um dos princípios básicos nas punições, era o da retribuição.

   A pena de morte, estabelecida por Deus previamente à Lei Civil, obedece a este princípio da retribuição.    No detalhamento da Lei Civil ou Judicial, do Estado de Israel, aprendemos também que a execução desta sentença não foi dada desqualificadamente a indivíduos ou organizações fora do governo constituído.  Estes não possuem nenhum direito sobre a vida de quem quer que seja, por mais legítima que venham a parecer as causas ou razões.  A prova disto é a própria instituição das Cidades de Refúgio, estabelecidas por Deus em Números 35.9-34.  Naquelas cidades, até os assassinos confessos e declarados mereciam proteção temporária da fúria vingativa dos parentes próximos das pessoas assassinadas, pois o direito de fazer pagar a vida com a vida não havia sido delegado indiscriminadamente aos parentes ou aos amigos, mas à instituição do governo e somente após o julgamento devido.  Uma vez aferida a real culpa do acusado, o parente próximo poderia até ser o executor, mas não recebia sanção para cometer injustiça, para sair matando dando vazão à sua fúria.

   Por estes princípios, o crente deve ser contra os grupos de extermínio, os chamados vigilantes –muitas vezes contratados por comerciantes para “limpar” a área; contra os linchamentos realizados por turbas de populares enfurecidos – a maioria dos quais sem qualquer conhecimento até do crime real praticado, e todos agindo fora de qualquer procedimento legal; contra qualquer ação de execução sumária – muitas vezes quando o prisioneiro já está dominado, e quando vidas não estão mais sendo ameaçadas – praticada fora do legítimo processo de justiça por muitos policiais.  Essas ações e essas pessoas que assim agem, dando a aparência de execução de justiça, promovem na realidade a ausência de ordemanarquia e a desconsideração pela vida. Elas eliminam a possibilidade de verificação isenta dos fatos e dos possíveis crimes cometidos e a aplicação das justas penalidades.  Estes grupos de pessoas quebram, na realidade, o sexto mandamento, e agem contra o princípio de santidade da vida, ali estabelecido.

   Por outro lado, os argumentos pragmáticos, contra a pena de morte, por mais aparentemente verdadeiros que sejam, tais como:  “...os nossos governos e governantes são imorais e não podem praticar a justiça, nem receber esta delegação...”, não podem se sobrepor às determinações de Deus.  Por mais ilegítimos que sejam os governos, estas determinações de Deus permanecem legítimas.  Os governantes de Israel nem sempre foram justos, corretos e tementes a Deus.  Na realidade, em sua maioria, desrespeitaram abertamente a Deus e a suas Leis, abraçando a idolatria.  Nunca, entretanto, encontramos qualquer profeta indicando:  – “Vamos dar um tempo e suspender as aplicações da Lei de Deus, até que um governo bom e justo venha a se instalar em nosso país...”.  Pelo contrário, a mensagem profética era sempre no sentido de chamar também os governantes à obediência destas mesmas leis. Ao defendermos algo que é determinado por Deus, devemos ter coragem e ousadia, mesmo caminhando contra a corrente e pensamentos modernos, talvez politicamente “corretos”, mas que apresentam soluções estranhas aos parâmetros de justiça de Deus.

 

A Teologia da Reforma e a Pena de Morte – Aspectos Confessionais

 

1.  A opinião de João Calvino:

   As palavras seguintes, extraídas de um dos comentários de Calvino, não deixam dúvidas com relação à sua posição sobre a aplicação da pena capital. Escreve Calvino: “Quando Deus diz que ele requererá a punição dos animais quando violarem a vida de um homem, Ele nos dá isto como um exemplo.  Se, tomando o lado do homem, Ele se enfurece contra a criatura bruta, apressadas por uma impetuosidade de alimentação, em cair sobre o homem, o que será de um homem que, injusta e cruelmente, contrariando o sentido da natureza, ataca um de seus irmãos?”[12]

2.  A Confissão de Fé de Westminster (1643-1649):

   Aqueles que abraçam os ideais da reforma e a interpretação calvinista das Sagradas Escrituras, na crença de que ela faz justiça à Revelação de Deus para o ser humano, e de que representa uma das melhores formas de sistematização das verdades bíblicas, freqüentemente “esquecem” de consultar as confissões de fé do período e de suas denominações, sobre estes temas polêmicos e atuais.  Tome-se o caso da Confissão de Fé de Westminster, por exemplo. Ela não silencia quanto ao assunto da pena de morte.  Na realidade, ela é bastante específica.  Não podemos simplesmente descartar o assunto como sendo apenas “um reflexo histórico” da Igreja.  O que temos na Confissão de Fé, com efeito, é o reflexo do que os teólogos, que a formularam, acreditavam expressar da forma mais exata possível os ensinamentos da Palavra de Deus.   Muitas vezes, as convicções bíblicas registradas na Confissão de Fé de Westminster, foram corajosamente colocadas em contradição ao contexto histórico em que estavam vivendo aqueles servos de Deus.

   No capítulo XXIII da Confissão de Fé, intitulado “Do Magistrado Civil”, encontramos a referência ao governo civil, e de que Deus os “...armou  com o poder da espada” para atuação em quatro áreas:

   a. para defesa dos bons

   b. para incentivo dos bons,

   c. para castigo dos malfeitores

   d. para fazer licitamente a guerra, havendo ocasiões justas e necessárias”. 

   Da mesma forma que a execução de uma guerra implica em mortes, é óbvio que a utilização da espada, no castigo dos malfeitores, implica na pena de morte, dentro dos limites de utilização e de autoridade delegada e traçada por Deus.

3.  O Catecismo Maior (Perguntas 135 e 136)

   O Catecismo Maior é uma extensão da Confissão de Fé e nos ajuda em sua interpretação.  Ele foi formado com a finalidade didática de ensinar as doutrinas expostas na Confissão de Fé, seguindo aproximadamente o mesmo roteiro e desenvolvimento.  Nas perguntas Nº 135 e 136, e suas respectivas respostas, encontramos afirmações que não deixam margens a dúvidas, que aqueles teólogos consideravam a pena de morte bíblica e aplicável.  Estavam isentos e imunes dos argumentos humanistas que posteriormente viriam a permear as convicções éticas, práticas e teológicas do mundo evangélico.  Ali lemos:

   Pergunta 135--Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento?

             Resposta: ...todo o cuidado e todos os esforços para preservar a nossa vida e a de outros.

   Pergunta 136--Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento?

             Resposta:  ...o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto:

                             a.  no caso da justiça pública,

                             b.  no caso de guerra legítima,

                             c.  no caso de defesa necessária.

   Sem sombra de dúvida, temos que reconhecer que a Confissão de Fé de Westminster considera a Justiça Pública, como sendo a legítima aplicadora da pena capital, pelos padrões bíblicos de justiça, visando a santidade e a preservação, em última análise,  da vida dos cidadãos. 

 

 

A Pena de Morte no Novo Testamento

 

   Nossa convicção é de que a imutabilidade de Deus e de seus preceitos e desejos para o homem estabelecem uma harmonia e não uma dissociação e divisão entre o Velho e o Novo Testamento.  Os contrastes traçados por Jesus, no Sermão da Montanha (“...ouvistes o que foi dito aos antigos..”.) é muito mais um contraste entre a tradição dos anciãos e a verdadeira interpretação da Palavra do Deus, do que entre as determinações do Velho e as do Novo Testamento.

Vários cristãos, lendo as determinações desse sermão de Jesus, se colocam contra a pena de morte, porque deveríamos “virar o outro lado da face”, em vez de procurarmos vingança. Mas a vingança não é nossa prerrogativa, mas do Senhor. Como não é nossa prerrogativa revogar as determinações de justiça dadas por Deus aos governos. No Sermão da Montanha, Jesus não está argumentando contra o princípio de vida por vida, mas está falando contra o nosso desejo pessoal por vingança. Ele não está negando o poder e a responsabilidade do governo. Ele fala a nós como indivíduos, nos ensinando que não devemos tentar assumir ou substituir poderes e responsabilidades que pertencem aos governos. Assim ele nos chama, como indivíduos a amar os nossos inimigos e voltar a outra face. No contexto global do Novo Testamento, entretanto, ele reforça a autoridade dos governos como promotores da lei e da ordem, dos princípios de justiça, entre os quais se encontram a correta aplicação da pena capital.

Em muitos casos, Jesus amplia as prescrições e o significado das determinações da lei moral do Velho Testamento, mas não as revoga.  No Novo Testamento encontramos não a abolição da Lei Religiosa, mas sim a sua complementação e término de sua finalidade em Cristo.  Encontramos não a revogação da Lei Civil de Israel, mas sim o registro de uma nação fragmentada, sob o domínio de outra nação e de outras leis, e a determinação profética da dissolução desta mesma nação.  Quanto à Lei Moral, encontramos na realidade, afirmações de apoio e exortação da parte de Jesus, e nos demais livros, para o seu cumprimento e manutenção, como expressão maior do nosso amor para com Deus (“...se me amardes, guardareis os meus mandamentos...”).

   No caso específico da pena de morte, temos alguns registros, onde o assunto é mencionado, não havendo indicação de que os pontos básicos de justiça divina tivessem agora sido modificados, para a nossa era.  Vamos ver alguns destes trechos:

   1. Mateus 26.52—Jesus disse:  “...todos os que lançarem mão da espada, pela espada morrerão”.  Essa afirmação parece ser um reconhecimento tácito da legitimidade de aplicação da pena capital, como justa punição aos que vivem pela violência e desrespeito à vida.

   2.  João 19.11—“...nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado..”. Jesus reconhece que o poder de Pilatos de tirar a vida, vem do alto.  Ele não contesta este poder, mas o considera legitimo, ainda que aplicado ilegitimamente, no caso de Jesus, e possivelmente fora da proporção dos parâmetros bíblicos, no caso de outras execuções.

   3. Atos 25.11—Paulo, na sua defesa perante Festo, disse:  “Se eu cometi algum erro e fiz qualquer coisa digna de morte, não recuso morrer”.  Verifique que:

                   a.  Paulo reconhece que existiam crimes dignos de morte.

                   b.  Paulo informa que não ofereceria resistência ao recebimento da pena de morte.

                   c.  Paulo, implicitamente, reconhece que alguma autoridade possuía o direito de condenar

                   alguém à morte”.[13]             

   4. Romanos 1.32—“...que são dignos de morte, os que tais coisas praticam..”.  Paulo reconhece que existem pessoas “dignas de morte” dependendo dos atos praticados.

   5.  Romanos 13.1 e versículos seguintes—O conhecido trecho, que especifica as obrigações do governo, já tratado na abordagem dada pela Confissão de Fé, coloca claramente a espada nas mãos do Governo, como instrumento legítimo de punição. A colocação da espada nas mãos do governo é para uma óbvia finalidade, que dispensa mais explicações,

   6. 1 Pedro 2.13-14: “...sujeitai-vos à toda ordenação humana..”.  Os governos recebem a autoridade das mãos de Deus.  Devemos clamar contra as injustiças, mas não recebemos sanção para considera-los ilegítimos aplicadores da justiça, por mais distanciados que estejam de Deus.  Não recebemos sanção, de igual modo, para desobedecê-los, mesmo quando são injustos ( “...sujeitai-vos não somente aos bons e humanos, mas também aos maus..”.—1 Pedro 2:18), a não ser quando nos impelem a que desobedeçamos às próprias determinações de Deus.  Neste caso, devemos agir e responder como o próprio Pedro em Atos 5:29:  “Mais importa obedecer a Deus, do que aos homens”.

   7. Apocalipse 13.10--”Se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto”.  Em harmonia com a afirmação de Cristo, em Mateus 26:52, numa inferência de que o princípio de justiça da retribuição, continua válido no Novo Testamento.

   Semelhantemente ao verificado no Velho Testamento, as determinações eternas de Deus não estavam atreladas à bondade ou não dos governos temporais.  O governo do contexto do Novo Testamento era bastante injusto, ruim e primitivo, mas mesmo assim a legitimidade dos governos não foi retirada e nem as responsabilidades de aplicação da justiça correta revogada. Seria diferente, em nossos dias?

 

 

Existem Situações em que a Pena de Morte foi Comutada, na Bíblia ?

   Alguns dizem que em duas instâncias na Palavra de Deus a pena de morte foi comutada, portanto a vontade de Deus seria a sua não aplicabilidade.  Não concordamos com esta conclusão.  Em primeiro lugar, esses dois trechos falam da aplicação da pena de morte não por assassinato, como prescreve a sua instituição, em Gn 9.6, e o seu enraizamento com a lei moral de Deus (quebra do sexto mandamento), mas na situação específica de adultério – contra o qual a lei civil de Israel aplicava a pena capital. Vejamos os dois casos:

   1.  O caso do adultério de David (2 Samuel 11 e 12).  Quando examinamos esse incidente concluímos que Deus lidou pessoal e especificamente com a questão. A punição a ser aplicada seria, consequentemente, sua prerrogativa, independentemente de qualquer legislação, diga-se de passagem, dada pelo próprio Deus, para uma aplicação generalizada. O adultério de David levou a pecados maiores – ele tornou-se mandante de um assassinato, demonstrando a  intensidade da espiral do pecado. Os que procuram ver nesse incidente apenas a  operação do perdão de Deus terão que explicar a questão ainda mais difícil de perda da vida da criança, do filho de David, que sobreveio a ele, da parte de Deus, como conseqüência direta do seu pecado.

2.       O caso da Mulher adúltera (João 7:53-8:11).  Sem entrar na polêmica da contestação textual da passagem,[14] o que vemos é que Jesus chamou para si a administração da  questão, exercitando suas prerrogativas de perdão, mas, principalmente, ele não permitiu um processo indevido sem testemunhas.  A forma pela qual a turba queria apedrejá-la, contrariava os preceitos da própria lei mosaica. O encaminhamento que Jesus deu à questão, não significa uma rejeição da pena em si. Em adição a isso, devemos considerar o contexto do incidente. Temos, mais uma vez os Fariseus, que tentavam “pegar” Jesus em uma armadilha, jogando-o contra a lei judaica ou romana. Se ele concordasse com o apedrejamento, quebraria a lei romana. Se rejeitasse tal punição, quebraria a lei mosaica (Lv. 20.10; Dt. 22.22). A resposta dada por Jesus sabiamente evitou a armadilha, mandando o que não tivesse pecado jogar a primeira pedra. Isso não é uma abolição da pena de morte. Além dessas considerações, temos que entender que ela é uma passagem histórico/descritiva e não prescritiva. Os princípios e penalidades foram estabelecidos em outros trechos da Palavra de Deus.

 

 

Respostas a mais Duas Objeções Contra a Pena de Morte

Temos tratados várias objeções à pena capital, ao longo de nossa exposição, mas duas delas, por serem muito comuns, merecem um tratamento mais específico:

   1Objeção: A pena de morte não serve para diminuir a criminalidade.

Resposta: Colocar-se contra, ou a favor da pena de morte por razões utilitárias é exatamente o oposto do que estamos advocando. É necessário que os cristãos definam a sua ética pela Palavra de Deus. Isso não nos impede, é lógico, de examinarmos esses argumentos e objeções. Vamos pressupor que a pena de morte não aja como desencorajadora do crime. Isso a torna errada? Os defensores dessa posição, por acaso acham que as cadeias, estão cumprindo o propósito e servindo de freio à criminalidade? Se não, vamos aboli-las?

Mas vamos supor, agora, que a pena de morte aja como freio à criminalidade. Seria esse o fato preponderante para que a apoiássemos? E se chegarmos a conclusão que a tortura também diminui a criminalidade, vamos ser a favor da tortura, como forma de regular a sociedade? Obviamente que não. A diferença, portanto, entre uma posição moral certa ou errada, é se ela é abrigada e sustentada pelas determinações de Deus ao homem. No que a Palavra silencia, seguimos os usos e costumes e outros princípios que também emanam de Deus, sobre os nossos relacionamentos sociais.

Escrevendo sobre esse tema, um autor cristão coloca a questão da seguinte maneira: “O ponto focal da discussão, do ponto de vista do crente, não é se a pena de morte serve ou não para diminuição da criminalidade.  Deus não a instituiu apenas para ser um “freio” com relação aos crimes.  Ele a comanda porque a vida humana é sagrada.  A vida é de Sua propriedade e o poder de tira-la pertence a Ele.  Quando uma pessoa tira a vida de alguém ele está assumindo o lugar de Deus... Quando as pessoas se opõem à pena de morte com bases “humanitárias”, estão na realidade minimizando a Deus e Seus Mandamentos, sujeitando-o ao raciocínio humano.  Estes degradam a vida, pois não a consideram tão sagrada quanto Deus a considera.  Não vêem o crime do ponto de vista de Deus”.[15]

Normalmente a objeção acima é colocada, fazendo referência a “estudos realizados”, mas não são apresentados números. Por exemplo, a conhecida organização Anistia Internacional, que é vigorosamente contra a pena capital, publica o seguinte declaração: “Estudos científicos têm consistentemente deixado de produzir evidências de que a pena de morte impede, mais do que outros métodos de punição, o crime”. Referência é feita a um estudo das Nações Unidas, conduzido em 1988, que concluiu com a seguinte observação: “Esta pesquisa não forneceu qualquer prova científica que as execuções impedem mais a criminalidade do que a prisão perpétua”. Mostrando como as pressuposições marcam as convicções, a declaração da Anistia Internacional registra que “é praticamente impossível que tais provas possam ser obtidas no futuro”.[16]

Mesmo sem ser essa a base de nossa convicção, temos que reconhecer que o exame dos números prova mesmo é que a pena capital desencoraja o crime. Observemos os seguintes dados: No final da década de 60 e início da de 70, a pena de morte foi praticamente abolida nos Estados Unidos. Veja o salto que deu o número de assassinatos e compare com as execuções em cada ano:

Ano

Assassinatos

Execuções

1959

8.580

49

1960

9.140

56

1961

8.600

42

1962

8.400

47

1963

8.500

21

1964

8.250

15

1965

9.850

7

1966

10.950

1

1967

12.090

2

1968

13.250

0

1969

14.830

0

1970

15.860

0

1971

17.630

0

Fonte: Capital Punishment, M. L. Moser, Jr. Challenge Press, Arkansas: USA, p. 35.

 

capdete1
 


Agora, ampliando os dados até 1996, veja, no gráfico abaixo, a taxa de homicídio nos Estados Unidos (pessoas assassinadas por milhão de habitantes) nos respectivos anos. O efeito é igualmente ascendente, de 1964 até 1980, quando começa a declinar:

A sobreposição do reinício das execuções, com a taxa de assassinatos por milhão de habitantes, mostra a correlação entre a aplicação da pena capital a diminuição dos assassinatos, como pode ser visto, no gráfico abaixo:

 

 


Dessa forma, procurando uma forma de diminuir a criminalidade, no final da década de setenta e na década de oitenta muitos estados americanos recolocaram a pena de morte em sua legislação. A questão estatística não deve ser determinante de nossa posição contra ou a favor da pena capital, ou de qualquer outro posicionamento ético. O crente é direcionado por princípios na expectativa e na fé de que o Deus, que os concedeu, sabe que eles funcionam no seu devido tempo. Mas é importante notarmos que a pena de morte também foi instituída por Deus como um fator para a diminuição da criminalidade (“para que todo o Israel o veja e o tema...”, vide Dt. 21.21; 19.20; Js 7.25; Pv 21.11 e Nm 15.36)

 

 

   2Objeção: A pena de morte tira “a chance” do condenado de aceitar o evangelho.

   Resposta: Realmente, esse é um argumento que não deveria ser formulado por um crente nas doutrinas da reforma, relacionadas com a soberania de Deus na salvação, mas, infelizmente, ele é proferido por muitos. Dizer que a pena de morte não pode ser advocada pelo crente, porque o condenado assim perde a “chance” de ser atingido pelo evangelho e salvo, é uma falácia.  Mas, vamos presumir, só para demonstrar a posição ilógica desta colocação, que as pessoas são alcançadas pelo evangelho “por chance”. Dois contra-argumentos circunstanciais, baseados nas mesmas premissas, mostram que a objeção não se sustenta:

a.  Muitos condenados poderiam ser atingidos pelo evangelho exatamente porque são confrontados com a morte e não vêem escapatória...

b.  Considerando que muitos dos criminosos, por não serem executados, voltam às ruas para matar, o que dizer das vítimas inocentes, que morrerão sem terem tido a “chance” de serem atingidas pelo evangelho, porque aquele criminoso havia-lhes tirado, prematuramente, as vidas? De quem queremos “preservar mais a chance” – dos criminosos, ou das muitas vítimas reais e em potencial?

 

 

 

Conclusão

   A defesa da pena de morte, contra assassinatos, é uma atitude coerente com o horror à violência demonstrado na Palavra de Deus. Deus estabeleceu os princípios da pena capital desde os primórdios da humanidade, em Gênesis 9.6, entrelaçando a sua aplicação à preciosidade da vida do homem, que foi criado à imagem e semelhança de Deus.  A Bíblia é contra a impunidade que reina em nossos dias, contra o desrespeito à vida.  Esta violência, que é fruto do pecado, e uma prova irrefutável da necessidade de regeneração do ser humano sem Deus, não pode ser combatida com a mesma violência da parte de indivíduos ou grupos, mas sim pelos governos constituídos.  A Bíblia é, portanto, pela lei e pela ordem, pelo respeito à propriedade e à vida, pelo tratamento da violência dentro dos parâmetros legais do governo, pela pena de morte, para que a Sua Palavra seja respeitada e a violência diminua na terra.

Muitas vezes os homens querem melhorar o que Deus estabeleceu. Querem demonstrar mais justiça do que Deus demonstra. Querem retratar mais amor e sentimentos do que o amor perfeito de Deus revela. Querem ser mais bondosos e gentis, do que a ocasião requer. No cômputo final, tornam-se injustos e punem quando não deviam punir, protegem assassinos, que continuarão a ceifar vidas, abrigam um sistema falido e corrupto que coloca nas ruas com extrema facilidade os que já não deveriam ter lugar na sociedade. Profanam o nome e a justiça divina, Refletem o que está escrito em Ez 13.19: "Vós me profanastes entre o meu povo, por punhados de cevada, e por pedaços de pão, para matardes as almas que não haviam de morrer, e preservardes com vida as almas que não haviam de viver, mentindo assim ao meu povo que escuta mentiras”.

Resumindo, a nossa razão principal para ser a favor da pena de morte, é uma simples questão de ficar firme e inabalável junto aos padrões de justiça de Deus. Sabemos que uma grande maioria pode considerar essa posição ultrapassada, mas nem tudo que o homem considera progresso tem respaldo ou vai ao encontro da Palavra de Deus. Na maioria das vezes, o homem pecador e a sua civilização progride na sofisticação de realização do pecado, no afastamento dos preceitos de Deus. Supostamente, estamos cada dia mais respeitando as pessoas e os seus direitos. Na realidade, quando nos afastamos progressivamente de Deus e de seus preceitos, estamos mesmo é desrespeitando os princípios básicos da lei de Deus estabelecidos para que possamos ter uma vida com estabilidade e não com convulsão social. Nesse sentido, Paulo, admoesta Timóteo para que interceda pelas autoridades, em 1 Tm 2.2, dizendo que ele deve orar pelos governantes “...e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida [tranqüila] e sossegada, em toda a piedade e honestidade”.

Deus dá tanta importância à vida humana, formada à Sua imagem e semelhança, que aquele que mata o seu semelhante perde o direito à sua vida, e a aplicação dessa penalização foi dada aos governos dos homens (não a grupos de vigilantes, justiceiros ou arruaceiros). A pena de morte foi instituída não por indiferença à vida humana, mas exatamente por respeito à ela. Como cristãos temos que admitir que Deus tem mais sabedoria que o homem de estabelecer a sua forma de justiça retributiva e de colocar bloqueios à quebra de sua Lei, de tal forma que as pessoas venham a temer a injustiça e procurem a harmonia e respeito com os seus semelhantes. Se as pessoas não fugirem da prática do crime por convicção dos deveres para com Deus, pelo menos, existindo a aplicação coerente de Sua lei, deverão evitar a senda do crime por apreensão quanto às conseqüências da prática do mal.

Não podemos confundir nossa missão individual como cristãos (de ir e pregar) com as atividades do governo (reconhecer aquele que pratica o bem e punir o que pratica o mal - Rm 13). Ambos estamos debaixo do mesmo Deus, cada um em sua esfera de atuação. Devemos ter também a compreensão de que muitos evangélicos que, às vezes inconscientemente, defendem posições humanistas contrárias aos padrões de justiça estabelecidos na Palavra, como o caso do “manifesto” apresentado no início desta exposição, se amoldam à visão distorcida da sociedade sem Deus. Nesse sentido, confundem o descrente, em vez de esclarecê-lo. Estamos, a cada dia, deixando a singularidade de nossa posição bíblica, numa busca desenfreada por aceitação e respeitabilidade.

   Reconhecemos que muitos são a favor da pena de morte pelas razões mais estranhas possíveis, várias delas contrárias à Palavra de Deus e ao espírito cristão que deve nos nortear. Por outro lado, muitas pessoas são contra ela também sem qualquer consideração aos padrões de Deus. Quantas vezes não temos ouvido, em entrevistas, pessoas dizendo: “A morte é pouco, para esse criminoso...”, ou “...eu quero é que ele seja colocado em uma cela cheia de marginais para ser tratado pelos demais como ele tratou a vítima”. Em ambos os casos, a motivação não é “sêde de justiça”, mas vingança pura, sadismo recolhido, falta de sabedoria, ou rancor por ter sofrido de alguma forma nas mãos de alguém—ou seja, muitos são contra porque acham que a pena capital não é ruim o suficiente para a ruindade das pessoas (querem exceder a justiça de Deus). Também por essa razão, nós evangélicos, devemos ponderar muito antes de nos alinharmos com os movimentos defensores da pena capital, pois não queremos que as argumentações deles, via de regra sem qualquer consideração aos padrões de Deus, sejam colocadas em nossa boca. Entretanto, nossa posição, como cristãos, deveria ser plenamente a favor da pena capital, forçados pelas evidências bíblicas que acabamos de verificar. Devemos ter a convicção de que, com a sua implantação e aplicação dentro dos parâmetros das Escrituras, a justiça em nossa terra seria menos adulterada e subvertida e a insegurança seria reduzida. Pela graça de Deus, e somente por ela, com as leis do nosso país estruturadas em uma harmonia maior com os padrões de justiça de Deus, em vez de observarmos a atual situação de amoralidade e desrespeito total à vida humana em que nos encontramos, poderíamos, como sociedade e país, viver em mais segurança e respeito real às pessoas, criadas à imagem e semelhança de Deus.

 

F. Solano Portela Neto - Ó1992

Revisões principais - 1998, 2000

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[1] Revista IstoÉ, “Pela pena de morte”, por Madi Rodrigues (No. 1494 – 20 de maio de 1998). O texto da reportagem está disponível no endereço: www.zaz.com.br/istoe/vermelha/149402.chtm.

[2] Revista Época, “Insegurança Assustadora” (No. 52 – 17 de maio de 1999). O texto da reportagem está também disponível no endereço: www.epoca.com.br/edic/ed170599/brasil1.htm.

[3] Revista IstoÉ, “Execução, uma Polêmica Mundial”, por Kátia Mello (No. 1567 – 13 de outubro de 1999). O texto da reportagem está disponível no endereço: www.zaz.com.br/istoe/brasileiros/1999/10/09/001.htm.

[4] Revista Veja, “E Depois Terceiro Mundo Somos Nós?”, por Roberto Pompeu de Toledo (No. 1637 – 23 de fevereiro de 2000) 158.

[5] Na ocasião, o seu presidente era o Rev. Caio Fábio Filho. O “manifesto” tem a co-autoria de Rubem Martins Amorese, na época, secretário de ética da AEvB. O documento foi apresentado no plenário da Câmara dos Deputados e, posteriormente reproduzido, tanto em jornais, como por várias igrejas.

[6] A relação que se pretende fazer do verso (Jo 10.10) com o “manifesto” está, obviamente, fora do contexto no qual Jesus o pronunciou. Jesus está ensinando, no início do verso, exatamente a salvação da violência e do pecado (“O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir ...” enquanto que, na contrastante parte final do verso, ELE vem para que tenhamos vida). Ele não está ensinando o livramento da justiça e de suas penalidades, para quem comete os crimes da roubar, matar e destruir, no seio da sociedade.

[7] A Ordem dos Advogados do Brasil tem emitido repetidos pronunciamentos contra a pena de morte. Curiosamente, o documento atribui a seguinte citação “à OAB”: “de que adiantam leis se não há justiça?”.

[8] “pena de vida”, contra “pena de morte” – uma colocação que retrata Deus como um ser cruel, “pela morte”, em vez de “pela vida”, uma vez que inegavelmente ele instituiu a pena capital no  antigo testamento.

[9] Danielle Franco, “A Pena de Morte no Banco dos Réus”, na Revista Vinde, Novembro de 1996, 98-101.

[10] O “manifesto” da AevB, anteriormente citado, diz que com a pena de morte “...não são eliminadas as causas da violência...”. Verdadeiramente, a causa primária da violência é o pecado no homem. Esse não é eliminado pela pena de morte. Mas a causa de violências é corrigida com a pena de morte. O assassino contumaz, se eliminado da sociedade, não poderá mais assassinar e gerar mais violência contra inocentes.

[11] John Murray, Principles of Conduct 43. 

 

[12]  João Calvino, Comentário  em Gênesis 9.5.

[13] John Murray, Principles of Conduct, (Trenton: Presbyterian  and Reformed Publishing Co.) 120,121.

[14] Alguns manuscritos mais antigos, considerados melhores (Aleph, A, B, L, N, W), não contêm este relato, mas o contexto (parece esclarecer o discurso do Senhor em João 8.12 e versos seguintes), os testemunhos relacionados com este texto de Eusebius sobre Papias (discípulo de João, que aparentemente conhecia o incidente e falava sobre ele), o de Agostinho (que indica uma possível remoção do texto, no passado, para não incentivar o adultério), e a sua ocorrência em muitos outros manuscritos também antigos (Codex Bezæ, nos textos Koiné, e nos cursivos), nos levam a considerar este trecho como parte dos manuscritos originais.

[15] Trecho de artigo por Norman Olson na revista Confident Living, (July/August 1988) 34.

[16] Facts and Figures on the Death penalty, ensaio da Anistia Internacional (30 de junho de 1995), obtível no endereço: http://chem.leeds.ac.uk/Amnesty/deathp.html



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